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MISÉRIAS E VERGONHAS

Ernani Balsa

Ernani Balsa

Há menos de uma semana, por muito descontente que estivesse com a actual situação política e com a acção governativa, nunca esperaria escrever o que agora aqui deixo como testemunho da minha indignação e profundo desencanto com a baixeza de pessoas que seria expectável todos respeitarmos.

Acabei de assistir, num dos canais noticiosos da nossa televisão, a uma entrevista com o Professor Adriano Moreira, um homem vindo do anterior regime, genericamente considerado de direita, mas respeitado por uma larga maioria do país, por via da sua honestidade política e social. Um homem que nos inunda de saber e bom senso, de capacidade e lucidez de análise, com uma abrangência impressionante no conhecimento que partilha em cada intervenção que tem nos media e nas suas obras. Seria talvez um serviço de interesse nacional, poder ouvi-lo, assimilá-lo e reflectirmos todos sobre as suas palavras e a sua vasta cultura e saber, num programa regular televisivo, para ver se, em vez de perdermos tempo com comentadores de refugo, acantonados cada um na sua quinta política, debitando brilhantes considerações e análises foscas e bolorentas, que apenas lhes enchem o ego e o bolso, cada um ensaiando explicar o inexplicável ou inventando cenários e cabalas, ou ainda fazendo um frete vergonhoso de trombetas do governo, anunciando despudoradamente aquilo que o próprio governo tem pudor ou falta de engenho em comunicar ao país, pudéssemos com ele colher ensinamentos e pistas para nos tornarmos melhores observadores da trama política com que nos querem enredar.

Uma intervenção de Adriano Moreira vale mais do que todos os comentários desses servidores da ilusão política, durante todas as suas vidas, isto com algumas raras e notáveis excepções que qualquer pessoa minimamente inteligente poderá identificar. Ao ouvirmos e reflectirmos sobre tudo aquilo que o Professor Adriano Moreira, numa linguagem linearmente perceptível nos transmite, poder-nos-emos sentir abalados nas nossas convicções de esquerda ou de direita, ou na nossa convicção de independência ideológica, mas de certeza que nos sentiremos muito mais aptos a clarificar as nossas escolhas e opiniões e a tirar conclusões do que se passa à nossa volta. E depois, então retomarmos, cada um de nós, as direcções que a nossa consciência nos ditar. A análise que ele fez nesta entrevista deveria ser atentamente ouvida por todos, para nos apercebermos da patética situação criada por pessoas que se dizem políticos responsáveis e líderes competentes, mas que deixando-se dominar pela ânsia de controlar o poder a qualquer preço, conduziram o país à sua mais grave crise política das últimas décadas.

Durante esta semana assistimos ao inenarrável, ao burlesco, ao infame despudor e baixeza duma certa classe política que nos pede respeito e sacrifícios, que nos assalta a nossa honra e o nosso orgulho de sermos cidadãos honestos e cumpridores e contribuintes íntegros e de boas contas. Nada disto entra em linha de conta, quando a sanha, conjugada com a inépcia e arrogância dum governo sem qualquer sentido de estado e cidadania, elege como único objectivo, experimentar modelos económicos e políticos, nos quais acredita cegamente, como membros de qualquer seita satânica e decide sobre as vidas das pessoas como se elas apenas fossem números e fórmulas matemáticas que vivem numa qualquer folha de cálculo, sem vida própria, família, alma e projectos.

Hoje em dia, nos chamados partidos do arco da governação, não temos políticos, temos devoradores de sonhos e de projectos de vida. Temos garotos imberbes e que nunca experimentaram a vida real. Garotos que foram incubados nos aviários partidários, mentalizados na ilusão de que tudo aprenderam sobre a arte e engenho de liderar. E pior do que isso, acreditam que são uma geração de salvadores da pátria, cheios de teorias, quando nem sequer sonham que é a prática de vida que faz os grandes homens e lhes permite interferir, com bondade, saber e dedicação, mas também determinação, que é uma coisa diferente de autoritarismo ou arrogância, na vida de todos os outros que lhes confiam essa honrosa tarefa de governar o país que a todos pertence.

Escuso-me a referir nomes ao abordar os acontecimentos desta semana negra do nosso país, uma vez que esses nomes iriam conspurcar-me a escrita e nada adiantar a esta reflexão sobre a baixeza e patética irresponsabilidade destes personagens sem talento, duma opereta bufa e trágico-cómica, a que todo o país e o mundo assistiram nestes últimos dias. Este espectáculo decadente e degradante de demissões e nomeações, de tomada de posse de um novo ministro, à hora a que outro se demitia, enquanto o próprio Presidente da República, essa figura ausente e inexplicável, parecia a leste de toda esta farsa, transmite ao país um misto de estupefacção e revolta, de indignação e desprezo, por políticos que não se sabem comportar, mais ainda quando eles mesmo, são useiros e vezeiros em pedir e mesmo exigir respeito e boa conduta aos portugueses, sendo eles, afinal, os que menos respeito e consideração têm por aqueles a quem, do alto da sua presumível superioridade e sapiência, exigem sacrifícios e impõem austeridade, em nome de valores que eles próprios não sabem respeitar.

Não me admira, contudo, este tipo de conduta, vinda de quem vem. Como é possível acreditar e confiar os destinos de um país a um garoto, que para além da sua duvidosa aprendizagem numa juventude partidária, onde apenas lhe incutiram a noção de que tudo se pode obter pelo poder, sendo para isso essencial conquistá-lo e não entendê-lo, saber usá-lo ao serviço dos outros e merecê-lo, nunca experimentou as dificuldades da vida, nunca lutou por uma carreira, que não a política e que tudo o que conseguiu, o alcançou à custa de padrinhos, tutores e correligionários, numa bolha evolutiva que nunca contemplou o verdadeiro contacto com a vida real das pessoas, das famílias, daqueles que têm de procurar trabalho para se sustentarem e não têm mais do que a força dos seus braços e do saber que conseguiram adquirir com o esforço intelectual que as suas condições de vida lhes permitiram e quantas vezes, mesmo assim, se viram passar por dificuldades e derrotas, quantas vezes por situações inimagináveis à luz dumas vidinhas douradas e janotas, que a “partidocracia” lhes proporcionou?… Que se pode esperar de gente que não sabe o que a vida custa e cuja cultura se fica por ideias feitas e modelos económicos que eles acham o máximo, porque estão convictos que é a economia que comanda os homens e não os homens que devem dominar a economia?…

Esta gentalha foi educada no sentido do poder, mas não sabe o que é o poder em democracia. O poder não é a conquista do absoluto. É antes a capacidade de saber lidar com o efémero e dele fazer as pontes e os compromissos para manter esse estado de equilíbrio ao serviço do bem público e não de projectos pessoais ou estritamente ideológicos, como se as pessoas fossem ratos de laboratório e os governos, bancos de ensaio onde a importância da vida dos cidadãos fosse uma mera variável das experiências levadas a cabo, em que o sentido da preservação da vida dessas cobaias entrasse na dimensão de meros e inevitáveis efeitos colaterais que cada ensaio comporta, como um risco de importância superior ao respeito que se deve a qualquer pessoa. O poder exige pessoas com sentido de responsabilidade e capacidade de liderança. O poder não é um exercício, nem de absolutismo nem de experimentação continuada e as pessoas que se comprometem a exercê-lo não podem esquecer a sua condição de servidores da causa pública e não de outras quaisquer causas pessoais ou de grupo. O que vemos, no entanto, é um poder ocupado por pessoas sem qualidades nem discernimento e códigos de conduta.

São pessoas que acreditam convictamente que os velhos não devem aspirar a um fim de vida com qualidade e bem-estar, porque acham que esses já tiveram o seu tempo e por isso lançam-lhes a maldição do peso que representam para os jovens que precisam de vingar na sociedade. Mas por outro lado, desprezam esses mesmos jovens, tratam-nos como mão-de-obra menor, precária e de baixo custo, com excepção dos “boys-maravilha” que acolhem no Estado, nos seus gabinetes e assessorias, pagos por todos, com vencimentos de luxo e sem qualquer experiência, esse mesmo Estado que proclamam querer fazer emagrecer. A tão propalada reforma do Estado está previsto ser conseguida apenas com o enxotar daqueles que durante anos mantiveram esse mesmo Estado, como se fossem moscas varejeiras que estão a ocupar espaço e recursos, que acabam por ser preenchidos pelos tais jovens licenciados, seus amigos e protegidos, cuja grande experiência de vida foram os anos que passaram nas juventudes partidárias do arco da governação, pondo-se em fila para ocuparem os lugares daqueles que reclamam ser as gorduras do Estado.

Mas isto não há-de durar sempre. Esses iluminados estarão convencidos que a vida é uma sucessão de oportunidades que sempre a eles cabem. Que a ordem natural das coisas é este ciclo repetitivo em que as alternativas passaram a ser alternâncias de poder e não uma constante busca de um mundo melhor, não só para eles, mas para a generalidade das pessoas, que também têm direito a aspirar a uma vida digna e mais despreocupada e gratificante. Mas as coisas e a vida em geral não são bem assim. A vida tem vida própria!

Não duvido, portanto, que tenha que haver uma mudança de ciclo. Mas uma mudança radical que faça surgir novas alternativas e não se fique pela podridão das alternâncias de poder. A aparente letargia e bom comportamento das massas não é um bom prenúncio, pois antes das tempestades sempre existiu uma enganosa bonança. Um dia isto explode e as coisas mudam, não se sabe para quê, mas mudam e não têm que ser as lutas cientificamente organizadas, as lutas firmemente enquadradas por vanguardas das revoluções anunciadas, a liderar o que quer que seja… Não! Será certamente um movimento de pessoas, de massas que já não aguentam mais o seu próprio bom comportamento… Uma explosão natural, uterina e instintiva, em defesa da sobrevivência, sem planos ou cartilhas… Só depois se poderá saber a sua verdadeira consequência. Hoje, infelizmente, poucos acreditam nessa mudança tumultuosa, mas acreditarão depois, pelos piores motivos!… Mas então, deixará de haver lugar para esta escumalha miúda, de poder em riste a tentar amedrontar os mais fracos e incautos com o estigma duma miséria, da qual são eles os próprios autores.

Não sei o que aí virá, mas a vida sempre soube encontrar alternativas à esclerose de um poder doentio e decadente!

Por: Ernani Balsa
“escreve sem o acordo ortográfico”

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