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DEPRESSÕES DE TRAZER POR CASA OU O JET LAZER

BREVE APONTAMENTO DOS HUMORES DE CÃO POR HIPERSÓNIA

Nuno Gonçalves

Quem não conhece uma pessoa que seja que, apresentando uma saúde pétrea, das que não enferrujam, à sexta-feira, surge na segunda-feira qual cadáver, arrastando-se quase a mendigar oxigénio, com impulsos suicidários, enfim, como se o mundo fosse acabar, sem vontade nem energia, sensação de respiração insuficiente, cefaleias telúricas em que qualquer suave vibração provoca ondas sonoras de violência sísmica?

Este humor com que muitos começam a semana, humor disfórico, corolário sintomatológico da depressão tende a recuperar espontaneamente ao longo da semana. A sua sucessão contínua é susceptível de gerar um estado de fadiga permanente, com um gradual aumento da dificuldade em agir e movimentar até a um ponto em que a pessoa desiste de combater esse estado de prostração, essa incapacidade de fazer, de agir, de querer e se entrega à ruína.

Este tipo de humor disfórico, depressivo, responde muito positivamente às terapias médicas que prescrevem estabilizadores de humor e indutores de sono. As melhorias ocorrem muito frequentemente em cerca de uma, duas semanas no máximo. Esta recuperação é tanto mais fascinante quando se sabe que os efeitos da medicação psicoactiva só se manifestam quando são atingidos os níveis séricos, ou seja um determinado nível do princípio activo na corrente sanguínea, o que demora umas semanas.

A adesão ao esquema terapêutico exige, entre outras coisas, a suspensão de quaisquer bebidas alcoólicas, uma higiene de sono que carece do respeito por algumas rotinas simples mas essenciais, como deitar a horas que permitam uma noite de sono completa, preparar a hora de deitar com pelo menos meia hora de antecedência e mais uns detalhes que podem ser personalizados.

Respeitadas estas rotinas o milagre volta a acontecer. Aparte os efeitos ligeiramente tranquilizantes das substâncias ingeridas, tudo o resto segue bem. Até porque o estado físico e psicológico anterior era bem menos suportável que esta paz interior que a medicação contribui para alcançarmos.

Esta recuperação, vista ao pormenor resulta do apelo da pessoa que se sente mal, miserável, triste, sem ânimo e sem energias e da sua adesão voluntária a um esquema terapêutico que contempla ingestão de fármacos, recuperação da prática de uma alimentação equilibrada, regresso a uma higiene de sono.

A rapidez dos ganhos resulta frequentemente da interrupção de práticas que condenavam a pessoa a um estado geral de perturbação e desequilíbrio.

Vejamos então.

Actualmente dispomos de recursos tecnológicos que facilitam a superação da noite ou o seu uso recreativo. Para os mais diligentes existem os equipamentos multimédia, computadores, leitores de diversos suportes de imagem, televisão por cabo com emissão ininterrupta. Esta disponibilidade e oferta de conteúdos resulta frequentemente no atraso do momento do início do sono e no encurtamento das noites e consequente diminuição das horas de sono. Esta situação é recorrente e para atestá-la basta recordar os comentários de programas que são exibidos tardiamente e observar o “frescor” com as pessoas iniciam os dias de trabalho. Esta é uma das situações frequentes e que contribuem para o humor miserável de segunda-feira.

Outra situação, com raízes bem mais antigas resulta do apelo da noite, da diversão, da vida nocturna.

As noites em que se entra e sai com luz do dia são momentos inesquecíveis que preenchem todo o espectro de vivências sociais, desde a interminável conversa, passando pelas jantaradas e pelos consumos de álcool e tabaco que mesmo que não sejam exagerados ultrapassam o habitual consumo individual, até aos enlaces românticos que contraem absurdamente o tempo que se escoa célere e inapercebido. Há quem só reserve a sexta-feira para frequentar a noite mas há quem já não resista na quinta-feira, a sujeitar-se a enfrentar com fadiga a sexta que se aproxima e abalançar-se a um sábado que se prefigura igualmente tentador.

Ambos os cenários, que deixo ao cuidado do leitor corrigir ou ajustar às realidades que conhece, produzem o mesmo resultado: o repouso insuficiente.

Os problemas de fadiga e humor disfórico ocorrem com frequência quando a pessoa decide regularizar as suas necessidades de repouso permitindo-se sonos longos de compensação.

Procurar recuperar o total de horas semanais de sono numa única noite, ou mesmo em duas, não considera a natureza do sono e dos seus ciclos.

Ao longo do sono e conforme a idade, existem padrões estáveis de sono. Estes padrões ajustam-se ao tempo médio de sono da pessoa. Neste período médio, ocorrem vários ciclos de sono que percorrem todo o espectro, desde o sono mais ligeiro ao sono mais profundo. Destes ciclos, o de sono mais profundo é também o mais longo.

Durante o período de sono mais profundo há uma moderação da respiração e do ritmo cardíaco, funções fisiológicas essenciais para o bom funcionamento do organismo. Cada ciclo completo de sono tem uma duração maior que o ciclo anterior e neste o período de sono profundo é o mais longo. Acontece que o prolongamento da duração de sono aumenta resultando no aumento dos ciclos de sono em particular do período de sono profundo que além de se alonga mais no tempo sendo acompanhado por um menor desempenho cardio-respiratório, redução do número de batidas cardíacas, da frequência de respiração e da redução do volume das inspirações.

Resultado, o que se pretende que seja a solução para restauro e eliminação da fadiga recuperando o tempo de sono perdido conduz a um sono que quanto mais longo for maior risco de défice respiratório e circulatório acarreta. A disponibilidade de oxigénio diminuída produz no organismo um estado de hipoxia (níveis de oxigénio, no organismo, inferiores aos necessários).

O aumento de dióxido de carbono na circulação sanguínea, pela redução da sua eliminação por via da menor eficácia circulatória e pela dificuldade do organismo em obter oxigénio dado a respiração ser mais superficial traduz-se em fadiga física, dores de cabeça e na coorte de sintomas psicológicos que, todos juntos, facilmente levam o próprio a concluir que algo de mal se passa consigo, confundindo com doença o que não passa de um protesto legítimo de um organismo que é levado a situações extremas.

Para colmatar ou eliminar este jet lag da televisão e multimédia e dos ritmos de vida intensos e frequentes que desafiam o organismo para lá dos limites físicos sensatos há que repensar e reajustar os ritmos de vida e estar atento às alterações pois elas procuram avisar-nos que está na altura de adoptar ritmos de vida mais conformes aos limiares de resposta que o nosso corpo está em condições de dar.

Alterações há rotina são bem-vindas e até têm o efeito tonificante da novidade e da mudança de registo.

Porém temos de ter a sensibilidade para perceber quando as alterações ou excepções se tornaram rotinas pois para recuperarmos a nossa saúde mental e o vigor físico pode bastar tão-somente cumprir as necessidades de sono e de alimentação equilibrada.

Lembre-se quando acordar miserável pelas 16h de um domingo perdido, a tentar recuperar as dívidas à cama, que está na altura de analisar quais são os aspectos da sua higiene de vida que devem ser ajustados para que esse peso insustentável e um ânimo de rastos sejam rapidamente repostos nos níveis funcionais.

Por: Nuno Gonçalves
“escreve sem o acordo ortográfico”

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