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ESCREVER SOBRE NADA …

Ernani Balsa

Ernani Balsa

Hoje só me apetece escrever sobre nada. O peso dos dias carregados de incertezas, de mentiras e de despudores disfarçados de política, exercem um incómodo considerável sobre o meu direito a uma sanidade mental e espiritual a que não renuncio. Antes, exijo e promovo, acima de todas as mesquinhices que diariamente nos invadem e atormentam.

A demência, a cegueira e a intransigência doentia de uma certa classe de políticos portugueses, na insistência de não se esforçarem por encontrar alternativas consensuais para os problemas do país e a sua vergonhosa e castrante dependência de interesses da alta finança, tanto nacional como mundial, e mesmo de governantes de países, que embora pertencentes à Comunidade Europeia, não têm o direito de se intrometer na nossa soberania nacional, remete-nos para uma inverosímil situação de alienação dessa mesma soberania, não apenas financeira, mas também da dignidade de um povo e duma nação independente.

Quem finge dirigir um país com fórmulas analíticas que não contemplam o verdadeiro conhecimento das pessoas a quem se aplicam, que não conseguem abarcar os dramas que todos os dias se repetem nas famílias, nas pequenas empresas, no país real que não se alimenta de política, nos sonhos desfeitos e na completa ausência de alternativas para o definhar dos projectos que todos os dias ruem por ineficácia de programas e leis que não passam de retórica fora do prazo, não merece crónicas, comentários, artigos de opinião nem críticas amorfas e indolores. Por isso o que me aprece aqui dizer sobre essa gente é nada, que é o que merecem aqueles que não têm respeito pelas pessoas.

As pessoas são o mais importante de tudo, porque não existem países sem pessoas, sem famílias, sem crianças, jovens e velhos. Não existem países feitos apenas de ideias, por mais concretas que sejam, que não nasçam do sonho e se concretizem em leis, vontades e programas que tenham em vista o benefício dos que lá vivem e em que a justiça seja uma palavra com substância e não um mecanismo para manipulação dos interesses de uma minoria que se julga acima de qualquer suspeita, só porque tem nas mãos os instrumentos (i)legais para a pôr ao serviço dos seus próprios interesses. Um país não é um laboratório de experiências macro-económicas que fazem quase atingir o orgasmo tecnocrata de uns quantos que, escudando-se num dos mais importantes instrumentos da democracia, as eleições, julgam que na sombra de resultados circunstanciais podem fazer tudo o que lhes apetece e não têm de prestar, a cada momento, contas aos cidadãos, as tais pessoas que eles arrogantemente ignoram, porque não conhecem o valor e as dificuldades da vida.

É preciso que alguém lhes grite bem alto que toda a gente já vê e já sabe que eles caminham despudoradamente nus, obscenos e andrajosos de dignidade, por cima dos escombros de um país que vai definhando, sejam quais forem os indicadores económicos, aparentemente confirmados, dum crescimento que só chega àqueles que já são crescidos e sãos financeira e socialmente. Aos olhos e entendimento do imenso número dos restantes cidadãos, esses indicadores mais não são do que areia que os impossibilita de antever o seu futuro ou a luz ao fundo dum interminável túnel que já nem acreditam existir.

A promiscuidade não é apenas um conceito moral para certas classes, aplica-se a tudo e a todos e é tanto mais condenável quanto mais cientes e responsáveis forem os seus intervenientes. O cidadão comum está enjoado e enojado desta falsa e permissiva normalidade em que tranquilamente se movem os mais altos responsáveis, quer do governo, quer do sector privado, nomeadamente nas áreas financeiras, empresariais e dos tenebrosos escritórios de advogados. Esta conjugação de interesses assemelha-se já a uma espécie de seita que tomou conta de toda a administração do sector do Estado e nela saceia a sua voracidade de dinheiro, benesses e influências. Entretanto, proclama-se a famosa reforma do Estado, para ser feita em poucos meses, quando uma verdadeira reforma desta envergadura, leva anos a ser eficientemente concretizada. Uma vez levados a bom termo os já anunciados cortes e despedimentos na Função Pública, encerra-se a tão exigível reforma e como num passe de magia, ainda saem plumas, flores e pombas da varinha mágica do ludibriador.

As pessoas, essas, continuam a assistir ao espectáculo e os grandes artistas a ganhar o chorudo cachet, já a pensar em novos truques e a aliciarem os amigos para os ajudarem a enganar as audiências. E o circo continua… This is show business!…

Percebem agora porque é que, na verdade, só me apetecia escrever sobre nada!?…

Os escrevinhadores têm este defeito, é que mesmo quando é nada o que lhes apetece escrever, encontram sempre uma oportunidade para atraiçoarem os seus verdadeiros intentos… É o vício…

Por: Ernani Balsa
“escreve sem o acordo ortográfico”

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