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A LEI DE MURPHY

Toda a gente a evoca a torto e a direito, creio que, em muitos casos, na maioria talvez, mais por moda do que por convicção. Só que é uma moda muito perigosa.

J. Antunes de Sousa

J. Antunes de Sousa

Antes do mais, em que consiste esta famosa lei da desgraça? Em postular que de entre um determinado leque de possibilidades será sempre a pior delas a que acontecerá: «se alguma coisa pode correr mal com certeza que correrá». Mesmo descontando o facto de que para avaliar qual delas é a pior seria sempre necessário recorrer a uma instância mais alargada e abrangente do que a pessoa situada que como tal a qualifica, a verdade é que a uma tal lei está subjacente a crença generalizada e generalizável de que o azar está no centro da própria realidade – uma espécie de pessimismo cosmológico! O azar seria o piloto incontrolável das nossas vidas…

Mas esta lei, enunciada por um major e engenheiro da Força Aérea americana, Edward Murphy de seu nome, aquando duma experiência para testar o índice de tolerância humana à aceleração da gravidade, e que, naquela circunstância, parece ter querido traduzir apenas a sua decepção irritada perante o renitente fiasco, rapidamente se tornou num slogan de ressonância mundial (facto a que não terá sido alheio o golpe publicitário do colega John Stapp), ficando conhecido como “lei de Murphy”, justamente.

E porquê, perguntar-se-á. Que elementos assim tão impressivos contém uma tal sentença que tenha entrado tão imediata e solidamente no “inconsciente colectivo”?

É que uma tal lei tem o condão de nos aligeirar a carga – ela oferece-nos a desculpa irrefutável e soberana para as nossas omissões e para os nossos fracassos: «isto correu mal porque tinha que correr, por mais que me tivesse esforçado para o evitar». E, deste modo, nos confiamos, cantando e rindo, no regaço de um providencial determinismo, ardiloso e conspirativo – sempre à espreita para nos tramar.

Basta passar os olhos por algumas versões adaptadas da referida lei, tais como “se você perceber que uma coisa pode dar errada de quatro maneiras e conseguir despistá-las, uma quinta surgirá do nada”, ou “sempre que se menciona alguma coisa, se é boa, acaba; se é má, acontece” para nos aquilatarmos do que está realmente em causa: espreita-nos sempre o pior, façamos nós o que façamos – é também um pessimismo ontológico e, consequentemente, um pessimismo existencial, numa espécie de glosa à americana do «absurdo», agitado até ao esgotamento por Jean-Paul Sartre.

Mas para que uma coisa seja susceptível de acontecer tem que previamente ser real no pensamento que uma tal possibilidade equaciona e verbaliza: só há probabilidades porque há uma consciência humana que as concebe. E é de uma dessas probabilidades que vos quero falar, uma probabilidade anunciada pela pessoa que mais devia evitar um tal anúncio. Porque feito por ela, torna-se numa profecia inelutável. Nome do profeta? É uma profetisa: Christine Lagarde, de seu nome.

Do alto do seu púlpito mundial e com uma candura à medida da sua incomensurável inconsciência, ela, qual pitonisa de Delfos, alertou, aqui há uns tempos, para o «real perigo de acontecer uma recessão ao nível mundial» (sic). E já se sabe o que é que todos esperamos – que se cumpra, uma vez mais, a lei de Murphy.

Porque, meus amigos, não é o facto de uma tal eventualidade trágica ser uma teórica possibilidade que aqui está em causa, mas o facto de isso ter sido consciencializado e verbalizado, ainda por cima com o êmbolo de contágio adicional de uma tal afirmação ter a suportá-la o argumento de autoridade, pois quem melhor colocada para vaticinar a desgraça da recessão do que a Directora Geral do Fundo Monetário Internacional?

Que eu, ao reproduzir a sua declaração, estou a ajudar a que se cumpra a lei? Que a pessoa a quem me dirijo jamais lerá este meu artigo? Tudo verdade.

Mas o meu objectivo não é propriamente gritar ao ouvido da Senhora Lagarde, mas, é antes, alertar para uma coisa essencial e decisiva: quem faz a lei cumprir-se não é nenhuma entidade luciferina, caprichosa e malvada, mas tão-só a atitude de cada um. Cabe a cada um de nós fazer com que a lei de Murphy falhe. A nossa relação com esta famosa lei do fiasco é inversamente proporcional: será tanto mais desacreditada quanto mais decididamente tomarmos nas mãos a rédea do nosso destino.

Porque, se acreditarmos na dita senhora,…(não, não digo para não alimentar a alegada infalibilidade da famigerada lei!).

Por: José Antunes de Sousa
“escreve sem o acordo ortográfico”

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