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BREVES INCURSÕES À AUTORIDADE (I)

C.F.C.

C.F.C.

Para compreendermos a especificidade do poder político e não só, traçámos a montante um caminho alicerçado em duas abordagens com conteúdos diferenciados; uma direccionada à Legitimidade (expresso no artº “Breves Incursões à Legitimidade” na edição de 6 de Julho deste semanário), a outra, direccionada à Autoridade, que devido às suas múltiplas roupagens ir-se-á estender por mais do que uma edição, tendo como ponto de partida o presente escrito.

“Não há crise de obediência senão depois de ter havido crise de Autoridade”
Christian Bonnet

-Autoridade como Poder Estável, Seguro, Permanente-

Na tradição ocidental, desde que os romanos cunharam a palavra “auctoritas” (deriva de auctor, daquele que não é o construtor, o artifex, mas, antes o que inspirou a obra, a produção, o exemplo, o prestígio, o modelo), a noção de Autoridade constitui um dos termos cruciais da teoria política, por ter sido usada em estreita conexão com a noção de Poder.

Nos nossos dias o uso deste termo, como é sabido, reveste-se de uma complexidade elevada. Enquanto, de um modo geral, a sua estreita ligação com o conceito de poder permaneceu, a palavra Autoridade passou a ser reinterpretada de várias maneiras e empregue com significados diversos. A tal ponto que se negou, explícita ou implicitamente, que exista o problema de identificar o que seja Autoridade e o de descrever as relações entre Autoridade e Poder (em particular por parte daqueles que usaram Poder e Autoridade como sinónimos).

Há muito tempo que existe, de uma forma generalizada, a tendência de distinguir e de demonstrar as diferenças entre Poder e Autoridade, considerando por vezes esta última como uma espécie de género de Poder ou até, mais raramente, como uma simples fonte de Poder.

Há uma primeira tendência de entender a Autoridade como uma espécie de Poder, seria o de defini-la como uma relação de Poder estabilizado e institucionalizado, em que, os súbitos prestam uma obediência incondicional. Esta concepção manifesta-se sobretudo no âmbito da ciência da administração, isto é, temos Autoridade quando o sujeito passivo (subalterno) da relação do poder adopta como critério comportamental as ordens e/ou as directrizes do sujeito activo (chefe) sem avaliar propriamente o conteúdo das mesmas. Assim, não importa saber qual o fundamento em que se baseia o sujeito passivo para aceitar incondicionalmente a ordem e/ou a directriz emanada pelo sujeito activo e este passa desde logo a exigir obediência incondicional. Este fundamento tanto pode consistir na legitimidade do poder do sujeito activo como num condicionamento fundado na violência.

Sobre esta matéria, David Easton fez luz, porque estabeleceu uma distinção entre Autoridade “legítima” e Autoridade “coerciva”, também Amitai Etzioni apresentou uma classificação das formas de Autoridade e sua respectiva organização, embora ele não utilize a expressão “Autoridade” como um termo-chave, acaba por distinguir três tipos de Poder; o “coercitivo” (baseado na aplicação ou ameaça de sanções físicas), o “remunerativo” (baseado no controlo dos recursos e das retribuições materiais) e o “normativo” (baseado na alocação dos prémios e das privações simbólicas). Em seguida distingue três tipos de orientação dos subalternos em face do Poder; o “alienado” (exacerbadamente negativo), o “calculista” (negativo ou positivo de intensidade moderada) e o “moralista” (intensamente positivo), acabando depois por descobrir três casos “congruentes” de Autoridade e organização, acrescentando diversos outros casos que classificou de “incongruentes” ou “mistos”.

Por sua vez e mais recentemente, James S. Coleman fez a distinção entre sistemas de Autoridade “disjuntos” (em que os subalternos aceitam a Autoridade para obterem vantagens intrínsecas, ex.: um salário) e sistemas de Autoridade “conjuntos” (em que os subalternos esperam benefícios –intrínsecos- do seu exercício), em seguida alarga o seu estudo para a  distinção entre sistemas de Autoridade “simples” (onde a Autoridade é exercida pelo seu detentor) e sistemas de Autoridade “complexos” (onde a Autoridade é exercida por lugar-tenentes ou agentes delegados pelo detentor da Autoridade); baseando-se em tais distinções, acaba por propor algumas hipóteses sobre a estática e a dinâmica das relações de Autoridade, para nós muito interessante mas, que sai fora deste nosso propósito.

A Autoridade, tal como a temos observado até aqui, como poder estável e de continuidade no tempo, a que os subordinados prestam, pelo menos dentro de certos limites, uma obediência incondicional, constitui um dos fenómenos sociais mais difusos e relevantes que pode encontrar um politólogo, ou seja, praticamente todas as relações de poder mais duráveis e importantes são, em maior ou menor grau, relações de Autoridade (o poder dos pais sobre os filhos, o poder do professor sobre o aluno, o poder do chefe de uma igreja sobre os seus fiéis, o poder do empresário sobre o trabalhador, o poder do chefe militar sobre o soldado, o poder do governo sobre os cidadãos de um Estado, etc. etc.).

Assim, não temos de nos impressionar ou afligir com o termo Autoridade, porque uma estrutura de base de qualquer tipo de organização, desde a de um campo de concentração à organização de uma associação cultural, é formada, em grande parte, à semelhança da estrutura fundamental de um sistema político tomado como um todo, por relações de Autoridade.

Em suma, nesta abordagem vincámos por um lado, a questão hierárquica da Autoridade por outro, a estabilidade da Autoridade. Mas, chamamos à atenção de que, no que toca ao primeiro ponto, a Autoridade tal como a abordámos até aqui, se é particularmente característica das estruturas hierárquicas, não pressupõe, contudo, necessariamente a existência de tal estrutura, nem mesmo de uma organização formal (a relação de poder também existe no espaço informal). No que diz respeito ao segundo ponto, não nos podemos esquecer de que toda a Autoridade “estabelecida” se formou num determinado lapso de tempo, surgindo inicialmente como uma Autoridade “emergente” que foi acumulando créditos a pouco e pouco e/ou consolidando uma ascendência cada vez mais sólida e mais vasta no espaço social circunstante, até se transformar em toda a sua plenitude em Autoridade “estabelecida”, ou seja, em Poder perfeitamente cristalizado e de continuidade.

Como é do conhecimento geral e de facto, a Autoridade “estabelecida” e a Autoridade “emergente”, quando se afrontam entram em duros conflitos que constituem e revelam uma importante dinâmica do sistema político.

Por: Carlos Fernandes de Carvalho

“Escreve sem o acordo ortográfico”

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