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A semana em três registos…

Numa semana com Dia de Portugal, início do Mundial e Santo António de Lisboa é difícil escolher um tema, tanto mais que qualquer um dos três teria pano para mangas… umas curtas, outras mais compridas e outras, ainda, mesmo de cava…

Quanto ao Dia de Portugal, é tema que daria para um livro… mas esse já Camões o escreveu. Agora, que o Camões ficaria cego de estupefacção e vergonha ao ver o estado do país, era certo!… Seria caso para ter de fazer uma nova edição, revista e aumentada, dos Lusíadas, mas agora em economês, que é a única linguagem que a rasca elite nacional entende.

Quanto ao fanico do Presidente, aliás, a “reacção vagal” do Comandante Supremo das Forças Armadas, é facto que não me merece considerações especiais, por uma questão de respeito ao cargo que desempenha e a uma certa discrição que acho dever manter. Não posso, no entanto, deixar de fazer um comentário colateral a este incidente. Na sequência do sucedido, vários fotógrafos fizeram o que era esperado fazer, ou seja, fotografaram da melhor forma que puderam aquele instante, para poderem informar. Era um acto público, a figura central do acontecimento foi o Presidente da República e nada mais natural e profissional. Pois acontece que os devotos serviços de segurança no local, tiveram como imediata preocupação afastar os jornalistas e fotógrafos e mesmo interpelar alguns, com a intenção de que apagassem as fotos tiradas ao incidente, o que pelo menos num caso conseguiram, não se percebe com que intenção… Apagar aquele instante? Fazer de conta que nada se tinha passado? Ocultar aquilo que, segundo a sua elevada análise, considerariam algo caricato ou não compatível com a qualidade do interveniente?… Tão lestos foram nas suas censórias preocupações, que nem terão tido tempo nem poder de iniciativa para socorrer Cavaco Silva, tarefa que de imediato foi levada a cabo pelas entidades militares presentes, com destaque para o Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), o primeiro a aperceber-se do desfalecimento do Presidente e a acudi-lo. Uns servem para exercer o emérito acto da censura, outros, felizmente para acudir a quem precisa. É mais um retrato dos nossos tempos em que se tornou mais urgente reprimir do que compreender efectivamente o que se passa e agir em conformidade.

Quanto ao Mundial de Futebol, é uma matéria polémica e fracturante. Polémica porque demasiado discutida e debatida, com excessos e paixões irracionais e alvo de ataques que têm como contornos, os obscuros negócios ligados ao futebol, a corrupção e os exagerados montantes financeiros que envolve, sem uma suficiente transparência nos seus movimentos. Fracturante porque plena de excessos de amor e ódio, de paixões exacerbadas e absolutamente inexplicáveis, de uma construção irracional de ídolos e de vedetas, que apenas se dedicam a uma desporto que há muito tempo não o é, mas que arrasta multidões de uma forma inexplicável e mesmo ofensiva de qualquer resíduo mínimo de inteligência e de bom senso. A dose de irracionalidade que envolve o futebol e no seu expoente máximo, os Mundiais, são assustadores. Acresce, este ano, a surpresa de um país que assenta muito da sua idiossincrasia no futebol, surgir como uma das principias arenas de discussão sobre a futilidade do mesmo quando comparado com as verdadeiras necessidades de um país e de um povo. Do Brasil nunca se esperaria aquilo que já vimos e que ainda veremos, certamente, ao longo deste campeonato. Eu vejo com agrado um jogo de futebol, mas já não sinto qualquer paixão irracional pelo jogo em si e muito menos por todo o folclore que o rodeia e definitivamente nenhum respeito por toda a nuvem obscena de valores financeiros que o enferma. Tudo isto com a agravante de que os lucros fabulosos que um Mundial gera, terem destinatários de valor e honestidade muito duvidosa. O povo brasileiro tem razão, pois sabe que, enquanto povo, nada beneficiará com a organização de tal evento. É expectável que a economia brasileira tire daí alguns dividendos, mas não a economia que chega aos pobres e necessitados de um país que, embora já tendo evoluído bastante, ainda continua a ter bolsas de pobreza e miséria social significativas.

Finalmente quanto ao Santo António de Lisboa, também dito de Pádua, é talvez o evento desta semana que mais próximo esteja do povo e da verdade, tendo em conta que a verdade que envolve os santos está sempre envolta numa imprecisa neblina de lendas e histórias improváveis. Os Santos Populares começam todos os anos em Lisboa e a cidade, nos seus bairros históricos e mais característicos, e mesmo naqueles que sendo mais recentes vão ganhando algum estatuto com a idade que vão festejando, transforma-se num imenso arraial. É como se, uma vez por ano, as gentes genuínas dos bairros de Lisboa tivessem direito à legitimação da sua simplicidade e pudessem celebrar a singeleza com que se vive naquelas casas minúsculas e atravancadas, semeadas por ruas, becos e vielas, sem grandes condições, mas berços de um grande sentido comunitário. Os desaires da vida e a austeridade que se acentuou nestes últimos anos, quase tudo é esquecido nestas noites de uma felicidade embriagante e colorida e os políticos até se podem convencer de que o povo está mais feliz, mas esse bem estar é passageiro e efémero, embora seja bom aproveitar este curto alívio da realidade, Não se pode é ignorar o mal que nos tem sido feito. Quando a festa acabar chega de novo a vida real. Que Santo António, se é santo, nos valha!…

Ernanai Balsa
“escreve sem acordo ortográfico”

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