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PASSAS, PASSOS E DESEJOS…

1. Passas

Ernani Balsa

Ernani Balsa

Reza a tradição que na noite de passagem do ano, ao soar das doze badaladas, se suba para um banco e se comam passas e formulem desejos para o novo ano que chega. A fórmula não sei se resulta, mas em maré de se acreditar até mesmo nas coisas que não resultam, e dado o apego popular às tradições, mesmo as mais improváveis, muita gente seguirá este ritual. Preso à minha incredulidade quanto à eficácia destes gestos simbólicos, continuo céptico quanto à possibilidade de virmos a ter boas previsões por via das passas. E por via do outro, muito menos…

Passas, recorda-me também aquele dito tradicional de “passar as passas do Algarve…” e esse afigura-se-me muito mais actual. O significado metafórico dessa expressão remete-me para tudo aquilo que temos sofrido neste nosso país intervencionado pela teia insalubre de interesses financeiros e políticos, com a ajuda e conluio daqueles que o povo português terá escolhido, embalado por uma canção de embalar que se transformou em pesadelo, para trazer melhores dias a todos nós. Vã esperança e falsa promessa.

A confiança que as pessoas normalmente depositam nos políticos reside na necessidade de atribuírem a outros, que julgam mais capazes e sérios, a honrosa tarefa de servirem o país e contribuírem para o progresso e bem estar dos portugueses, bem assim como responder aos desafios e mesmo às dificuldades que surjam, mantendo sempre uma atitude responsável e honesta. Acima de tudo respeitarem os compromissos assumidos e saberem interpretar as mais básicas necessidades do povo. Não o desiludir nem contribuir para o seu empobrecimento.

A confiança é o mais sólido alicerce para a esperança se poder tornar em realidade. Para que os sonhos se transformem em futuro e para que a compreensão mútua fortaleça os desígnios da nação. Não reconhecer e não cumprir com estes princípios basilares entre povo e governo, é não entender o que deve ser um país ou então agir despudoradamente, com dolo e desrespeito, em nome de outros interesses, que não o fortalecimento da nação que dizem respeitar e querer defender e pela qual juraram esses propósitos, em nome da Constituição da República. A confiança é um cristal, frágil e límpido na sua pureza, que consagra um inquebrantável contracto entre duas partes e quando um qualquer gesto mais rude o estilhaça, é todo o equilíbrio que havia entre as partes que se despedaça também.

2. Passos
Passos é hoje um nome e uma palavra azeda e maldita. Uma metáfora, ela também, de algo ou de alguém que nos menospreza em nome de convicções ou dogmas alheios a qualquer conceito de humanismo, de fraternidade e respeito pelo seu próximo. Passos não tem lugar, no Portugal de hoje, na hospitalidade tão comum ao povo português. Soa a falso, a hipocrisia e mesmo a repulsa. Por isso, passo!

3. Desejos
Neste contexto de país intervencionado por interesses estrangeiros, vergonhosamente representados, a nível interno, por portugueses de estirpe duvidosa e antipatriótica, que traçaram como propósito o fortalecimento e enriquecimento duma casta poderosa e já rica, à custa da manutenção da pobreza já existente e ao definitivo empobrecimento duma classe média, espinha dorsal de qualquer sociedade, é-nos ainda legítimo sonhar e desejar, só porque ainda não conseguiram o controlo total das nossas mentes e da nossa mais profunda determinação de sermos livres.

Grande parte da população não alcançou ainda a verdadeira dimensão do mal que nos estão a fazer. Não é só esse empobrecimento que uns vão sentindo mais do que outros, esse constante espezinhar da esperança e ainda de alguma crença no futuro, essa metódica e fria ameaça de que a austeridade veio para ficar, como um estigma que a todos nos cobre e fará parte do futuro incerto de cada um de nós. O que eles querem é que nos reinventemos em pobres remediados e pobres já sem remédio, para que aqueles que detêm o poder económico e não tanto o político, possam dominar-nos pela força da fome e da necessidade de nos mantermos, pelo menos, vivos. E vivos, só aqueles que podem produzir, caminhando-se para o desejável e progressivo extermínio de todos os outros que já nada ajudam na produção e apenas pesam nessa coisa estranhíssima, para eles, que é o estado social.

Olhando para o futuro a médio prazo, é bom que nos capacitemos que hoje, aqueles que na casa do quarenta ou cinquenta anos e mesmo talvez menos, já engrossam a turba dos desempregados, jamais voltarão a trabalhar e por conseguinte nunca mais serão englobados no mercado de trabalho, aquele que os novos senhores do mundo proclamaram ser o único a existir, por pura necessidade, para além dos outros, os templos e areópagos da mais vergonhosa produção do dinheiro, os mercados financeiros.

Este, terá sido até hoje, na história moderna, o mais rebuscado e maquiavélico programa de exterminação da procura do bem-estar social para toda uma população. Já outros houve, mas em figurino de guerras, de conflito bélico declarado que todos conhecemos. Este é diferente, é um extermínio pelo cansaço, pela desesperança, por um “downgrade”, como agora se diz nas esferas do poder tecnocrata, da condição humana e social, uma verdadeira cisão da humanidade, entre servos descartáveis e senhores feudais de uma modernidade sem sentido humano.

Por isso, o desejo, enquanto impulsionador do futuro é um bem precioso que temos de preservar a todo o custo para não perecermos vencidos pelo desânimo. Desejo, vontade, determinação e convicção, são palavras e actos fulcrais para não nos deixarmos vencer nesta guerra. Porque de guerra se trata. Uma guerra dissimulada e travestida de reorganização e ajustamento. As palavras são hoje em dia recalculadas e arredondadas para lhes retirar o sentido real que encerram e por isso não nos podemos deixar vencer, nem por palavras nem actos.

Desejemos pois, todos em uníssono, o futuro a que temos direito. Em 2014 e sempre!…

Por: Ernani Balsa
“escreve sem o acordo ortográfico”

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One comment

  1. Gosto imenso do que ficou dito. É, em meu entender, bem verdadeiro.Pena é que se não vislumbre uma saída para isto.Os actuais líderes-políticos ,partidos, empresários etc – não merecem confiança, é verdade,mas então que fazer?

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