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CONVERGÊNCIA DAS LINHAS PARALELAS

Ernani Balsa

Ernani Balsa

O Presidente da República fez a sua prova de vida e falou! Para falar verdade, para além daquilo que terá sido mais óbvio, houve várias falas que se mostraram imperceptíveis. Podemos considerar que são nuances dum discurso político, que ele acha que não deve conter uma excessiva objectividade, porque a política está habituada ao uso do manto diáfano das imprecisões, quando não se quer comprometer totalmente com uma ideia que não interessa fazer passar como um facto ou algo de absoluto. Acontece que o Presidente da República, quando faz uma comunicação ao país, não o faz apenas para os políticos, deve fazê-lo para todos os portugueses e deve, portanto, ser tão preciso, esclarecedor e objectivo quanto possível.

Partindo deste pressuposto, quando ele, por um lado aponta para eleições antecipadas apenas para Junho de 2014, altura em que terminará o programa de assistência financeira, sem adiantar como vai ser governado o país até essa data, e por outro lado afirma que o actual governo está em plenitude de funções, que governo é esse?… Pior ainda, ao lançar o repto a um compromisso nacional entre os três partidos do chamado arco da governação, apoiando-se no facto de terem sido esses os partidos que assinaram o referido plano de assistência, deixa uma importante dúvida, ou seja, esse compromisso nacional tem apenas por fim manter em banho-maria a actual crispação política que ora se vive ou esse compromisso deve materializar-se num governo, que ele não quis apelidar de salvação nacional, integrando o PSD, o PS e o CDS?

Na realidade quase ninguém, entre comentadores, politólogos e portugueses em geral, consegue compreender como é que o país vai atravessar este período de um ano, sem a tal crispação política que até aqui se tem vivido, com um governo que não se sabe o que será. O governo continua a ser aquele resto de executivo que sobrou depois do abalo sísmico-político das demissões de Vítor Gaspar e de Paulo Portas ou avança a solução apresentada pelo ainda primeiro Ministro ao Presidente da República, em que Paulo Portas passa a Primeiro Ministro em exercício e Pedro Passos Coelho a Ministro sem pasta?…

Torna-se difícil entender todo o conteúdo e pensamento desta declaração ao país. Quando Cavaco Silva classifica o acordo de médio prazo, com vista a assegurar um compromisso para o governo saído das eleições antecipadas de Junho de 2014, como é que esse acordo pode ter alguma sustentação sem se saber qual o resultado dessas eleições? Será que o voto do povo já não conta ou, de certo modo, isto é uma maneira de condicionar os portugueses na sua escolha no exercício do direito de voto? Por outro lado, pondo de parte os outros partidos de esquerda nas manobras que hão-de envolver as negociações para este acordo, será que ele se demite da sua função de Presidente de todos os portugueses e passa a ser apenas a ser o Presidente daqueles que apoiam os partidos do chamado arco da governação? Este detalhe é de extrema importância para avaliarmos a concepção de democracia deste Presidente da República, No fundo, o que ele aponta é para uma suspensão, se não da democracia, pelo menos dos três partidos de esquerda com representação parlamentar, o PCP, o BE e os Verdes, que ele considera não pertencerem a esta solução. Assim, as previstas eleições antecipadas de Junho de 2014 só terão lugar entre o PSD, o PS e o CDS-PP, o que representa uma clara e inaceitável exclusão dos restantes partidos, condicionando mesmo o sentido de voto dos Portugueses, que assim poderão ser levados a ter de optar, quase que exclusivamente, entre os três partidos do arco da governação, com a presunção de que só assim o seu voto seria útil. Este autêntico golpe palaciano traz ainda o risco de uma abstenção gigantesca, por via de uma resposta impulsiva de muitos dos eleitores que, por um lado não se revêem neste triunvirato de centro direita e por outro, poderão considerar que o seu voto nos partidos da esquerda, afastados à partida de qualquer solução, seria um voto sem qualquer utilidade.

Mas, debrucemo-nos agora um pouco sobre o tal acordo para um compromisso de salvação nacional. Tendo em conta estes dois anos de governação, em que o PS foi recorrentemente afastado de qualquer compromisso com o governo e tendo ainda em consideração as inegáveis fracturas dentro do próprio executivo e o quase completo desprezo mútuo a que se votavam os líderes dos dois partidos da coligação, com Passos Coelho fechado na sua redoma de convencimento e arrogância, auto investido numa missão alucinante de salvador da Pátria e Paulo Portas, animal político por natureza e senhor de consideráveis capacidades estratégicas, mas ferido no seu orgulho pela falta de consideração de que sentia alvo, alguém acredita num possível acordo em que todos os três se entendam, ainda por cima tendo como objectivo um governo que só sairá das urnas daqui a um ano?…

É este o cenário que a superior figura do Presidente da República, depois de todos ouvir e de exigir ao Primeiro Ministro a reformulação duma primeira solução avançada, vem apresentar ao país, qual mágico de Belém, deixando o próprio Passos Coelho humilhado e sem tapete e sacando da cartola uma solução que mais se assemelha a uma consolidação mirabolante do caos político, social e económico. A promessa de um onírico compromisso, de final feliz, qual sonho de convergência de três linhas paralelas que quando (nunca) se encontrarem, hão-de convergir numa não-solução, num-não país teoricamente ingovernável…

Por: Ernani Balsa
“escreve sem o acordo ortográfico”

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