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J.Antunes de Sousa

ERRO FATAL

Merece que dele falemos porque, tratando-se de alguém, como Mário Soares, que tão importante papel desempenhou na história recente de Portugal, a pergunta que, inevitável, surge é o que se terá passado, o que é que terá corrido mal para tão severa reprimenda ter recebido nas urnas. Resposta? Ela aqui vai: um desencontro essencial com o tempo. Soares, ao inventar uma versão póstuma de si mesmo, foi como morto que se apresentou – e ninguém está para votar em mortos. Mas vejamos. Há, em todo este triste episódio, uma sucessão graduada de erros. Comecemos pelos menores. Desde logo, a forma ...

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AVALIAÇÃO: TRÁGICO EQUÍVOCO

Todos – pais, professores, ministros, deputados, presidente – todos enchem a boca com ela, porque falam dela à boca cheia. Todos, professores, sindicatos e ministério, se excitam na altissonante apologia da educação. E, no entanto, não me parece que haja, infelizmente, assim tantas razões para tal excitação. Desde logo, porque a educação de que todos falam e a que todos se rendem assenta no dogma perigoso e pouco entusiasmante de que a natureza humana é originariamente má – é preciso torcê-la e forçá-la ao bom caminho. Porém, talvez fosse mais adequado e certamente mais reconfortante admitirmos inclinações e propensões, porque, ...

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COISAS DO FACE

Surgiu há algum tempo um estudo que dava conta de que um terço dos divórcios são artribuíveis à influência directa do facebook. Com toda a franqueza, eu suspeito que este estudo peque por defeito – deve ser bem mais elevada essa percentagem. E a pergunta irrompe directa como um soco: Porquê? Que terá o facebook de tão especial assim para provocar tanto desvario? Ora se a pergunta é simples, já o mesmo não acontece com a resposta – que é da natureza de qualquer resposta não sê-lo. Que é a novidade? Sim, claro, que todos nos recordamos de como o ...

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O ABADE DE TRANCOSO

Toda a gente fala e barafusta de uma única coisa, do orçamento – é o discurso dos aflitos, das sobras, depois de alguns se terem locupletado com o brinde do bolo. Depois de bem aviados, eles e os seus aliados, à mesa desse grande orçamento, vêm agora, com ar comoventemente compungido, propor e defender um orçamento de míngua e de razia. Enfim, é o clássico discurso da má consciência, num ritual fátuo de exorcização dos seus próprios diabos. Como toda a gente grita e esperneia à conta dessas contas da aflição, da aflição de um sistema decrépito, falido, mas que ...

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AUTÓPSIA DE UMA CRISE

Ela está na boca de toda a gente – e a boca não é, como pensam alguns, a porta de entrada de tudo o que nos chega à cabeça, mas, antes, a porta de saída de tudo o que nela temos: escapa-se-nos pela boca o que nos aperta os miolos. A crise, que já todos nos entendemos acerca da personagem, tem origem na palavra grega krisis que, por sua vez, deriva do verbo krino, o mesmo que origina a palavra crítica. E que significa esse verbo supostamente de tão má reputação? Isto apenas: separar. A crítica é o acto de ...

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A TABUADA

A obsessão maníaca pelo défice já se viu no que dá: cada vez estamos mais deficitários. É, afinal, no que dá esta nossa provinciana fixação na estatística: cada vez estamos mais longe do resto da Europa. Tanto que até os imigrantes de Leste, conhecidos pela boa boca, começaram já há bastante tempo a debandar. E se isto é assim em tudo, é-o particularmente na Educação. Mas, que diabo, o que importa é ombrearmos com os demais nos indicadores. Temos um ratio de sucesso escolar muito baixo? Toca a passar o maior número possível de alunos, que, assim, não tarda, teremos ...

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OS ABUTRES

Este episódio, apesar de ter ocorrido há já algum tempo, mantém, infelizmente, toda a sua crua actualidade. Com efeito e, como tantas vezes acontece, – diria que praticamente a toda a hora -, o noticiário do meio-dia fornecia-me tema de vulto para corresponder à solicitação do artigo semanal: o da pouca conta em que nos temos. Naquele tom quase proclamatório, esse que em Portugal se considera o mais apropriado para anunciar as desgraças, a jornalista fazia-se ufanamente eco de um relatório baseado creio que num inquérito junto de vinte e tal mil pessoas e que concluíra que, em Portugal, se ...

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A LEI DE MURPHY

Toda a gente a evoca a torto e a direito, creio que, em muitos casos, na maioria talvez, mais por moda do que por convicção. Só que é uma moda muito perigosa. Antes do mais, em que consiste esta famosa lei da desgraça? Em postular que de entre um determinado leque de possibilidades será sempre a pior delas a que acontecerá: «se alguma coisa pode correr mal com certeza que correrá». Mesmo descontando o facto de que para avaliar qual delas é a pior seria sempre necessário recorrer a uma instância mais alargada e abrangente do que a pessoa situada ...

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ELEIÇÕES SEGUNDO FREUD

Pena que o Variedades e o Maria Vitória sejam já só velhos resíduos de uma saudosa memória. Pena que o teatro de revista tenha perdido parte da sua clientela, talvez devido à ausência do acicate do interdito, porque motivos e argumentos é coisa que não falta – talvez com um pequeno contra: são demasiado bizarros e particularmente ridículos. Passar em revista estas autárquicas, por exemplo, constitui para qualquer amante de anedotas um exercício particularmente fértil e prazenteio – de gritos! Desde logo, aquele enternecedor cartaz em S.João da Madeira anunciando essa proeza da generosidade camarária, oferecendo “vaginas” gratuitas – um ...

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O CEMITÉRIO

Creio bem que uma das tarefas mais divertidas – e trágicas, também – a que um hermeneuta se pode entregar é tentar decifrar uma certa classe de conceitos que o sempre inefável oráculo desta nossa moderna política se desdobra em apresentar em intérminas sessões de arte de nada dizer. São apenas sopros de som (flatus vocis) em tudo semelhantes aos truques do prestidigitador do circo da Quarteira: o seu único objectivo e, mesmo assim, nem sempre conseguido, é iludir o povão. São pretensos conceitos que carregam em si o veneno da própria contradição, pois nada, por sua mediação, é possível ...

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