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As crianças são as maiores vítimas em Cabo Delgado

As crianças são as maiores vítimas em Cabo Delgado

A violência que se tem vivido em Cabo Delgado, Moçambique, desde 2017, situação que se intensificou no último ano e meio, já regista mais 732 mil pessoas deslocadas e 2.800 vítimas, com as crianças a serem as mais afetadas pelo conflito armado.

Como tem sido notícia, milhares de pessoas têm sido obrigadas a deixar para trás, o pouco que ja tinham, muitas vezes só com a roupa no corpo, na esperança de encontrarem segurança e abrigo noutro ponto da zona norte de Moçambique, com o apoio das organizações humanitárias que se encontram no terreno.

Segundo a “Ajuda em Ação”, ONG que se encontra na linha da frente, as crianças e jovens (46%), são as principais vítimas deste conflito armado, que, por vezes, acabam por se perder das suas famílias no momento dos ataques e chegam sozinhos, desorientados e com medo, depois de terem caminhado a pé durante dias a fio ou de viajarem em autocarros locais lotados de deslocados ou em transportes aéreos que os retiraram das zonas de conflito. Segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM), num dos seus últimos relatórios, existem entre a população deslocada 1.410 crianças separadas das suas famílias.

Estas crianças são acolhidos em campos de deslocados ou famílias anfitriãs, mas o alívio da chegada para muitos, aporta “consequências graves para os já escassos recursos” de outros, ressalva o diretor regional do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados na África Austral, Valentín Tapsoba.

No distrito de Metuge, devido ao crescimento do fluxo de deslocados, a ONG “Ajuda em Ação”, juntamente com as autoridades locais, a OIM e o ACNUR, puseram em marcha uma resposta de emergência humanitária para construir abrigo para mais de 10 mil famílias deslocadas e apoiá-las na reconstrução da sua vida.

Mas as necessidades vão muito além de abrigo e segurança. Especialmente no caso das crianças que precisam de assistência alimentar e médica, apoio psicológico, formação educativa e ferramentas que lhes permitam construir e idealizar um futuro melhor, distante da violência que conheceram nestes últimos anos e que terá um grande impacto a longo prazo na sua vida, embora ainda difícil de avaliar, alerta a ONG neste Dia da Criança Africana.

Entre os mais de 336 mil crianças e jovens deslocados oriundos do norte do país, mais de 85 mil refugiaram-se em Metuge, um dos distritos de Cabo Delgado onde a ONG “Ajuda em Ação” já está presente há mais de cinco anos e trabalha com 34 mil jovens e crianças deslocadas em acampamentos e comunidades hospedeiras. É aí que as suas equipas unem todos os esforços para suprimir as muitas necessidades que existem: são providenciados bens de primeira necessidade, presta-se apoio na construção de abrigos para as famílias, constroem-se e reabilitam-se pontos de acesso a água, latrinas e instalações higiénicas, distribuem-se kits de higiene e de dignidade e constroem-se salas de aulas, de modo a garantir o acesso à educação e a proteção dos direitos dos grupos mais vulneráveis, as crianças.

Promover de forma continuada e sustentável o desenvolvimento destas crianças e jovens é fundamental. “As crianças sofrem muito com esta situação: perderam a sua rede social, a sua vida normal. Para restaurar a normalidade nas suas vidas, está a ser feito um grande esforço em comunidades como Saul, Taratara ou Pulo (distrito de Metuge) para as integrar no sistema educativo. No entanto, as infraestruturas, o número de professores e a qualidade da educação continuam a constituir grandes desafios.”, conta Abide Nego, Gestor de Programas da Ajuda em Ação Moçambique.

O acesso a uma educação de qualidade e a criação de emprego são outros pilares da ação da ONG para combater situações de risco como o trabalho infantil, os abusos a menores ou a entrada em redes de tráfico humano, perigos sempre à espreita em contexto de crises humanitárias.

Com poucas condições, sem casa, sem emprego, sem meios de subsistência, estas famílias e crianças enfrentam uma situação angustiante, onde a fome se faz sentir e as doenças são uma ameaça velada com que têm de lidar diariamente. “Tem havido surtos de cólera nos campos e a malária tem um impacto muito forte na região. Além disso, existem níveis elevados de desnutrição, especialmente entre a população infantil”, conta Abide Nego. As Nações Unidas contabilizam 240 mil crianças numa situação de desnutrição aguda, 3.400 casos de cólera e 16 mortes em Cabo Delgado só nos primeiros quatro meses do ano.

“A situação da COVID-19 vem agravar tudo ainda mais”, nota Sophia Buller, coordenadora de Ajuda Humanitária da ONG em Moçambique. Cabo Delgado é uma das províncias moçambicanas com maior número de casos, mas num momento em que a segurança e alimentação estão em causa, a ameaça invisível da COVID-19 não é uma prioridade. E embora, como diz Abide Nego, “existam esforços para garantir a sensibilização nos centros de acomodação, há dificuldade em distribuir máscaras”.

Garantir o distanciamento social nos centros ou fora deles também não é fácil. “Com a família de acolhimento chegam a viver debaixo do mesmo teto mais 3 ou 4 famílias deslocadas”, refere a responsável pela área de Ajuda Humanitária. Mesmo o gesto de lavar as mãos regularmente é um desafio para estas pessoas. “A lavagem das mãos parece uma medida muito simples, mas para as pessoas que não têm acesso a água é impossível”, adianta.

Até ao momento não existem casos registados de Covid-19 nos centros, em parte devido à falta de condições e material para testar a população. Contudo tanto Sophia Buller como Abide Nego temem que a situação possa agravar-se, porque é impossível neste contexto verificar a existência de casos positivos e assegurar todas as medidas necessárias de prevenção contra a disseminação do novo coronavírus e apenas um caso pode levar a uma situação de rápida propagação que comprometa totalmente um sistema de saúde que é, por si só, já muito frágil.

A “Ajuda em Ação” é uma Organização Não Governamental (ONG) internacional de origem espanhola que também desenvolve ações de apoio social em Portugal. Fundada em 1981, atua em áreas como a pobreza, a desigualdade, a vulnerabilidade, a exclusão social, as alterações climáticas e a emergência humanitária. Como não poderia deixar de ser, juntou à sua missão a luta contra a disseminação do novo coronavírus bem como um dos seus grandes efeitos colaterais, a pobreza. Qualquer que seja o âmbito da intervenção da ONG, a dignidade daqueles que apoia é sempre o pilar central no trabalho desenvolvido.

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