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Viagem no tempo

Na situação dramática que se vive têm sido constantes as referências temporais. Por um lado, atrasam-nos o relógio da vida, para lançar as culpas de tudo aos governos anteriores. É certo que estes saltos no tempo, para trás, têm sempre como alvo os períodos dos governos contrários àquele que hoje se acusa. Ainda há-de estar por nascer um político honesto e tanto quanto possível isento, sim, isso é possível, embora raro, que reconheça em governos do seu próprio partido, as culpas que geralmente só assentam nos outros. Por outro lado, são agora cada vez mais frequentes os convites a projectarmo-nos no futuro, com o intuito de nos irmos habituando à miséria do presente, em viagens que alcançam geralmente os vinte a trinta anos. Estes são os períodos de tempo normalmente avançados como os que ainda teremos de aguentar com a carga de sacrifícios que bem conhecemos hoje em dia. A particularidade é que para esta previsão, o actual governo já não se preocupa com a culpabilização de nenhum dos partidos do malfadado arco da governação. Tal descupabilização tem a ver com o facto dessa culpa estar já diluída em toda a população, cruzada que eles têm vindo a gerir o mais diligentemente possível, para que sejam os portugueses, eles próprios, a carregarem essa culpa que tanto jeito dá aos actuais e futuros governantes. Acresce que, com o persistente apelo ao consenso dentro do bloco central, um consenso pérfido, mas ao mesmo tempo purificador de todos os males, esperam eles conseguir diluir as culpas e simultâneamente estabelecer um guião de governo tão rígido, que qualquer poder eleito, se tudo correr bem e este continue a saltitar entre rosas e laranjas, com toques mais ou menos pontuais de cariz azul e amarelo, terão que obedecer às grande linhas mestras da Europa, da Alemanha ou da máfia financeira internacional. Donde se infere que a miséria irá continuar e certamente agravar-se, o que se conjuga em perfeição com o plano global posto em marcha por quem realmente hoje comanda toda a vida no planeta.

Convém aqui fazer um parêntesis para explicar melhor quem são afinal estes que comandam hoje a vida em todo o planeta, a “rede global de controle corporativo”, como lhe chama Karen Hudes, ex-assessora jurídica do Banco Mundial, agora afastada daquela instituição internacional. A cúpula desse sistema é o Banco de Compensações Internacionais (Bank for International Settlements) o banco central dos bancos centrais. Segundo Karen Hudes, a ferramenta principal de escravizar as nações e Governos inteiros é a dívida. Para uma melhor compreensão destes mecanismos, nada como consultar o artigo divulgado sobre esta matéria.

Mas vamos então à viagem no tempo. Tentemos um salto calculado de trinta anos, aterrando em 2044 e tentemos perceber como vivem os portugueses nesse tempo. Refiro-me aos portugueses, por uma questão mais emocional, mas as diferenças para outros povos e culturas, mesmo dessa abstracta coisa chamada Europa, não diferirá em muito daquilo que se puder constatar no nosso país.

A pouco mais de trinta anos de distância, considerando como referência o ano de 2011, quando a grande praga punitiva tomou de assalto as nossas gentes, Portugal ainda existe, porque seria um escândalo insustentável, um país da Europa ter-se desintegrado, ponto final. Mas a miséria que hoje já se vive, não parou de se agravar. A pobreza e a miséria não se curam com austeridade e muito menos com uma austeridade estrutural que foi sendo decretada por leis e outras normas no limite da legalidade e de uma legitimidade pouco convincente. Relembremo-nos que a austeridade e a pobreza que dela foi derivando, não foram consequência, mas sim o objectivo que sempre se quis alcançar, de acordo com metas estritamente definidas para o efeito, gizadas pelos tais que se acoitam nas referidas redes globais que determinam em que medida se afunda ou não um qualquer país, para se obter um determimado efeito na economia mundial, ou mais prosaicamente falando, na economia dos seus bolsos sem fundo.

A educação regrediu e nesse futuro, apenas os privilegiados estudam, porque a nova ordem não aceita suportar os custos de uma educação social e generalizada. Praticamente deixaram de existir contratos de trabalho ou acordos colectivos do mesmo. A subsistência à custa do labor voltou à época das jornas. O trabalho é uma necessidade de quem produz ou de quem tem capacidade financeira para ter ao seu serviço a força dos braços ou o indispensável saber, mas tudo se negoceia e regateia através do poder de quem o detém. No meio empresarial apenas têm lugar os cérebros preparados intencionalmente para atingirem os mais diversos objectivos, todos eles, no entanto, balizados pelos princípios do maior lucro pela mais ínfima compensação. A população continua a diminuir, porque raras são as pessoas que se atrevem a procriar e assumir responsabilidades familiares, numa sociedade onde o dinheiro rareia e a iniciativa privada e autónoma foi desaparecendo. Os apoios sociais foram reduzidos quase a zero e tudo tem um custo, apenas suportados pelos cidadãos, mas insustentável para a maioria de todos nós. É verdade que os velhos deixaram de criar tantos problemas como os que criam hoje em dia, porque a natureza aliada à drástica redução de cuidados médicos, se encarregou de os encaminhar para a sua morada mais conveniente, as cinzas dos crematórios que cada vez mais se espalham pelo país. Por outro lado, a maioria das pessoas deixaram de ter vida social, lúdica, cultural ou de cultivarem solidariedades ou princípios cívicos. O próprio civismo é firmemente controlado e as actividades políticas são cada vez mais reduzidas. Os eleitos, as elites e os mentores da nova ordem encarregam-se dessa área e as eleições ainda só existem por mera necessidade de alguma encenação de aparência democrática. As pessoas deixaram de professar ideias, opiniões ou mostrar desgrado pelas norma vigentes, uma vez que o consenso passou a ser tão prioritário quase como a condução pela esquerda, nas estradas. Existindo um consenso generalizado, poupam-se imensos recursos financeiros, energia laboral e desnecessários debates em torno de tudo o que regula o país. Ter opinião é considerado arcaico e contraproducente, pelo que o acordo ou desacordo deixou de ter algum significado. As normas vêm  de fora e o povo apenas tem de as cumprir, o que se torna muito mais fácil, para além de que não afrontamos deselegantemente, nem os nossos governantes europeus, nem os credores que poderiam sentir-se ofendidos e mesmo feridos de ingratidão, pois são eles que continuam a ajudar-nos com o dinheiro que nos emprestam e o qual nós vamos pagando regular e atempadamente, de cabeça erguida e muito agradecidos por ainda nos deixarem viver.

Portugal tem um turismo florescente, de grande qualidade e superior serviço, ao qual respondem os melhores dos melhores a nível internacional. É claro que os portugueses, para manter tal qualidade de serviços, trabalham desalmadamente, apenas com algumas, muito poucas, folgas e já não férias. O país e as suas maravilhas deve estar ao serviço do turismo e não os portugueses a usufruirem de algo que apenas os muito ricos podem pagar. Diga-se, em abono da verdade, que os pobres são ainda, sempre foram e sempre serão, um incómodo com que os sucessivos governos muito se têm preocupado. É cada vez mais necessário ocupá-los, dissimulá-los e tentar atribuir-lhes pequenas tarefas que os tornem úteis, sem os tornar pesados ao erário público. E quanto mais para o interior, melhor.

Não se pode dizer que nada melhorou. É indiscutível que melhorou, e muito, para os de sempre, mas para o resto da população esse descontentamento está cada vez mais adormecido. Os sonhos, os projectos, as revoltas e mesmo a frontalidade de muitos que julgavam conseguir mudar as coisas, foram-se desgastando juntamente com a inevitável perda da força anímica que ainda restava do breve deslumbramento com a Democracia. Há, no entanto ainda, uns idealistas que continuam a acreditar que tudo o que se passa é pela vontade dos homens e que bastará afastar do poder os de má índole para que os justos e os honestos possam recriar a economia ao serviço de todos e a liberdade que há anos, muitos tinham pensado ter conquistado. O homem só não vence a natureza, embora já a condicione, mas a sua própria vida no planeta pode ser melhorada, se for essa a vontade das maiorias, no respeito inalienável pelas minorias que sempre existem.

Regressei desta jornada pelo futuro, abatido mas ainda mais revoltado. Não é credível que alguém tenha ao longo dos tempos reduzido um País a um quase cemitério de sonhos e de projectos. O espírito malévolo e calculista de uns quantos, não pode ter cerceado a força libertadora e humanista de um povo, que se libertou de um outro jugo de quase cinquenta anos de obscurantismo e atraso. Portugal não pode ser o que o futuro nos reserva e ainda estamos a tempo de banir os traidores que hoje nos amachucam e reconstruir o futuro a que temos direito.

“Acordai / acordai / homens que dormis / a embalar a dor / dos silêncios vis / vinde no clamor / das almas viris / arrancar a flor / que dorme na raíz…” (José Gomes Ferreira)

Ernani Balsa
“escreve sem acordo ortográfico”

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Na situação dramática que se vive têm sido constantes as referências temporais. Por um lado, atrasam-nos o relógio da vida, para lançar as culpas de tudo aos governos anteriores. É certo que estes saltos no tempo, para trás, têm sempre como alvo os períodos dos governos contrários àquele que hoje se acusa. Ainda há-de estar por nascer um político honesto e tanto quanto possível isento, sim, isso é possível, embora raro, que reconheça em governos do seu próprio partido, as culpas que geralmente só assentam nos outros. Por outro lado, são agora cada vez mais frequentes os convites a projectarmo-nos…

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