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CAIXA DE PANDORA

J. Antunes de Sousa

J. Antunes de Sousa

Confesso que não são poucas as vezes que dou comigo a matutar sobre o quão estranho é este povo, quase esquecido nesta nesga de terra que o mar caprichosamente parece ter poupado, um povo entretanto adormecido na imemorialidade de um tempo forte de conquista e, talvez por isso mesmo, mistura sincrética e exótica de restos de guerreiros e conquistadores, cocktail improvável de sangues e costumes – um povo que, assim, se constitui em curiosa singularidade cultural, porque, afinal, nele têm convivido e, de algum modo, continuam a conviver o rasgo, a ousadia, o destemor, por um lado, e uma pastosa sonolência, uma preguiçosa acomodação, por outro.

Claro que as misturas raramente dão bons resultados (como vai certamente acontecer com a que se prepara para o Colégio Militar, por exemplo), e ao contrário do que acontece com a caldeirada de Sesimbra ou de Peniche – como foram trágicos, por outro lado, os resultados das eugénicas tentativas de as evitar! Se a diversidade genética, constitutiva do feitio do povo português, é, sem dúvida, uma riqueza, a verdade é que não deixa de ser também um acrescido desafio – que é grande a tendência para a hesitação e para a fuga!

De facto, esgotado que foi o espaço, territorial e simbólico, do sonho imperial, obrigado, quase a pontapé, a regressar ao círculo acanhado do seu cantinho, do seu cerrado, este povo do oito ou oitenta parece ter-se resignado a um destino paradoxal: todos contentinhos nesta nossa amada e saborosa tristeza!

Causa realmente impressão – uma impressão muito boa e ao jeito dos nossos credores que dela se aproveitam para nos continuarem a chupar o tutano – esta nossa prontidão para amochar – e que os nossos inefáveis (des)governantes capciosamente enaltecem como se de heroísmo se tratasse ou, mais enigmaticamente, qualificam de resiliência: povo português, um povo resiliente, que é como quem diz, um povo em quem dá gosto malhar – talvez, porque, afinal, é um povo que parece gostar que lhe batam!

Nunca, como hoje, foi tão infernal e tão subtilmente eficaz a parafernália de propaganda e docilização das massas. Eis o segredo: ir, com a seráfica fundamentação científica e técnica da sua necessidade e inevitabilidade, cortando, em pequenas doses progressivas, a ração à carneirada até que todos pacificamente nos convençamos que essa é a nossa condição natural e esse é o nosso adequado destino: sermos pobres. Tratam-nos com carneiros, mas o seu desígnio é fazer de nós cabras – que, como estas, nos contentemos com o limiar mínimo da sobrevivência: pedras e escalracho!

Daí o seu discurso ambivalente: alimentam e encorajam a popular dependência em relação ao Estado (serviço de saúde, escola pública, etc.) ao mesmo tempo que, com a fulminante técnica do carteirista, vão esvaziando os bolsos da gente para que, depenados, não nos reste alternativa senão uma rendida gratidão à solícita magnanimidade de um Estado-Providência, que, assim, vira Estado-sequestrador!

Vejam como funciona na perfeição esta perversa máquina de dominar e anestesiar (não é só na Síria que se faz uso de armas químicas!): encurralar numa imensa “terra de ninguém” cercada pela míngua, toda uma massa anónima, impotente, resignada e, vejam bem, contentinha com as telenovelas das TVI e, agora, também, da televisão pública. E assim veste o Estado a pele do bom samaritano na sua desvanecedora tarefa de distribuir migalhas – que ao faminto qualquer côdea sabe a manjar!

E enquanto, através da depauperação sistemática da chamada classe média, a paisagem desértica de famintos e alienados cresce até aos limites da nossa vergonha, eis que, qual eugenismo social, um grupelho de legionários, incontinentes e insaciáveis, sem uma pinga de ética que os ampare nos limites mínimos da decência, acampam, em trajes de cerimónia, em opíparo piquenique à sombra do Orçamento do Estado que precisa da sua sensação de poder e impunidade para alimentar a ilusão da sua própria perpetuação. Mão amiga enviou-me há dias uma lista de 484 crimes de corrupção em Portugal, na qual falta, porém, incluir muitos dos juízes que, coniventes, nada fazem para os pôr no seu lugar – na prisão!

E o que é medonho é que isto não é programa só para nós, que somos pequenos – é para todos os países! E terá sido por isso que uma alegada entrevista ao Cardeal Bergoglio, hoje Papa Francisco, recolhida por Chris Mathews da MSNBC em que o cardeal-arcebispo de Buenos Aires desmascarava a patranha mundial que visa implantar uma Nova Ordem sobre os escombros do humano, terá sido censurada e impedida de ir para o ar!

Mas isto não vai ficar assim, de certeza: “Quousque tandem, Catilina, abutere, patientia nostra?”: Até quando, Catilina, vais continuar a abusar da nossa paciência? (Cícero).

Sinto que se está a esgotar – e todos sabemos o que aconteceu quando, contrariando as recomendações de Epimeteu e roída de curiosidade, Pandora não se conteve e abriu a caixa: todos os males se escaparam descontroladamente. Apenas um bem, na sua atrapalhação, conseguiu preservar: a ESPERANÇA.

«- Tu sabes que depois de aberto o vaso, que guardava os dons dos deuses e que eram quase só desgraças para os homens, houve um que o não era e ficou? E eu perguntei a Ângela qual era e ela disse a Esperança e eu achei bem para o homem continuar». (Vergílio Ferreira, em Na Tua Face, p. 214)

Continuemos, pois!

Por: José Antunes de Sousa
“escreve sem o acordo ortográfico”

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