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DO PÚBLICO E DO PRIVADO

C.F.C.

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A filosofia grega entendia o homem como um ser essencialmente social. O homem é um produto da sociedade e só aí encontrava a sua humanidade, realizando-se como tal. Esta ideia está bem espelhada na célebre afirmação de Aristóteles quando afirmava que  “O Homem é um animal político”. Desta forma, os gregos desvalorizavam por completo a vida privada.

Uma das mais importantes contribuições dos romanos para o direito e a para a política, foi terem desenvolvido o conceito de direito privado que regulava os direitos das famílias, da propriedade privada, dos contratos e testamentos entre os membros da sociedade romana.

Estabeleceram deste modo, uma distinção entre:
– Domínio Público: no que diz respeito ao Estado;
– Domínio Privado: no que diz respeito à vida das famílias e dos indivíduos e só estes têm competências para intervir.

Esta distinção  foi desenvolvida ao longo da Idade Moderna, quando os estados modernos se começaram a afirmar na Europa, ou seja, adquire uma enorme importância a partir do século XVII.

No século XVIII, com o Iluminismo, o sentido de esfera pública ampliou-se, vindo-se a consolidar com as revoluções americana e francesa, com a institucionalização de certos direitos políticos e civis e com a constituição do sistema judiciário para mediar os conflitos.

No fundo, o Iluminismo veio tentar o equilíbrio entre o público e o privado, apesar de não existir  em toda a sua plenitude uma noção de espaço privado, mas sim, de espaço público, definido como um espaço de cultura criado pelos homens, ficando o espaço privado destinado à componente família como parte da condição humana e do estado natureza.

Contra as interferências dos Estados na vida dos cidadãos, vários filósofos defenderam claras delimitações entre o que é do domínio público e aquilo que é do domínio privado, com especial destaque para John Locke.

O domínio público é tudo aquilo que afecte directamente outros cidadãos. O domínio privado é, no fundo, a matéria de consciência de cada um, como por ex.; as crenças religiosas, mas também, aquilo que decorra fora do olhar dos restantes cidadãos e não tenha para os mesmos qualquer implicação.

No domínio público, os cidadãos começam também a construir o seu próprio espaço distinto daquele que está sob a alçada do Estado. Trata-se de um espaço onde são debatidas as questões públicas e se vai formando uma Opinião Pública capaz de influenciar as decisões que são tomadas pelos Estados.

Os debates nas praças públicas e nos cafés, mas também, os que ocorriam nos jornais, tiveram assim, um papel fundamental na criação de um espaço público democrático, intermediário no processo relacional entre a sociedade e o Estado. Foi neles que surgiram os movimentos políticos que impulsionaram as grandes revoluções democráticas que desde o início do século XVIII, foram alterando progressivamente os regimes na Europa e no mundo.

A grande actividade no espaço público no século XVIII foi substituída, no século seguinte, pela emergência da sociedade do espectáculo, da especulação e do consumo, onde o cidadão começa a ter uma postura de mero espectador de cariz passivo em que, a personalidade passou a diferenciar os indivíduos entre si, desenvolvendo-se a performance do eu, exigindo um maior auto-controlo na vida social, uma repressão de sentimentos e de emoções.

O espaço deixado na esfera pública pelo cidadão, aliás empurrado dali para fora, começa a ser ocupado por interesses privados protagonizados pelas grandes corporações, vindo as funções do Estado a expandirem-se no domínio privado. Jurgen Habermas define este período como a “refeudalização” da esfera pública.

No século XX, assistiu-se a um progressivo e contínuo desinteresse dos cidadãos pelo espaço público; esta situação levou ao surgimento do declínio da democracia no Estado e no bem-estar social.

As razões deste fenómeno são múltiplas, entre elas:
1.    A massificação das nossas sociedades, onde os cidadãos são tratados como meros consumidores, bombardeados continuamente por uma publicidade manipuladora das consciências.
2.    O debate público foi substituído por simulacros de debates criados pelas rádios e pelas televisões, onde personagens escolhidas em função de interesses ocultos são apresentadas como representantes das várias correntes de opinião que existem numa dada sociedade;
3.    O apuramento de consensos através de debates públicos foi substituído por sondagens à opinião pública;
4.    A participação dos cidadãos na esfera pública foi drasticamente limitada às épocas eleitorais. A intervenção do cidadão é totalmente controlada pelas máquinas partidárias.

O resultado de tudo isto foi a consolidação do progressivo afastamento dos cidadãos da esfera pública e da intervenção cívica.

Parece-nos que urge trazer fisicamente o cidadão para a reconstrução de um novo cenário no espaço público, porque, na verdade, assistimos actualmente ao surgimento de novos ambientes cibernéticos. De qualquer forma, neste meio de comunicação e informação, os cidadãos de todo o mundo estão a descobrir também novas formas de debaterem as questões públicas locais ou globais e, já foi demonstrado que são capazes de formar importantes correntes de opinião, acabando por intervir de uma forma eficaz na esfera pública, mas, onde a questão física do tocar, do abraçar direccionadas ao aquecimento da máquina na hora da contagem das espingardas é secundarizada ou esquecida, mas é a charneira para a congregação dos interesses na construção do espírito de grupo, seja qual for o lugar da barricada em que se posicionem.

Por: Carlos Fernandes de Carvalho
“escreve sem o acordo ortográfico”

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