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AINDA FIZ UMA “CARREIRINHA” CONTIGO

P.Guedes de Carvalho

P.Guedes de Carvalho

Na sua juventude foi um amante dos desportos aquáticos sobretudo a natação, pesca submarina e vela. Com os meus 6 anos de diferença de idade era o meu ídolo nos mares da Apúlia onde praticava com tios, pai, primos e irmãos o desporto verdadeiramente percursor do actual bodyboard; desporto esse designado por nós, do norte, como “carreirinhas”. Era fabuloso e imbatível a caçar as ondas lá no fundo, no timing preciso quando elas se formavam, acelerando com a braçada crawl que desenvolvia com o seu tronco quase todo de fora, até chegar o momento certo de colocar os braços esticados, mãos bem à frente da crista da onda até aterrar na areia.

Lembro-me também da elegância com que preparava a sua roupa e sapatos de vela para gozar os prazeres da prática e até de competição da vela em diferentes especialidades no porto de Leixões e Clube de Vela Atlântico. Vi também muitos peixes tirados às profundezas do mar, sargos, robalos e polvos que empunhava na ponta da sua espingarda de pesca, nos tempos onde se aguentavam as temperaturas frias sem fatos de borracha. Com o tio, o Luís e o Manel Neiva.

Depois de 26 fui recordar alguns sítios, como se estivesses comigo e ainda fiz uma “carreirinha” contigo. Sim, estavas ali a dois metros, à minha esquerda; e quando eu parei e levantei a cabeça tinhas desaparecido na areia. Não se notaram as lágrimas porque estava muito molhado e mergulhei de novo, de raiva e desalentado por não te poder acompanhar mais nestes desportos.

Fiquei privado fisicamente de um irmão. Pela 1ª vez. Era o 2° de uma seita de cinco que os progenitores chegaram a ver vivos, atingirem todos os 50 anos. É obra. Talvez por isso tenha criado sempre a ideia que todos nós íamos todos seguir esses passos de longevidade similar. Puro engano.

O mais sensível, o mais bonito, o mais genial e por isso também o mais frágil.
Formou-se em arquitectura, foi autor brilhante de algumas obras muito à frente do seu tempo, mal tratado pelos imbecis da política nacional e autárquica.

Odiava a mediocridade e por isso não teria a estrutura requerida para lidar com a imensidão de patos bravos da construção surgidos nos anos 80 do século passado. Não conseguiu perceber porque nunca teve o direito do reconhecimento público de mais de meia centena de obras públicas que coordenou na reconstrução de uma das ex-colónias, como cooperante.

Foi autor coordenador do monumento em memória dos Combatentes sitiado em Belém. Explicou-me um dia a razão de ter aceite esse desafio (até conotado com a dita “direita”) e o simbolismo do mesmo – a ligação intrínseca dos dois continentes separados pela água com chama ininterrupta.

A água sempre presente e um pequeno tanque no jardim em casa, que mais não era que uma pista de natação de 10 metros por 1,5m para te relaxares e que não te deram tempo de acabar. Estou bem mas com muita saudade dele. Para expiar a dor quero afirmar que ele, como tantos outros criativos portugueses, era muito lúcido, muito à frente do seu tempo e íntegro e que culpabilizo o actual estado miserável deste país por ter contribuído para o incidente cardíaco e o stress que precipitaram a sua morte.

Por: Pedro Guedes de Carvalho
“escreve sem o acordo ortográfico”

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