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A LANTERNA DE DIÓGENES

J. Antunes de Sousa

J. Antunes de Sousa

A julgar pelo alvoroço popular na praça Syntagma em Atenas, eu faço ideia as vezes que o episódio terá sido evocado – Diógenes de Sínope vagueando, em pleno dia, pelas ruas de Atenas de lanterna acesa em punho. E aos que, espantados, o interpelavam respondia invariavelmente: «procuro um homem», isto é, alguém com aspecto humano que o seja realmente.

Àqueles que tão edificantemente se empenham em descortinar diferenças entre nós, portugueses, e os gregos, já uma vez lhes disse e, agora, repito, que diferentes só no modo como amochamos – um pouco menos ruído por cá. Mas ambos vergados à ditadura insinuante e sinuosa dos mercados – que mais parecem uns modernos mercadores!

A estratégia é, como se sabe, a do predador: reduzir ao mínimo a resistência da presa. Trata-se de ganhar quase sem ter que disparar um tiro – porque o segredo está em tirar ao adversário a sua capacidade de lutar. Como? Ai, de tantas maneiras…

Desde logo, enfraquecendo o ânimo dos dirigentes, fazendo dessa massa inerte de gente de pó-de-arroz, uma tropa em cuecas, desarmada, abúlica, eticamente flácida – e rendida ao fascínio de tão categórica dominação.

Que melhor do que uma massa informe de gente, pateta e alegre, sempre pronta a dobrar docilmente a cerviz a tão luzidios senhores? Essa mixórdia gelatinosa de gente de espinha mole, sempre nos tacos para correr atrás de quem lhe acenar com a moeda mais valiosa: serve-se este senhor e logo a seguir o senhor que se suporia ser o seu oposto – resta saber se o é de facto!

É este magma cinzento do centro lascivioso dos interesses, caracterizado pela paradoxal disponibilidade para servir, sempre com o mesmo enlevo, a Deus e ao diabo, que está a minar e afogar o nosso ânimo colectivo.

Para esta gente, a Ética é mais que nada uma moda – e, como toda a moda, tem a caracterizá-la uma prodigiosa propriedade, a ductilidade: o buraco tem sempre o tamanho e o feitio de quem nele necessita de se esconder!

À margem, pois, da ÉTICA, instalou-se, neste pobre país, uma espécie de zona neutra da (im)pura funcionalidade: funciona? É tecnicamente competente? É quanto basta!

Não há para esta gente outro critério que não seja o pronto-socorro do costume: a legalidade – esse artifício seráfico, congeminado pelo oracular conluio entre as redes clientelares dos interesses instalados. Gastou-se à tripa forra? Mas nem um cêntimo que não estivesse previsto nas rubricas – as tais em letra miudinha. Tentaram ludibriar as contas públicas? Ah, mas era transparente e, tecnicamente, a proposta estava um primor… E pensar eu que grande parte desta gente se formou na Universidade Católica!

Vivemos um tempo que privilegia não a ética maturante do serviço, mas apenas a estética do sucesso a toda a brida – eis o logro que está a dar cabo disto!

Quem nos dera que, neste cantinho à beira- mar plantado, ainda fosse possível encontrar um Secretário de Estado, alguém que pudesse ser um honesto claviculário dos cofres públicos, alguém que resistisse ao teste popperiano da falsificabilidade –  haja alguém, enfim, que se aguente no cargo mais de oito dias!

Sugestão popular: que o Primeiro-Ministro mande instalar em S. Bento a máquina da verdade do programa da Fátima Lopes – talvez assim se poupasse este tempo todo que se leva a lavar roupa suja, uma das actividades mais caras a este nosso povo de língua afiada.

Regresso a Diógenes que, num dia de sol, mas frio, a Alexandre da Macedónia que o visitara e lhe oferecera tudo o que ele quisesse, lhe disse: «não me tires o que não me podes dar», pois estava a fazer-lhe sombra e a impedir que apanhasse o sol com que se aquecia.

Diógenes, desafiando o hedonismo de então, vivia rudemente num barril.

Também nós vivemos, nestes dias de aflição, num barril – de pólvora!

E, de lá, também nós gritamos a estes novos imperadores de trazer por casa: não nos tirem o que não nos podem dar – o Sol da Esperança!

Por: José Antunes de Sousa
“escreve sem o acordo ortográfico”

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