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DEPRESSÃO REACTIVA – O BECO SITIADO

Nuno Gonçalves

Nuno Gonçalves

A depressão é uma doença que afecta quem esgotou os seus recursos para lidar com as suas próprias circunstâncias.

A gravidade da depressão pode ir da depressão ligeira à depressão maior. Intencionalmente não me pronunciarei sobre a depressão endógena que é o nível mais grave com que esta doença se pode manifestar, dadas as suas características ficarem fora do âmbito do apontamento de hoje.

Uma pessoa pode viver anos com uma depressão de baixa intensidade sem se aperceber da natureza da perturbação, podendo até considerar que é de uma natureza melancólica ou triste. A natureza da afecção pode ser percebida apenas quando circunstâncias mais exigentes se apresentam à pessoa.

A emergência de uma depressão média pode ser reconhecida por um estado de prostração com grave prejuízo da motivação e pela ocorrência de outros sintomas que o clínico reconhece e utiliza para identificar a perturbação e o seu grau de manifestação.

A depressão major pode manifestar-se de forma mais violenta e originar mesmo a necessidade de recurso às urgências para controle imediato do surto e encaminhamento clínico.

O breve apontamento de hoje não pretende detalhar a depressão na sua etio-patogenia.

São diversos os factores susceptíveis de desencadear uma depressão e a sua identificação costuma ser uma das maiores angústias do deprimido. Não perceber como deprimiu e desconhecer a causa, contribuem para aumentar a carga de angústia com que a depressão é vivida.

Se o desconhecimento é a norma há porém um tipo de depressão em que a razão que desencadeia e mantém a depressão e esse tipo é designado por depressão reactiva.

O leque de circunstâncias que podem desencadear ou conduzir a uma depressão reactiva é vasto.

A depressão reactiva, na forma como se manifesta, não difere de qualquer outra depressão dado que não deixa de ser uma perturbação depressiva.

As consequências podem ser igualmente devastadoras e uma depressão reactiva intensa e de curso longo é passível de deixar sequelas psicológicas e físicas permanentes com a mesma gravidade de uma depressão com curso equivalente.

O factor que varia é que nesta é possível identificar os agentes que actuam e contribuem para a actividade e permanência da perturbação.

Sabendo-se de antemão que cerca de 80% das perturbações psicológicas são desencadeadas (atente-se que ser desencadeada é diferente de ter origem dado que a natureza da perturbação é, na sua significativa maioria prévia às circunstâncias que a activam) no ambiente laboral não será de estranhar que se algumas das descompensações se relacionam com variáveis que dependem das condições em que se desempenham as tarefas ou da natureza da actividade, outras há que dependem directamente do tipo de relação que se estabelece com as pessoas com quem se trabalha e da sujeição a uma hierarquia que colmata a sua inadequação para o cargo recorrendo a comportamentos excessivos que colocam a pessoa dirigida numa situação de desamparo e sem recursos para corrigir uma relação de trabalho desigual.

A paleta de circunstâncias cobre desde a insegurança no desempenho de funções de chefia até às práticas de violência psicológica, mais vulgarmente do tipo assédio moral ou bullying.

O acompanhamento de pessoas com queixas de depressão com génese em relações de trabalho erradas exige que se procure um conhecimento dos potenciais da pessoa de modo a identificar quais os recursos de que dispõem para resistir e ultrapassar as agressões a que está diariamente sujeito e a lutar contra o risco de descontrole sob a forma de um comportamento susceptível de procedimento disciplinar.

O medo, a humilhação, o desrespeito estão presentes no dia-a-dia destas pessoas.

A agonia a que a pessoa está sujeita agrava-se com frequência com a reacção de amigos e familiares que questionam quanto à efectividade das circunstâncias vividas pela pessoa e nalguns casos chegando a atribuir-lhe a responsabilidade pela situação que está a viver.

As condições laborais actuais, a instabilidade da economia e outros factores que reduzem a sensação de segurança no posto de trabalho, a tentativa de obter a resignação voluntária do trabalhador recorrendo à coacção e outras estratégias agressivas, aumentaram o número de pessoas que deprimem como resultado da degradação das relações de trabalho.

Atendendo que estas depressões resultam da acção de pessoas de quem o doente depende laboralmente, quanto maior foi o período de sujeição ao assédio moral, maiores são as probabilidades de a pessoa manifestar perturbação psicológica e esta pode ser tanto mais grave quanto mais a pessoa se sentir encurralada e impossibilitada de escapar à agressão.

Uma sujeição longa conduzirá às doenças psicossomáticas que, em depressões reactivas longas, pode conduzir ao risco de vida por doença orgânica.

A taxa de comportamentos aditivos é maior nas pessoas com depressão reactiva que incrementa o tabagismo, o alcoolismo e o recurso a substâncias psicoactivas.

A dificuldade no diagnóstico correcto das doenças psicossomáticas obsta a que o fulcro da doença seja detectado em tempo útil. Os tratamentos falham e esgotam-se as soluções terapêuticas pois o que se combate na doença aparentemente física são os sintomas e sinais do mal-estar psicológico.

Na depressão reactiva de curso longo é frequente encontrarem-se quadros clínicos já instalados, às vezes irreversíveis e graves.

O prognóstico das depressões reactivas depende da personalidade base do doente, da intensidade das variáveis que actuam sobre a pessoa, do agente a que a pessoa está exposta (que, sendo outra pessoa, intensifica os factores em presença como o medo, a ansiedade, os sentimentos de impotência) das circunstâncias e da intensidade a que está sujeito.

Psicológica e fisicamente a reversão do quadro e a recuperação da saúde estão comprometidos dado ser frequente já se verificarem perturbação psicológica e doenças crónicas. A intervenção psicológica é importante na aquisição de estratégias protectoras e na melhoria da higiene de vida promovendo a melhoria do sono, a prática de uma alimentação equilibrada, a prática de exercício, a ocupação com hobbies, entre outros tipos de intervenções.

Sendo a depressão reactiva, por definição, uma depressão que depende da presença ou sujeição a um agente que interfere voluntária e intencionalmente com o doente reagindo este com a instalação de um quadro depressivo, a eliminação deste ou a paragem na exposição ao mesmo resulta num alívio significativo e na reversão da evolução da perturbação.

A pessoa com depressão reactiva acompanhada desde o início da perturbação apresenta perspectivas mais favoráveis de recuperar com poucas ou mesmo nenhumas sequelas da doença, seja ao nível da auto-estima e amor-próprio, seja ao nível das recidivas da depressão e das manifestações psicossomáticas que a afectaram.

O acompanhamento psicológico e a identificação da perturbação são importantes para assegurar as melhores condições de resistência e de superação.

Quando as condições laborais o permitam e estando esgotadas outras formas de controle da agressão psicológica a mudança de actividade, de equipa, de local podem ser uma boa medida para suspender e ultrapassar a crise. Nestes casos o prognóstico pode ser muito favorável.

Não sendo possível evitar o contacto e a sujeição hierárquica com o agressor e a mudança de trabalho não sendo equacionável o acompanhamento psicológico é uma necessidade pela forma como pode acompanhar a pessoa e reforçar as suas capacidades para lidar com as circunstâncias adversas da forma mais adequada e com o menor grau de perturbação.

Por: Nuno Gonçalves
“escreve sem o acordo ortográfico”

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