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A REINVENÇÃO DAS PALAVRAS…

Ernani Balsa

Ernani Balsa

Quem teme pelas palavras que diz, tenta dissimulá-las para esconder o seu verdadeiro significado. Quem, mesmo acreditando naquilo que pensa e sabe do impacto dos seus pensamentos, reinventa o léxico da sua maldade. Quem, apesar da maldade do seu carácter, não consegue purificar a sua consciência, não hesita em ludibriar aqueles que de si dependem.

Este é o retrato de família do actual governo, se bem que alguns, muito poucos, se tentem ocultar atrás da corpulência arrogante dos que se afoitam a olhar de frente para a populaça. É absolutamente caricato o esforço que fazem para mascarar as palavras de novas fórmulas de dissimulação, que geralmente só acentuam ainda mais o significado daquilo que não querem dizer. O ajustamento, a convergência, a requalificação, a poupança e outras pérolas deste léxico neo-liberal e bacoco, numa derradeira tentativa de baralhar as pessoas e não atribuírem o verdadeiro valor negativo daquilo que anunciam, proclamam e difundem, é bem o espelho da sujidade das suas consciências, da baixeza do seu carácter e da afoiteza vil e calculada da sua determinação. Julgam eles que inventando uma nova narrativa, cheia de termos dúbios e mesmo antagónicos da realidade, conseguem enfeitiçar o povo e até deslumbrá-lo com uma linguagem amorfa e abstracta.

Este é apenas um pequeno exemplo que nos deve alertar para a verdadeira perigosidade destes políticos arvorados em sacrificados salvadores da Pátria. Eles não recuam perante nada e elegeram-se os únicos, os escolhidos e os visionários duma sociedade que não tem direito a futuro, porque apenas servem no presente, para os seus desígnios de um país de castas e escravos. As pessoas, aquelas que não pertencem à sua estirpe de iluminados, só podem aspirar ao presente e acomodar-se na pobreza que eles decretaram. O futuro fica apenas reservado para os eleitos.

Tomemos como exemplo o drama dos desempregados. Está escrito na agenda do nosso “querido governo”, que o desemprego só se resolve com a flexibilização ainda maior do mercado do trabalho, solução que lhes é constantemente sussurrada por aquela tenebrosa trupe da troika, companhia itinerante de artistas de segunda escolha que os mercados cá mandam para passar uns sermões aos recalcitrantes despesistas da periferia europeia. Com maior flexibilidade, isso sim, o desemprego tomaria outra forma. E como? Maior flexibilidade no mercado do trabalho, normalmente significa mais facilidade nos despedimentos, outra das novas designações que mascaram o verdadeiro significado daquilo que realmente se quer dizer. O que passaria a acontecer era que os grandes patrões e depois todos os outros, por arrastamento, poderiam despedir quem quisessem para, quando houvesse necessidade, contratar outros trabalhadores, cada vez em piores condições contratuais, para mais tarde os despedirem e assim poderem ir renovando a mão-de-obra, rotativamente e cada vez com menos responsabilidades de proteção social. Criar-se-ia assim uma plataforma flutuante de desempregados que teriam emprego alternadamente e segundo as necessidades e flutuações dos mercados, mas cada vez com menos direitos e uma completa ausência de vínculos laborais. Uma vida por turnos, porque a vida continuada e consequente estaria apenas reservada a alguns…

Claro que também há quem diga que o desemprego se combate com a retoma da economia, mas isso são uns líricos que ainda acreditam que o nosso país tem economia. Puro engano! O que o nosso país tem é uma vocação de prestador de serviços, deixando essa coisa superior e etérea da economia para os verdadeiros países europeus, como a Alemanha, por exemplo. Aliás, ainda hoje ouvi no noticiário, a propósito das eleições nesse grande e solidário país, que os alemães em geral apreciavam muito a forma determinada como Angela Merkel governava a Europa… E eu que ainda não tinha dado conta que ela já tinha sido eleita para tal cargo. Ou terá sido o Durão Barroso que a empossou, em cerimónia privada?… É, no entanto assim, que vivemos nesta Europa dos pequeninos, uma Europa virtual e feita laboratório dos magos e feiticeiros da finança. Eu ainda sou do tempo em que se falava duma Europa solidária, mas isso foi no século passado. Eu sei, sou um irrecuperável saudosista e sem flexibilidade suficiente para entender esta nova Europa.

Bem, portanto, uma vez que a recuperação da economia é uma coisa que dá muito trabalho e é até “demodé”, no lugar que Portugal ocupa nesta singular Europa, a tal solução da flexibilização, diria mesmo contorcionismo, do mercado do trabalho, seria a solução que o governo gostaria de poder aplicar, não fora esta aborrecida incomodidade de ainda irmos tendo alguma oposição e de teimosamente nos mantermos num regime minimamente democrático, irritantemente protegidos por uma Constituição… E não se poderá eliminá-la!?… Aquela tal Constituição que, segundo o mentor-pastor-tutor-guru-educador e “querido líder” irrefutável, Passos Coelho, os desempregados acham que nada fez por eles?…

É que, talvez na perspectiva, por exemplo, desse ascendente teórico da política nacional que é Poiares Maduro, mais vale um Passos Coelho na mão do que a Constituição a voar…

Por: Ernani Balsa
“escreve sem o acordo ortográfico”

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One comment

  1. Domingos Barbosa

    Completamente de acordo. O que me preocupa já nem são bem as medidas, pois aqui e ali quem tem que as tomar, pode falhar. O que realmente me assusta, e o termo é mesmo este, é o conceito global que estes anormais têm da sociedade. As palavras que usam no seu discurso não têm significado. Esta é a geração dos analfabetos funcionais. Não percebem o que dizem, porque não sabem dizer nada. Um discurso só pode ter mensagem se, quem o elabora, tem algo para dizer. E esta gente, não tem nada para dizer, porque o seu ” Know How” não vai além de cursos acelarados de colagem de cartazes, que, provavelmente, nunca leram. Que peste!!!! Que mentirosos!

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