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PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE À PORTUGUESA

J. Antunes de Sousa

J. Antunes de Sousa

Já por diversas vezes dei comigo a pensar no difícil que é governar em Portugal – não o é só em Itália.

No país que, pela sua configuração geográfica, faz lembrar uma bota, qualquer actor cómico com jeito para a retórica e sobretudo para o gesto persuasivo pode botar figura e arranjar ao Presidente da República, um venerável ancião, um autêntico “par de botas”. Para lá dos Alpes, tudo é, porém, bem mais divertido: em cada extremo do palco um palhaço – um que quer à viva força governar e outro que usa a força súbita para não deixar ninguém governar-(se).

Apesar deste arraial siciliano, o segredo italiano: enquanto os políticos se divertem no jogo da apanhada, os inefáveis e graníticos directores gerais zelam imperturbavelmente pelo bom andamento da coisa pública – eis por que razão se mantém à tona uma máquina concebida justamente para sobreviver sem rombos à turbulência egótica da política e sem a qual os italianos não saberiam já viver.

Já em Portugal não há este espírito de humor – tudo nos ombros dos políticos, coitados! Sim, por cá, nós fazemos gala, na conversa de café, de um alvar desdém pelos políticos, mas não sabemos, nem queremos, viver sem eles.

Ter gente desacreditada a mandar – o poder exercido por medíocres alivia o dever dos súbditos e habilita-os ao exercício compensador da crítica – como que nos desobriga do dever de nos governarmos. Não, nós não nos governamos, de facto, mas também não nos deixamos governar – preferimos, mesmo assim, que eles nos compensem, governando-se.

E mesmo quando parece sincera a sua intenção de nos governarem, a nossa atávica desconfiança, uma desconfiança que nos vem, se calhar, já dos tempos de Viriato, não deixa que tão generosa atitude nos conduza na senda das boas prácticas.

Há, creio, em Portugal um insanável e estranho paradoxo, bem arraigado nas funduras do nosso ser colectivo: prezamos a manada, mas detestamos o pastor – sobretudo se este for de cajado macio!

É por isso que estranho que não haja por aí um pé-de-vento – que é intolerável que o governo nos queira impor até a altura certa para gozar férias – embora acabemos todos por ir, sempre, em caravana, em Agosto, a caminho do Algarve.
Os nossos governantes, convencidos da sua investidura quase divina e firmemente determinados a exercer, com coragem e clarividência, a sua acção pedagógica e cívica junto deste seu povo insensato, gritam que não, mas que ideia mais peregrina essa de férias no pico do calor, tempo tão propício a excessos de todo o tipo? Com tantos calores, lá se vai, num abrir e fechar de olhos, o tal subsídio que uns tipos, de rosto lívido e vestidos de preto, ali para os lados do Bairro Alto, alinhadinhos detrás das câmaras de televisão, nos obrigaram a dar-vos! Não, não pode ser, que, assim, o subsídio, em vez de ajudar, prejudica. E bem sabemos como é suprema missão do governo ajudar e até substituir o cidadão no seu dever primário de cuidar da sua própria saúde – física e financeira.

Por que não o subsídio em Novembro, um tempo bem mais propício ao recato e à contenção – além de ser frio, que faz bem aos músculos e areja a cabeça? Novembro, sim, que tem, além do mais, a preciosa vantagem de serem muito mais curtos os dias e ficar pouco tempo para gastar dinheiro. E, assim, até o Natal pode ser mais feliz – é o novo e carinhoso sistema de marketing: “dois em um”. Deste modo, o subsídio, supostamente de férias, estica-se prodigiosamente, tornando-se num inesperado subsídio de Natal – como se o governo dissesse a cada um dos pensionistas, tão pouco habituados às boas notícias: “receba um e festeje como se tivesse recebido dois”.

E eis como a gestão governamental dos subsídios a que a lei obriga se faz com comovedora solicitude pedagógica e à luz da diligente e exótica observância do sacrossanto princípio da subsidiariedade: o povo está prestes a fazer uma asneira? – que o é, e bem grossa, essa coisa de querer gastar o subsídio de férias no gozo de umas. É nosso dever evitar tal dislate, transferindo as férias, que não teve, para Novembro, mês em que certamente as não terá.

É só dinheiro em caixa! Eis a pedagogia governamental da poupança!

Enfim, uma ternura que nem sabemos como agradecer…

Por: José Antunes de Sousa
“escreve sem o acordo ortográfico”

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