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Montra da Casa da Sorte |

O CAUTELEIRO DO CHIADO

Só há Estado forte quando fortes são os valores em que se alicerça. E os valores que mais condizem com essa condição de Estado (do verbo latino sto, stare, steti, statum: estar firme e de pé, sem recuar) são a estabilidade, a verticalidade, a solidez, a coerência – para que possa ser confiável e respeitável na percepção que dele tem o cidadão. É, como se sabe, na fidelidade firme aos desígnios de devoção ao Bem Comum que os Estados encontram a sua legitimação ético-constitutiva.

Ora, é essa aura de reverência e respeitabilidade que o nosso Estado – nosso não por que nele nos revejamos, mas porque, infelizmente, não temos outro – tem vindo a perder dramática e irreversivelmente. O cidadão não vê nele uma pessoa de bem, mas antes um inimigo que há que iludir e enfrentar pelos meios mais ladinos que a nossa imaginação, fértil como a de poucos outros povos, vai congeminando.

O nosso Estado, servido por supostas elites, mirradas pela pusilanimidade e pela astenia, quase sempre afectadas por congénita e crónica miopia, resvalou para a irrelevância simbólica e social: todos o têm em péssimo conceito – ninguém o respeita porque, em boa verdade, é ele próprio que se não dá ao respeito. Dando mostras de uma alvar e covarde rapacidade – a eito, desde que sejam dos fracos as presas-, este nosso Estado está sempre no encalço do indefeso cidadão para, ao dobrar de cada esquina, lhe apontar a pistola e sacar a carteira.

Mas, cansados de tanta desfaçatez, os cidadãos armam-se da sua proverbial manha, essa doce ronha que, desde os primórdios da nacionalidade, nos ajudou a familiarizar-nos com o milagre da sobrevivência: O estado quer garrotar-nos com impostos que nos deixam sem fôlego e sem cheta? Vamos então fazer o que, com tal excesso de usura, o Estado está, afinal, à espera e a merecer que façamos: fugir e iludir a polícia fiscal o mais que possamos. E, assim, medra a economia paralela, a que engorda sem a tutela vampiresca do Estado. Resultado: O Estado, na sua avidez de tudo taxar em alta, vê fugir-lhe cerca de 30% da receita fiscal que lhe caberia se o país não fosse este e se não fossemos um povo que se pela por uma escapadela – seja de que tipo for!
Mas sabendo os governantes que é de inveja que sobretudo se nos faz a motivação, eis que inventaram um expediente que é, afinal, a réplica em grande da pequena quermesse que, na minha aldeia, os mordomos da festa da santa padroeira faziam, e creio que ainda fazem, para arranjar uns tostões para as despesas da capela.

Ou, quem se não lembra daquela camioneta de caixa aberta exibindo, em lento e insistente desfile por esse país fora, um automóvel Toyota, novinho em folha, e cujo condutor, de megafone, anunciava o sorteio dos inválidos do comércio, enquanto uns dedicados voluntários assediavam os transeuntes, acenando-lhes com a rifa que lhes poderia dar tão chorudo e luzidio prémio? Ou o sorteio dos ceguinhos de S. João de Deus…

Inválidos e ceguinhos, eis o que, maldosamente, acreditam os governantes que sejamos – por isso nos estão a tentar levar e adormecer com a história da rifa.

Depois de terem feito da Repartição de Finanças a casa da nossa desgraça, querem, agora, fazer-nos crer que esta se pode subitamente tornar a “casa da sorte” daqueles a quem tão metodicamente expoliaram: É preciso ter topete!

Este é, meus amigos, o país da quermesse nacional: tiram-nos a sopa, que é o essencial, e montam um arraial com uma roda da sorte para nos embebedaram com vodka.

Apregoam o regresso aos hábitos simples da vida, que é preciso que nos desabituemos de viver acima das nossas posses, e eis que montam, com indecoroso espalhafato, um sorteio de um automóvel de luxo, sabendo, pela certa, que será mais um instrumento de desgraça para aquele a quem, por azar, vier a calhar: alto consumo, elevado imposto de circulação, manutenção dispendiosa, seguro, etc.

Mas o governo, apesar de incorrer em flagrante incongruência, está-se literalmente nas tintas, pois sabe bem que o português, mesmo que tenha que pôr no prego o colar que foi da avozinha, adora parecer rico, que é, convenhamos, o tique fatal de quem se sabe realmente pobre!

Preparemo-nos, portanto, para este novo espectáculo à portuguesa: O secretário de Estado do Tesouro, se não mesmo o Vice-Primeiro Ministro, este mais traquejado nas girândolas das feiras, no “Preço Certo” do Fernando Mendes, o Gordo, (em Espanha, a taluda, é, como se sabe, “el gordo”) a dar à roda – nem sei como se não lembraram desta solução, bem mais em conta e bem mais divertida. E, já agora, com uma inestimável vantagem: audiência garantida!

Ou, por altura do Natal, o Primeiro-Ministro, vestido de Pai-Natal, pela rua do Carmo acima, imitando o aflito pregão do velho cauteleiro do Chiado: “É pra hoje, é pra hoje…hoje anda a roda!”

Enquanto isto, o que anda mesmo à roda é a nossa cabeça!

Por: José Antunes de Sousa
“escreve sem o acordo ortográfico”

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Só há Estado forte quando fortes são os valores em que se alicerça. E os valores que mais condizem com essa condição de Estado (do verbo latino sto, stare, steti, statum: estar firme e de pé, sem recuar) são a estabilidade, a verticalidade, a solidez, a coerência - para que possa ser confiável e respeitável na percepção que dele tem o cidadão. É, como se sabe, na fidelidade firme aos desígnios de devoção ao Bem Comum que os Estados encontram a sua legitimação ético-constitutiva. Ora, é essa aura de reverência e respeitabilidade que o nosso Estado - nosso não por…

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