Home » ZZZ Autores » Nuno Gonçalves » AO CORRER DA PENA – REFLEXÕES SOBRE O ASSÉDIO MORAL E OUTRAS MALDADES

AO CORRER DA PENA – REFLEXÕES SOBRE O ASSÉDIO MORAL E OUTRAS MALDADES

Nuno Gonçalves

Nuno Gonçalves

HĂĄ muito, tenho de reconhecĂȘ-lo, que se ouve falar do AssĂ©dio Moral. Sim, essa violĂȘncia que se tornou famosa atravĂ©s da referĂȘncia Ă  sua prĂĄtica nos locais de trabalho. A questĂŁo, de tĂŁo propalada junto do pĂșblico, criou uma mnemĂłnica que quase a ligou, com carĂĄcter de exclusividade, aos locais de trabalho, ou seja, AssĂ©dio Moral no Trabalho. Esta especificidade nunca foi inocente. Denunciava perdas imensurĂĄveis de recursos produtivos e financeiros. Ora este meu amigo sabe que tenho uma espĂ©cie de horror a estas especificidades e ouviu, em tom quase estridentemente panfletĂĄrio, as minhas diatribes contra esta reacção deslumbrada, habitual face Ă  novidade, a desfiar outras arenas onde o AssĂ©dio Moral faz razias e ceifa, simultaneamente, geraçÔes. Mas estas ponderaçÔes serĂŁo o nosso repasto para outros encontros.

As reflexĂ”es sobre o AssĂ©dio Moral conduziram-me a uma via estreita, sufocante. Bem sei que nĂŁo hĂĄ uma caracterização conceptual do AssĂ©dio Moral, varia conforme o autor, o investigador e a Nação. Esta persistĂȘncia numa designação sĂł podia ser redutora, insuficiente. NĂłs, portugueses, habituados que estamos, civilizacionalmente, Ă  riqueza e rigor da nossa LĂ­ngua, nĂŁo nos satisfazemos com estes ensaios de generalidades abarcantes que contĂ©m tudo e nada referem. Cada coisa com seu nome e se usamos uma designação lata, somos especĂ­ficos. Pois bem, a variedade de conceitos, de Ă©timos e de outras vertentes que, sendo estranhas Ă  LĂ­ngua, contribuem para tornar ainda mais imprecisa a referĂȘncia, encurralaram-me. AssĂ©dio Moral, Ă© apenas um dos nomes da besta. A besta, na minha proposta e estou certo que todos a percebemos como tal, nada mais Ă© que a ViolĂȘncia PsicolĂłgica, que acolhe o AssĂ©dio Moral, o Acosso PsicolĂłgico, a Coacção PsicolĂłgica, o Abuso PsicolĂłgico, o Terror PsicolĂłgico, a PressĂŁo PsicolĂłgica, a Ameaça, a Ofensa, a Descriminação, e mais umas anglicanices, como o “mobbing” e o “bullling” que ajudam uns quantos ilustrados Ă  pressa a trazer para cĂĄ o que descobrem existir, mas lĂĄ fora. Outras formas de agressĂŁo que existem e para as quais ainda nĂŁo temos palavras para as nomear.

A questĂŁo principal, na ViolĂȘncia PsicolĂłgica, perdoem-me os doutos metalistas e outros simpatizantes da finança e da gestĂŁo, nĂŁo Ă© tanto a produtividade e os custos inerentes. Estas dimensĂ”es, quando se colocam, revelam uma doença, uma necrose psicolĂłgica e social. Os danos, nesta fase, sĂŁo muito frequentemente definitivos e irreversĂ­veis. O maior problema coloca-se ao nĂ­vel do sofrimento psicolĂłgico, da inibição do pensamento e da acção, da castração a qualquer dos nĂ­veis que nos ocorra.

A ViolĂȘncia PsicolĂłgica afecta quem se cruza com pessoas com graves fragilidades de personalidade e que sĂŁo tudo menos empĂĄticas, ou antes, tĂȘm aquela capacidade de leitura emocional do psicopata e, como ele, sĂŁo incapazes de empatia, de compaixĂŁo. O instrumento da ViolĂȘncia PsicolĂłgica Ă© a comunicação, a verbal e a nĂŁo-verbal. A simples presença do agressor jĂĄ Ă©, em si, uma forma de violĂȘncia.

Hoje nĂŁo falaremos das faces e das acçÔes desta besta. Presto homenagem a todos os que sĂŁo ou foram sujeitos Ă  ViolĂȘncia PsicolĂłgica. No trabalho, na famĂ­lia, entre amigos e em qualquer forma de relação interpessoal passĂ­vel de ferir uma Pessoa no que de mais sagrado tem, a sua identidade e dignidade.

Desengane-se quem acha que a ViolĂȘncia PsicolĂłgica nĂŁo deixa marcas fĂ­sicas. Deixa-as, profundas, frequentemente fatais, por acto de desespero ou por reflexos graves na saĂșde. É transgeracional. A indisponibilidade afectiva, podemos mesmo falar de deficiĂȘncia emocional ferra as relaçÔes familiares em todas as suas variantes. NĂŁo gosto de falar de vĂ­timas pois a palavra em si jĂĄ tem um “labĂ©u” de memorização, de insuficiĂȘncia, de incapacidade. As pessoas que enfrentam ou enfrentaram esta provação sabem que um dos efeitos da ViolĂȘncia PsicolĂłgica Ă© a solidĂŁo. Se a agressĂŁo Ă© no local de trabalho, sabe que em casa e na famĂ­lia vai ser confrontado com alusĂ”es Ă  sua incapacidade de estar Ă  altura das circunstĂąncias, se Ă© em casa ou noutro grupo social vai ser questionada a sua capacidade de interpretação, de dar sentidos Ă­nvios a palavras inocentes ou que descontextualiza. Posta em dĂșvida, a pessoa sente o agravamento da sua situação, a inelutabilidade, o isolamento. Os que Ă© suposto serem o porto de abrigo, a força que suporta, continuam e agravam o que o agressor iniciou e semeou, lançando as raĂ­zes atĂ© dentro do que se esperava que fosse um espaço estanque, hermĂ©tico Ă s malevolĂȘncias.

O tom deste apontamento poderĂĄ parecer dramĂĄtico para quem, directa ou indirectamente, nĂŁo conhece este fenĂłmeno ou que possui recursos e atĂ© uma envolvĂȘncia sociofamiliar que funciona como antĂ­doto e como blindagem. Quem nĂŁo encontra estas circunstĂąncias na sua vida, permito-me especular, entende o tom destas palavras.

Deparo-me no meu trabalho com pessoas que sĂŁo sujeitas a estas agressĂ”es. As mais felizardas, permitam-me a liberdade literĂĄria, desenvolvem depressĂ”es reactivas passĂ­veis de remissĂŁo. As outras adquirem marcas psicolĂłgicas, alteraçÔes psicolĂłgicas e mentais que podem desencadear doenças crĂłnicas, incapacitantes a pulverização do nĂșcleo familiar ou, no limite, a perda da vida.

Por: Nuno Gonçalves
“escreve sem acordo ortogrĂĄfico”

Partilhe:

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *

*

*

Comment moderation is enabled. Your comment may take some time to appear.

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como sĂŁo processados os dados dos comentĂĄrios.