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COISAS DO FACE

J.Antunes de Sousa

J.Antunes de Sousa

Surgiu há algum tempo um estudo que dava conta de que um terço dos divórcios são artribuíveis à influência directa do facebook. Com toda a franqueza, eu suspeito que este estudo peque por defeito – deve ser bem mais elevada essa percentagem. E a pergunta irrompe directa como um soco: Porquê? Que terá o facebook de tão especial assim para provocar tanto desvario?

Ora se a pergunta é simples, já o mesmo não acontece com a resposta – que é da natureza de qualquer resposta não sê-lo.

Que é a novidade? Sim, claro, que todos nos recordamos de como o último brinquedo nos punha a cabeça à roda. Mas não apenas isso, mesmo que já de si seja bastante. É que não é uma novidade qualquer : ele é uma passerele em que as pessoas se expõem e em que muitas delas, literalmente, se exibem – e, não raro, numa pose de erótica insinuação: a posição mais favorável, o melhor ângulo, o cenário mais sugestivo, etc. E isto porque todos os aderentes partem do mesmo ponto: a crença sincera na particular eficácia deste imenso espaço comunicacional. Nem, se calhar, o próprio Mark Zuckerberg imaginara tanto. E este é um estado de concordância colectiva  cujo efeito é difícil avaliar em toda sa sua extensão – mas é, sem dúvida, muito poderoso. Cada um sabe que, ali, lhe é muito mais fácil causar impressão e ter êxito nesse seu intuito, do que numa outra qualquer circunstância – porque, ali, todos estão mais predispostos a deixarem-se impressionar.

Mas há mais do que esse difuso inebriamento colectivo na mera função de comunicar – há uma espécie de estado erótico de secreta cumplicidade que, em graus diferentes embora, acaba por envolver quase toda a gente. Digamo-lo claramente e sem tibiezas: como todo o avanço tecnológico ou científico, o facebook tem a envolvê-lo uma invencível duplicidade – depende do uso que dele se faça: a fissão do núcleo do urânio permitiu o tratamento de doenças oncológicas, por exemplo, mas deu origem também à bomba atómica que tantas vitímas nipónicas causou e recentemente, em consequência do tsunami, ameaçou voltar a causar.  Assim, o facebook que tantos reencontros felizes tem propiciado e tantas ondas de solidariedade tem encorajado, e que para o derrube de ditadores tão avassaladoramente tem contribuído, é também uma plataforma de transgressividade, mais do que de transgressão – nesta rede social o mais decisivo parece ser a predisposição que as pessoas denotam para transgredir, como se, sob o efeito de um narcótico que lhes baixasse as defesas do tipo proibicionista, se lhes tornasse irresistível esse desejo  de espreitar o perfil do amigo recem-conquistado e, a partir daí, entregarem-se a um abrasador devaneio virtual até lhes não ser já possível parar. E este namoro virtual condiciona a realidade concreta de ambos – eles desempenham, durante o escasso tempo em que dura a chispa da novidade, o papel de mútuo encantamento para, assim, dar sequência e razão ao que o contacto virtual suscitara, até que a realidade, em toda a sua crueza, se lhes imponha e sobrevenha o desencanto e a separação. E eis como o facebook se pode converter numa placa giratória de desenganos e desencontros.

Talvez devido ao seu ínvio aceno ao desafio e à transgressão, o facebook vem-se revelando igualmente eficaz na divulgação vinculativa de mensagens de carácter político que, sob o efeito do contágio, estão a comandar massas imensas conduzidas por líderes emergentes, jovens e atrevidos, especialistas na arte de clicar. Já lhes chamam os “filhos do facebook”, como se por ele tivessem sido gerados – e, de alguma maneira, o foram.

São os novos heróis de uma estrondosa sublevação contra as amarras de ditadores, inefáveis e eloquentes na sua retórica de autojustificação, – foi assim na Tunísia, foi assim no Egipto, foi assim na Líbia, embora, aqui, com um preço muito mais elevado, em proporção com a obstinada convicção de predestinação pessoal de Muammar Kadhafi… e por aí fora. Não, não me esqueci da Síria, mas aqui temos um caso particularmente bicudo e problemático: as hordas ferozes e radicais espreitam o vazio pos-Bashar-al-Assad.

Que é, como dizem alguns, uma revolução pós-islâmica? Pode ser, mas recomendaria alguma prudência nessa avaliação – que as grandes transformações não se costumam gerar nas grandes praças, nem no largo do pelourinho, cenário clássico da vingança popular .

E que dizer da manifestação da “Geração à rasca”? Interessante como o impulso juvenil uniu todas as gerações no sentimento de aflição – como no ultimato! Mas o mais interessante de tudo foi ver como está à rasca a própria classe política que, por medo e pura esquizofrenia, ignorou tão volumosa manifestação. E bem sabemos que aquilo que mais tememos é aquilo que mais certo nos espera. Todos sabemos o que acontece à avestruz que esconde a cabeça na areia: é caçada!

Por: José Antunes de Sousa
“escreve sem o acordo ortográfico”

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