Merece que dele falemos porque, tratando-se de alguĂ©m, como MĂĄrio Soares, que tĂŁo importante papel desempenhou na histĂłria recente de Portugal, a pergunta que, inevitĂĄvel, surge Ă© o que se terĂĄ passado, o que Ă© que terĂĄ corrido mal para tĂŁo severa reprimenda ter recebido nas urnas. Resposta? Ela aqui vai: um desencontro essencial com o tempo. Soares, ao inventar uma versĂŁo pĂłstuma de si mesmo, foi como morto que se apresentou â e ninguĂ©m estĂĄ para votar em mortos. Mas vejamos. HĂĄ, em todo este triste episĂłdio, uma sucessĂŁo graduada de erros. Comecemos pelos menores. Desde logo, a forma ...
Read More »AVALIAĂĂO: TRĂGICO EQUĂVOCO
Todos â pais, professores, ministros, deputados, presidente â todos enchem a boca com ela, porque falam dela Ă boca cheia. Todos, professores, sindicatos e ministĂ©rio, se excitam na altissonante apologia da educação. E, no entanto, nĂŁo me parece que haja, infelizmente, assim tantas razĂ”es para tal excitação. Desde logo, porque a educação de que todos falam e a que todos se rendem assenta no dogma perigoso e pouco entusiasmante de que a natureza humana Ă© originariamente mĂĄ â Ă© preciso torcĂȘ-la e forçå-la ao bom caminho. PorĂ©m, talvez fosse mais adequado e certamente mais reconfortante admitirmos inclinaçÔes e propensĂ”es, porque, ...
Read More »COISAS DO FACE
Surgiu hĂĄ algum tempo um estudo que dava conta de que um terço dos divĂłrcios sĂŁo artribuĂveis Ă influĂȘncia directa do facebook. Com toda a franqueza, eu suspeito que este estudo peque por defeito â deve ser bem mais elevada essa percentagem. E a pergunta irrompe directa como um soco: PorquĂȘ? Que terĂĄ o facebook de tĂŁo especial assim para provocar tanto desvario? Ora se a pergunta Ă© simples, jĂĄ o mesmo nĂŁo acontece com a resposta â que Ă© da natureza de qualquer resposta nĂŁo sĂȘ-lo. Que Ă© a novidade? Sim, claro, que todos nos recordamos de como o ...
Read More »O ABADE DE TRANCOSO
Toda a gente fala e barafusta de uma Ășnica coisa, do orçamento â Ă© o discurso dos aflitos, das sobras, depois de alguns se terem locupletado com o brinde do bolo. Depois de bem aviados, eles e os seus aliados, Ă mesa desse grande orçamento, vĂȘm agora, com ar comoventemente compungido, propor e defender um orçamento de mĂngua e de razia. Enfim, Ă© o clĂĄssico discurso da mĂĄ consciĂȘncia, num ritual fĂĄtuo de exorcização dos seus prĂłprios diabos. Como toda a gente grita e esperneia Ă conta dessas contas da aflição, da aflição de um sistema decrĂ©pito, falido, mas que ...
Read More »AUTĂPSIA DE UMA CRISE
Ela estĂĄ na boca de toda a gente â e a boca nĂŁo Ă©, como pensam alguns, a porta de entrada de tudo o que nos chega Ă cabeça, mas, antes, a porta de saĂda de tudo o que nela temos: escapa-se-nos pela boca o que nos aperta os miolos. A crise, que jĂĄ todos nos entendemos acerca da personagem, tem origem na palavra grega krisis que, por sua vez, deriva do verbo krino, o mesmo que origina a palavra crĂtica. E que significa esse verbo supostamente de tĂŁo mĂĄ reputação? Isto apenas: separar. A crĂtica Ă© o acto de ...
Read More »A TABUADA
A obsessĂŁo manĂaca pelo dĂ©fice jĂĄ se viu no que dĂĄ: cada vez estamos mais deficitĂĄrios. Ă, afinal, no que dĂĄ esta nossa provinciana fixação na estatĂstica: cada vez estamos mais longe do resto da Europa. Tanto que atĂ© os imigrantes de Leste, conhecidos pela boa boca, começaram jĂĄ hĂĄ bastante tempo a debandar. E se isto Ă© assim em tudo, Ă©-o particularmente na Educação. Mas, que diabo, o que importa Ă© ombrearmos com os demais nos indicadores. Temos um ratio de sucesso escolar muito baixo? Toca a passar o maior nĂșmero possĂvel de alunos, que, assim, nĂŁo tarda, teremos ...
Read More »OS ABUTRES
Este episĂłdio, apesar de ter ocorrido hĂĄ jĂĄ algum tempo, mantĂ©m, infelizmente, toda a sua crua actualidade. Com efeito e, como tantas vezes acontece, â diria que praticamente a toda a hora -, o noticiĂĄrio do meio-dia fornecia-me tema de vulto para corresponder Ă solicitação do artigo semanal: o da pouca conta em que nos temos. Naquele tom quase proclamatĂłrio, esse que em Portugal se considera o mais apropriado para anunciar as desgraças, a jornalista fazia-se ufanamente eco de um relatĂłrio baseado creio que num inquĂ©rito junto de vinte e tal mil pessoas e que concluĂra que, em Portugal, se ...
Read More »A LEI DE MURPHY
Toda a gente a evoca a torto e a direito, creio que, em muitos casos, na maioria talvez, mais por moda do que por convicção. Só que é uma moda muito perigosa. Antes do mais, em que consiste esta famosa lei da desgraça? Em postular que de entre um determinado leque de possibilidades serå sempre a pior delas a que acontecerå: «se alguma coisa pode correr mal com certeza que correrå». Mesmo descontando o facto de que para avaliar qual delas é a pior seria sempre necessårio recorrer a uma instùncia mais alargada e abrangente do que a pessoa situada ...
Read More »ELEIĂĂES SEGUNDO FREUD
Pena que o Variedades e o Maria VitĂłria sejam jĂĄ sĂł velhos resĂduos de uma saudosa memĂłria. Pena que o teatro de revista tenha perdido parte da sua clientela, talvez devido Ă ausĂȘncia do acicate do interdito, porque motivos e argumentos Ă© coisa que nĂŁo falta â talvez com um pequeno contra: sĂŁo demasiado bizarros e particularmente ridĂculos. Passar em revista estas autĂĄrquicas, por exemplo, constitui para qualquer amante de anedotas um exercĂcio particularmente fĂ©rtil e prazenteio â de gritos! Desde logo, aquele enternecedor cartaz em S.JoĂŁo da Madeira anunciando essa proeza da generosidade camarĂĄria, oferecendo âvaginasâ gratuitas â um ...
Read More »O CEMITĂRIO
Creio bem que uma das tarefas mais divertidas â e trĂĄgicas, tambĂ©m â a que um hermeneuta se pode entregar Ă© tentar decifrar uma certa classe de conceitos que o sempre inefĂĄvel orĂĄculo desta nossa moderna polĂtica se desdobra em apresentar em intĂ©rminas sessĂ”es de arte de nada dizer. SĂŁo apenas sopros de som (flatus vocis) em tudo semelhantes aos truques do prestidigitador do circo da Quarteira: o seu Ășnico objectivo e, mesmo assim, nem sempre conseguido, Ă© iludir o povĂŁo. SĂŁo pretensos conceitos que carregam em si o veneno da prĂłpria contradição, pois nada, por sua mediação, Ă© possĂvel ...
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