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Marcas e Empresas: A cultura do efémero

A modernidade é um conceito legítimo e desejável em qualquer sociedade, mas não deve ser usado e abusado enfaticamente como suporte a um vazio de conteúdo ou a uma irreprimível ânsia de mudança apenas pela mudança.

Vem isto a propósito duma prática de marketing, nomeadamente empresarial, que leva a fazer da mudança uma bandeira sem valores só para mostrar falsas inovações, quando o que se passa são apenas meras operações financeiras e de estratégia comercial para atingirem os propósitos que já eram e que continuam, no essencial, a ser os mesmos. As empresas têm toda a legitimidade de quererem estar na onda, mas poderiam fazê-lo de uma forma inteligente e sustentada em conteúdos que justificassem tal propósito. O marketing, falando duma forma popular, tem como tudo, duas opções, ser inteligente ou piroso, ter substância ou guiar-se apenas por soundbytes vulgares e de fraca criatividade. E quando tal acontece, corre o risco de soar a aldrabice e levar a resultados contrários àquilo a que se propunha. Quero com isto dizer que quando uma empresa muda de marca apenas porque realizou uma qualquer operação de parceria ou de fusão, está a cair no ridículo. E quando essa apetência lhe assalta a inteligência e se repete em recursivos curtos espaços de tempo, então o ridículo multiplica-se.

Apenas a título de exemplo, a PT, que continha as marca TMN e TVCabo, largou a TVCabo, passando a englobar no seu novo projecto, telefone móvel com a marca TMN e televisão por cabo sob a marca MEO. Mais tarde, a própria assumiu também a marca MEO. A TVCabo rapidamente, para afirmar a sua independência, foi baptizada de ZON, passando também a ter o seu próprio serviço de operador de comunicações móveis. Finalmente, após fusão com a Optimus, surge agora bombasticamente como NOS, uma sigla ou marca com vida própria, porque apesar de nos surgir como NOS (foneticamente, nus), ser apresentada como NÓS, que não o é… Ou seja, é no mínimo caricata esta pretensão “marketacional” de querer obrigar o consumidor a assumir que NOS não é NUS, mas sim NÓS!… Como se a linguagem promocional tivesse agora também força legislativa de novo acordo ortográfico só para patego ver. E pronunciar!…

Tudo isto só para acompanhar o comboio da tal modernidade, como eles a entendem, não hesitando recusar serem aquilo que eram e vão continuar a ser. As empresas adoram ser autofágicas, comem-se a elas próprias e às outras, numa voragem antropófaga imparável, porque não resistem ao chamamento bacoco de serem mais in, umas do que as outras. Esta ânsia “marketacional”, aliás, já é também seguida pelos “governos muito modernos”, assim tão modernos como aquele senhor que tem nome de Euros, aliás, moedas, que vê-se logo que é um rapazinho atinado, mas muito moderno!… Gostam de mudar o nome das coisas que já tinham nome e então de reinventar palavras… Ui… isso então, são o máximo!…

A descartabilidade das coisas e das pessoas chegou para ficar. É mais uma conquista desta modernidade artificial. Artificial mas muito in. Tudo o que se julga ser velho ou ineficaz, supérfluo ou incómodo, é passível de ser reciclado, apagado ou simplesmente esquecido, que é a forma mais cínica de deixar morrer as coisas… e as pessoas. É certo que as mudanças sempre aconteceram nas sociedades e podem ser, muitas vezes, motores de progresso, mas para isso têm de ter fundamento, têm de assentar em novos projectos que tragam um verdadeiro progresso e não apenas mudanças. As mudanças, são como o nome diz, a deslocação de algo para outro lado, trocar uma coisa por outra, mas todos esses actos só se justificam e ganham valor se implicarem transformações ou alterações que tragam algo verdadeiramente novo ou que acrescente qualidade de vida às pessoas.

Esta voracidade abstracta pelo novo, ganha proporções assustadoras quando se aplica às pessoas, na sua forma natural de elemento trabalhador e produtor de riqueza, vulgo funcionário ou colaborador, como agora também se gosta muito de dizer. Mais um exemplo de transmutação vocabular que serve apenas uma ideia de que mudando o termo se muda a apreciação que a sociedade faz do elemento. As pessoas, neste conceito de que o progresso precisa a cada momento de mudanças, mesmo que não justificáveis, são tão deslocáveis ou substituíveis como qualquer logotipo, marca ou nome. Daí a aplicar o mesmo processo, mesmo às pessoas que já não estão no mercado do trabalho, os pensionista e reformados, foi apenas um passo e hoje em dia a grande dificuldade na descartabilidade natural destas pessoas para a morte, choca apenas com a malfadada esperança de vida que, idealmente, também deveria seguir o critério de classe e situação financeira. Quem tivesse capacidade financeira poderia aspirar a beneficiar da tal esperança de vida, quanto aos outros, que apenas representam um peso para a sociedade, o mais prático e mesmo patriótico, seria morrerem por vontade própria… Claro que ninguém diz isto, mas não deixa de ser um surdo desejo que palpita na cabeça de muitos inovadores…

A cultura do efémero tornou-se numa das principais estratégias desta sociedade assente na louca velocidade com que tudo passa de moda ou na ânsia desmedida por se encontrarem novas modas e novos padrões para se ser diferente, mesmo sem se saber porquê e para quê. Antes desta euforia de inovação, era comum as marcas comerciais desenvolverem um orgulho especial pela manutenção da sua identidade, sem que com isso se refugiassem no imobilismo e recusassem a evolução dos seus negócios, e toda a gente conhece grande quantidade de empresas que mantiveram as mesmas marcas ao longo dos tempo. Manter uma marca era sinónimo de reconhecimento geral do público e mesmo do meio empresarial. Era um estatuto que demonstrava a implantação da marca no mercado. Hoje em dia, apenas porque sim, não mudar de marca é sinónimo de falta de iniciativa, de ausência de espírito de competitividade, de estagnação e envelhecimento. Tudo porque sim, embora haja mentes iluminadas que se multiplicam em apresentação de teses que demonstram o contrário… só porque sim. São os novos gurus do marketing, que ainda por cima olham para quem critica esta elegia do efémero, com um ar imbecilmente superior, misto de compaixão e desprezo. Porque sim…

A gravidade de tudo isto, como já referido, é que este mesmo princípio e estratégia se aplica já, em grande parte, ás pessoas, que passaram igualmente a ser avaliadas, catalogadas e consideradas segundo estes padrões de modernidade e de reconhecimento da razão de ser da sua existência ou dos critérios de avaliação para continuarem ou não a existir, apesar da sua aparente inutilidade para a sociedade em geral. Um desempregado a partir de uma certa idade, aceita-se cientificamente que já não terá oportunidade de arranjar emprego… porque sim. Um reformado ou pensionista que persista em não se abandonar aos braços de uma morte natural, é olhado como uma despesa incomportável para a sociedade… porque sim. Mas paradoxalmente, um jovem que não arranja emprego ou que insiste em querer desempenhar as funções para que se preparou academicamente, é acusado de mal agradecido, porque mesmo sendo explorado, deveria aceitar o trabalho não qualificado que lhe oferecem… porque sim…

A febre de mudança, porque sim… torna-se muito útil para tudo poder mudar, apenas porque sim, desde que daí nasça lucro, independentemente de pelo caminho irem ficando os despojos de princípios e valores e de pessoas abandonadas nas esconsas veredas da vida. Porque sim!…

Por: Ernani Balsa
“escreve sem acordo ortográfico”

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A modernidade é um conceito legítimo e desejável em qualquer sociedade, mas não deve ser usado e abusado enfaticamente como suporte a um vazio de conteúdo ou a uma irreprimível ânsia de mudança apenas pela mudança. Vem isto a propósito duma prática de marketing, nomeadamente empresarial, que leva a fazer da mudança uma bandeira sem valores só para mostrar falsas inovações, quando o que se passa são apenas meras operações financeiras e de estratégia comercial para atingirem os propósitos que já eram e que continuam, no essencial, a ser os mesmos. As empresas têm toda a legitimidade de quererem estar…

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