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J.Antunes de Sousa

CAIXA DE PANDORA

Confesso que não são poucas as vezes que dou comigo a matutar sobre o quão estranho é este povo, quase esquecido nesta nesga de terra que o mar caprichosamente parece ter poupado, um povo entretanto adormecido na imemorialidade de um tempo forte de conquista e, talvez por isso mesmo, mistura sincrética e exótica de restos de guerreiros e conquistadores, cocktail improvável de sangues e costumes – um povo que, assim, se constitui em curiosa singularidade cultural, porque, afinal, nele têm convivido e, de algum modo, continuam a conviver o rasgo, a ousadia, o destemor, por um lado, e uma pastosa ...

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ENSAIO SOBRE A LOUCURA

Uma das obras mais significativas de Karl Raymond Popper, um dos mais notáveis filósofos do século XX, é, como se sabe, “A Sociedade Aberta e Seus Inimigos”, que os tem – e muitos! E, de entre eles, um dos mais encarniçados e traiçoeiros esconde-se, sob a capa da prestação de um serviço público, por detrás do que sabemos ser o desígnio essencial da própria democracia – a abertura. Sim, que só há abertura quando são diversos e efectivos os instrumentos de comunicação. Esse inimigo tem, pois, o privilégio de sê-lo de forma ínvia e paradoxal, já que é da sua ...

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NINHO DE CUCOS

Todos ouvimos, vezes sem conta, o ditado que o nosso povo, na sua ancestral sabedoria, estabeleceu com desarmante pontaria: “mais depressa se apanha um mentiroso do que um coxo”. Porque a verdade é que não há pensamentos privados – e um pensamento condicionado e traído pela emoção da falsidade é como tal percebido por quem o recebe: hospitais e prisões estão cheios de mentirosos. Exactamente onde estão ou estiveram alguns políticos e onde deveriam estar bem mais! Eles enchem a boca, e é feio falar com a boca cheia, de princípios democráticos e depois deitam às malvas alguns dos mais ...

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O RASTILHO DA INFÂMIA

Nunca como nestes tempos em brasa foi tão fácil e impune atear fogo ao que resta deste flagelado país. Com os níveis de autoestima a queimar o vermelho, com o cutelo do algoz sobre a cabeça de tantos e tantos portugueses… sempre pronto a cortar, com tantos súbditos educados no respeitinho pelo Estado e, agora, ludibriados nas suas legítimas expectativas por esse mesmo Estado, sempre pronto a morder e a extorquir, a nossa gente caiu num torpor mole e apagado – sem a centelha que lhe alimente a esperança. O país caiu num rumor lamentoso e, perante o estertor de ...

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A PONTE DA CONCILIAÇÃO

Em 1994, Eric Hobsbawm, recentemente falecido, publicava a famosa obra “A Era dos Extremos”, pretendendo com tal título e com a propriedade possível caracterizar o século XX: foi, de facto, um século que, na sua primeira metade, após a trágica explosão de patológicas antinomias, explosão essa que fez dele «o século mais violento da história humana», no dizer do Nobel de Literatura de 1983, William Golding, se amparou, na segunda metade, no equilíbrio pelo terror da «mútua destruição» que, no plano geopolítico, implicou, por sua vez, a recíproca diabolização dos extremos, dos blocos em conflito e, entretanto, consolidados – os ...

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A BATALHA DOS ATOLEIROS

Em 1384, Dom Nuno Álvares Pereira, São Nuno de Santa Maria, não hesitou em enfrentar as numerosas forças invasoras, ao contrário do que acontece hoje, que não há quem dê um passo, apesar dos muitos atoleiros em que, aos poucos, nos vamos afundando: atoleiros temos que chegue – falta-nos é a batalha! Um deles, se calhar o mais obsceno: o BPN (Banco Português de Negócios, digo, de Nojo): ele é bem a metáfora trágica do lodaçal em que este decrépito regime se converteu. Perante a magnitude sísmica do rombo e perante a brutal evidência do saque, imaginem o que se ...

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A LANTERNA DE DIÓGENES

A julgar pelo alvoroço popular na praça Syntagma em Atenas, eu faço ideia as vezes que o episódio terá sido evocado – Diógenes de Sínope vagueando, em pleno dia, pelas ruas de Atenas de lanterna acesa em punho. E aos que, espantados, o interpelavam respondia invariavelmente: «procuro um homem», isto é, alguém com aspecto humano que o seja realmente. Àqueles que tão edificantemente se empenham em descortinar diferenças entre nós, portugueses, e os gregos, já uma vez lhes disse e, agora, repito, que diferentes só no modo como amochamos – um pouco menos ruído por cá. Mas ambos vergados à ...

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OS MODERNOS JUDAS

Há muito que se não via tamanho sobressalto, tão grande aflição em terras do Tio Sam. Creio que nem mesmo com o furacão Katrina que quase varria do mapa a cidade de Nova Orleães. Nem mesmo, se calhar, nos hediondos ataques às torres gêmeas. Nem sei mesmo se o trágico envolvimento no Vietname, por exemplo, para não falar dos atoleiros do Afeganistão ou Iraque terão provocado tantas insónias no Pentágono. E tudo por causa de dois rapazinhos com cara de meninos de coro. De repente, eis que o país que a si próprio arrogara a divina missão de guiar o ...

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MILAGRE!

Esse ó o nosso sonho último – que em nós se resolva em paz tudo aquilo que em luta nos dilacera a carne e nos atormenta a alma. É esse supremo exercício de unir o que é contrário e contraditório que a uns poucos, iluminados, exime da «quotidianidade enxovalhante» (Fernando Pessoa) e os eleva aos inefáveis cumes da intemporalidade. Como parece acontecer com este misterioso governo para o qual, e apesar dos seus insistentes dislates, não há quem logre uma alternativa válida. Não obstante ter estado, num curto espaço de um mês, por três vezes literalmente morto, uma delas até ...

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A MOÇÃO

Eduardo Lourenço, respeitado hermeneuta da alma nacional, foi particularmente certeiro ao classificar de “fragilidade ôntica” aquilo que mais imediatamente parece caracterizar este nosso estranho modo de ser – esta fácil disposição para sermos tudo aquilo que realmente não somos, numa espécie de exercício erótico de auto-ocultação, um travestismo em que gostosamente parecemos enredar-nos. E esta superficial, quase brincalhona, maneira de nos (des)ligarmos à vida e ao mundo torna-nos utentes perdulários da palavra – como se elas servissem para tudo e para nada: somos, por via disso, mais dados à tagarelice do que à reflexão. As palavras gastam-se-nos nesse uso irreflectido ...

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