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Parecem agora mansos rebanhos de ovelhas que buscam no pasto do dia a dia, uma sobrevivência envergonhada e cabisbaixa

A selva perdeu o seu esplendor…

Era uma vez a selva africana. Uma selva densa e verde, como sempre imaginamos África na sua imagem profunda, embora em África também existam planícies sem fim, as chanas que se alongam por distâncias e olhares que se perdem num horizonte que se confunde com céu e lonjura. Mas esta África que aqui me serve, é densa como as florestas selvagens devem ser. Nela habitam animais, a fauna tradicional destas paragens, feras que sobrevivem num equilíbrio sustentado numa natureza que lhes fornece a continuidade da espécie, mesmo que para isso tenham de lutar no dia a dia, com as armas e o instinto com que nasceram e foram desevolvendo, num ritmo que lhes determina a sobrevivência. Apesar de tudo, a vida corre com harmonia e liberdade.

Um dia chega um grupo estranho de viajantes que se instalam e começam a mostrar atitudes também estranhas, deslocam-se em viaturas desajustadas do meio ambiente, trajam roupas cinzentas e talhadas de um corte severo e sem alegria de cores e diversidade. A princípio mostram uma certa afabilidade para com os animais e ensaiam gestos de partilha e espalham promessas de alimentação fácil. A pouco e pouco, no entanto, endurecem os seus olhares e não se misturam com a fauna local. Constroem cubatas de formas igualmente estranhas e rodeiam-nas de muros e paliçadas, numa demonstração de que não querem misturas. Tornam-se arrogantes e mesmo nada amistosos. Em breve estabelecem uma relação com os animais, que prima por um indisfarçável incómodo na convivência de homens e feras.

Rapidamente estabelecem regras que dão a entender a toda aquela fauna e inicia-se então um processo de estabelecimento de uma hierarquia total sobre todos os animais. Dificultam-lhes os movimentos e a liberdade de caçarem para o seu sustento. Vedam-lhes os acessos aos pontos de água onde antes saciavam a sua sede e fazem-nos entender que daí para a frente, são eles quem mandam em toda a selva que antes lhes pertencia. Cada vez chegam mais homens e mulheres e constroem cada vez mais habitações totalmente inadaptadas ao meio ambiente. Criam um pequeno exército de servidores que iniciam então um programa de domesticação maciva de todos os animais, que agora só podem comer o que eles lhes dão, o que só acontece se eles lhes obedeceram cegamente e não se mostrarem revoltados. Quem não concorda tem como alternativa sair daquela selva e procurar comida e vida saudável noutras selvas em redor. Mas as selvas ficam longe e eles gostam daquela onde sempre viveram.

Quando as feras ficam definitivamente domesticadas, começam a aparecer viajantes que se instalam nas cubatas construídas em grande número. Estes viajantes nunca ficam muito tempo, uns vão e outros vêm e nunca pára esta constante movimentação de pessoas estranhas, que se divertem a fazerem longos passeios pela selva e a comerem lautos banquetes de caça, que agora só é permitida aos novos senhores da selva.

A vida torna-se triste e desmotivante para os animais, que perdem a sua natural altivez e deixam de se procriar por falta de incentivos que tinham a ver com o seu instinto de sobrevivência. A vida perde, cada dia, o seu significado. Têm de se portar bem para não incomodar os visitantes e a sua natural ferocidade, condicionados que estão a uma sobrevivência de subserviência e descaracterização da sua espécie, vai-se transformando em resignação e em submissão.

A selva torna-se num ambiente embrutecido e sem horizontes, mas custa-lhes abandoná-la por sempre ali terem vivido. Os novos senhores da selva cada vez mais implantam o seu próprio modo de vida, que remete os animais para uma função apenas de servidores e escravos. Animal que rosne, ruja ou se mostre revoltado, é olhado com desprezo e se preciso for, castigado.

A selva perdeu o seu esplendor, mas os novos senhores proclamam que a selva está muito melhor, embora reconheçam que as feras, nem por isso. Mas também é verdade que isso não os incomoda. Sempre fez parte do plano que haviam traçado, a conselho de outros senhores que nem ali vivem…

Em Portugal, a selva invadiu um país e é assim que agora vivemos. Tristes, obedientes e sem o secular instinto de sermos portugueses. As feras autóctones, altivas no seu orgulho de serem um povo de história brava e guerreira, parecem agora mansos rebanhos de ovelhas que buscam no pasto do dia a dia, uma sobrevivência envergonhada e cabisbaixa, sem coragem de voltarem a dizer que são o povo deste quinhão de terra que se ergueu em lutas e batalhas e que há quarenta anos venceu quem os manteve sob o jugo de uma ditadura. Hoje, a ditadura já não é o que era, mas a democracia também já não é o que deve ser.  Há quem diga que não é bem assim e que sou eu que sou céptico…

Ernani Balsa
“escreve sem acordo ortográfico”

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Era uma vez a selva africana. Uma selva densa e verde, como sempre imaginamos África na sua imagem profunda, embora em África também existam planícies sem fim, as chanas que se alongam por distâncias e olhares que se perdem num horizonte que se confunde com céu e lonjura. Mas esta África que aqui me serve, é densa como as florestas selvagens devem ser. Nela habitam animais, a fauna tradicional destas paragens, feras que sobrevivem num equilíbrio sustentado numa natureza que lhes fornece a continuidade da espécie, mesmo que para isso tenham de lutar no dia a dia, com as armas…

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