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UM IMPASSE CHAMADO CAVACO SILVA…

Ernani Balsa

Ernani Balsa

A novela da “silly season” é a ronda de negociações para o acordo de compromisso de salvação nacional. Este ano é uma super-produção, cheia de intrigas e suspense, golpadas e traição. Guião da autoria de Cavaco Silva, com o PSD e o CDS/PP como actores principais e o PS na condição de actor convidado. Se a produção é de Cavaco Silva, já o assistente de realização é a tal personalidade de reconhecido prestígio que promoverá e facilitará o diálogo, apenas como observador e que dá pelo nome de David Justino. Nada melhor para este período de férias do que tentar a quadratura do círculo apenas com três vértices. Entretanto o Presidente da República emigra durante dois dias para as ilhas Selvagens, onde tinha um encontro marcado com uma cagarra, que lhe disseram ter a solução ideal para a embrulhada que ele próprio criou.

O país continua na sua modorra de verão, sendo que a única alteração têm sido alguns sinais de comichão provocados por alforrecas invasoras nas praias mais in da costa de Lisboa, mas nada que se pareça com a comichão que seria de esperar por esta situação de impasse político que ora se vive. Contra todas as expectativas o país não está suspenso dos resultados destas negociações entre os três magníficos da política de trazer por casa, e isto porque já ninguém leva a política nacional a sério. Ninguém acreditou verdadeiramente nesta solução, tipo panaceia, inventada pelo Presidente da República. Nem mesmo ele, talvez…

Logo à partida, a ideia peregrina de proclamar eleições antecipadas para daqui a um ano, portanto uma antecipação adiada, retirou toda a credibilidade a esta solução que não pode ser levada em conta, porque não se adia algo que é antecipado. É uma cartada surreal, porque é absurdo um julgamento sobre o regular funcionamento das instituições para daqui a um ano, quando ainda não se chegou a esse marco temporal. A figura de disolução do Parlamento e consequente agendamento de eleições antecipadas é uma decisão que tem a ver com um momento presente, actual e inadiável. É a reparação duma situação que se vive num determinado momento e não daquilo que presumível ou ilusoriamente se vai viver num futuro que não se pode adivinhar. Por outro lado, condicionar umas eleições a um compromisso nacional que seria acordado apenas entre três dos partidos do espectro partidário nacional, é uma inaceitável pressão sobre a orientação de voto dos portugueses, que, como aqui já adiantei, se pode traduzir numa abstenção histórica e num consequente resultado eleitoral que não exprima as reais intenções de voto do país.

À hora a que escrevo estas linhas, anuncia-se o não acordo entre os três partidos para nova ronda de negociações e uma reunião dos mesmos, convocada pelo Presidente da República, o que poderá significar que existirão desacordos insanáveis entre o triunvirato convocado para o referido compromisso. Nada de admirar, até pelo tom algo arrogante e proclamador do ainda Primeiro-Ministro, que em vez de adoptar um discurso humilde e consentâneo com as tristes figuras que o governo mostrou durante esta ópera bufa mal montada, não se coíbe de afrontar o PS, como se este não estivesse agora a ser convidado para o mesmo barco do governo. É claro que, no fundo, são todos farinha do mesmo saco e o que mais os une é a sua ambição pelo poder, uns com mais açúcar e outros com mais mel, mas ambos com uma noção de país que provoca azia na maioria dos portugueses. A interminável ausência de alternativas mata a esperança de todo um povo. São máquinas destruidoras dos sonhos de todos nós, lideradas por políticos de uma estatura diminuta, sem um rasgo de coragem, altruísmo e elevação de carácter.

Simbolicamente, tudo isto se passa numa semana em que se comemorou o Dia Internacional de Nelson Mandela, um homem cuja coragem, carácter e sentido de consciência social, aliados a uma rara capacidade de perdão, o elevam ao mais alto patamar do respeito a nível mundial. Um exemplo, que poucos têm a ousadia de tentar seguir, porque para tal teriam de saber portar-se à altura de homens de respeito e não de diminutos políticos criados à imagem de manipuladores da política, nas escolas partidárias, que em termos de rankings, nem sequer aos últimos lugares têm direito. Sinto-me um privilegiado por ser contemporâneo de Madiba, por ter podido assistir à sua libertação da cela nº 5, da secção B, da prisão de Robben Island até à sua elevação a Presidente da África do Sul, cargo no qual consegui reunificar a sociedade sul-africana, perdoando aos seus próprios carrascos e lançar as sementes de um novo país sem barreiras raciais e refundado na igualdade de oportunidades para todos os seus cidadãos. Perante um tal abismo, que separa um carácter invulgar e superior e ao mesmo tempo, humilde e pleno de dádiva ao seu semelhante e a pequenez e mesquinheza daqueles que se consideram os mais altos responsáveis pelos destinos de Portugal e crêem ser os únicos com estatuto e ideias para levar o país a bom termo, não posso deixar de me sentir frustrado e revoltado por esta incapacidade nacional de saber escolher, para tarefas de inegável importância, entre os mais inúteis e os mais dotados, independentemente das suas opções ideológicas, dentro de um quadro democrático que todos desejamos manter. Surpreendentemente, escolhemos quase sempre os mais hábeis na arte de enganar o povo e defenderem os seus próprios interesses e os dos grupos financeiros que lhes servem de respaldo.

Entretanto, Cavaco Silva regressou das Selvagens e parece que não conseguiu entender-se com a cagarra, que assim que se viu anilhada pelo Presidente da República, levantou voo e perdeu-se na lonjura mais distante que pôde alcançar, a salvo de influências nefastas das soluções urdidas pelo também Presidente das Selvagens… Mal por mal, ainda bem que as ilhas são mesmo desertas… Imagine-se o que não seria, expor estes territórios à poluição política que grassa no resto do país…

Por: Ernani Balsa
“escreve sem o acordo ortográfico”

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2 comments

  1. Concordo em absoluto!… Essa é uma das fraquezas do nosso sistema democrático, não podermos escolher nominalmente em quem votamos, como se fossemos mentecaptos que apenas podem votar nas escolhas cozinhadas pelos partidos, de acordo com os seus interesses…

  2. Nuno Gonçalves

    Tenho debatido em escritos e conversas que já é tempo de nos guindarmos desta compulsão judeo-cristã de culpas, meas culpas.
    Nós não podemos ser culpados de escolher uma carta de um baralho que nos é imposto e que só possui a mesma carta, do mesmo número e naipe em que o que muda é apenas a tonalidade cromática da mesma.
    Não somos nós a escolher os candidatos. Não os conhecemos de lado nenhum. O candidato a um círculo, digamos Lisboa, pode residir, não resisto a apanhar a boleia da contemporaneidade, nas Selvagens.
    Enquanto não se quebrar a Ditadura de Partidos Únicos, enquanto os partidos pregarem no exterior uma democracia que não praticam dentro dos seus muros para lá dos quais reina uma ditadura, a privação do sufrágio universal e a gestão de poderes entre, pelo que às vezes sai para fora, o que até parecem ser gangues, enquanto, digo, um cidadão não seja livre de ser escolhido ou de angariar apoios entre aqueles que podem exigir-lhe contas directas do seu desempenho e da efectividade da sua representatividade, a designação de democracia tem a mesma verdade da designação tão ao gosto do pugilismo, de combate do século.

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