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ELEIÇÕES SEGUNDO FREUD

J. Antunes de Sousa

J. Antunes de Sousa

Pena que o Variedades e o Maria Vitória sejam já só velhos resíduos de uma saudosa memória. Pena que o teatro de revista tenha perdido parte da sua clientela, talvez devido à ausência do acicate do interdito, porque motivos e argumentos é coisa que não falta – talvez com um pequeno contra: são demasiado bizarros e particularmente ridículos.

Passar em revista estas autárquicas, por exemplo, constitui para qualquer amante de anedotas um exercício particularmente fértil e prazenteio – de gritos!

Desde logo, aquele enternecedor cartaz em S.João da Madeira anunciando essa proeza da generosidade camarária, oferecendo “vaginas” gratuitas – um verdadeiro erro de simpatia: desde logo porque é simpático oferecer algo que, apesar de as estatísticas apontarem para a sua profusão, continua com grande saída e, depois, porque o mais certo é que o erro tenha correspondido a um qualquer desejo recalcado.

Sim, Freud foi também protagonista nestas eleições com aquela situação incestuosa de casamento entre duas pessoas da mesma família, da mulher que ganha a junta de freguesia de Ferreira de Aves, Sátão, para a devolver ao marido, entretanto impedido pela limitação de mandatos, mas hábil e tacticamente colocado em segundo lugar em tão libidinosas listas.

Ou, como explicar senão à luz do conceito freudiano da “pulsão da morte” aquela luta tribal em Vila Nova de Gaia entre dois homens autoproclamados epígonos do patriarca Menezes e que se apresentaram a sufrágio com esse único e grandioso desígnio: ver quem perdia por menos? E o candidato socialista que, de outra maneira se eternizaria num apagado departamento da Câmara viu-se, assim, sentado à força na cadeira presidencial: com as obras de Freud na mão, sobretudo a sua tese de 1920 sobre “ A Introdução Geral à Psicanálise”. Tem obrigação de a ler, que nela encontrará os motivos principais para tão súbita e imprevista glória!

Para rematar este quadro anedótico de Gaia só faltava mesmo a heróica solidão do “ninja” que, alardeando músculo e agilidade, próprias de quem se diz mestre de artes marciais, veio dar um colorido de S. João ao que se antevia como um funeral da maioria fratricida.

E o mesmo conceito do famoso judeu de Viena parece ter presidido à luta entre confrades no populoso concelho de Sintra, não que o seja muito a vetusta e encantadora vila, mas que o é o concelho à custa do formigueiro de Massamá, Cacém, Rinchoa, Mem Martins, entre outros, e com o acrescento de alguns munícipes sazonais na prisão da Carregueira… Mas em Sintra há uma nuance de circense contorcionismo: Marco Almeida, segundo de Seara, imitando talvez a sua hipotética avó, Dona Brites de Almeida (a padeira de Aljubarrota), desata à espadeirada e avança sozinho, ao arrepio do directório do partido, que entretanto mobilizara um pinto para uma luta de galos, mas sem nunca poder receber o apoio explícito do seu mentor que, precisava, por sua vez, de não afrontar o partido para que este lhe não faltasse no alento de que necessitava para a sua exótica mania de se mudar para Lisboa, para a Praça do Município: uma monumental trapalhada que redundou numa renhida mas saborosa vitória de um verdadeiro milagreiro, Basílio, de seu nome, hábil, como ninguém, na difícil arte de conciliar os contrários.

Em Lisboa e no Porto aconteceu a mesma coisa: nada de original no Porto, como o não foi em Lisboa. Na capital imperou a lógica clássica da vitória de quem tem o poder, de quem se instalou, de quem, fazendo jus ao nome, se encostou…alegadamente à obra que o Marquês e o Terreiro do Paço podem exibir. No Porto, não podendo concorrer quem iria ganhar, ganhou quem não podia concorrer, ainda que por interposta pessoa: os votos que ao Rui Moreira o confirmaram na vitória deveram-se a dois factores, para além do mérito pessoal que é inegável: o implícito, mas inequívoco apoio de Rio e o apoio desafiante de figuras históricas da cidade do Porto, num afloramento vagamente caciquista. Para sermos justos, temos que reconhecer quem ganhou as eleições no Porto: Rui Rio Moreira! E por “este rio acima” vai ele preparando-se para desaguar noutros mares…

Já volto a estes dois casos, que é chegado o momento de intervalo, de descontracção – para desopilar. Não tenho a certeza, mas parece-me que há um programa de apanhados ou coisa do género na televisão cujo título é “Só visto!” – como o que aconteceu com o Vistas em Oeiras! Bem vistas as coisas, em O(lh)eiras, o padrinho lá daquela gente de migalhas e de chicote, sentado na sua cadeira de presidiário na Carregueira, manipulando um invisível mas real cordel, pôs a marioneta a gritar exaltadamente o seu nome e a fazer eternas juras de gratidão e fidelidade.

Aqui já não chega Freud para explicar esta espantosa fixação popular num demagogo: talvez precisemos também da ajuda de Gustave Le Bon, de Gabriel Tarde, de Musafer Sherif e certamente de muitos estudiosos dos fenómenos de massas. Com uma garantia: como fenómeno que é, ele é certamente de curta duração.

Se no Porto ganhou um escondido por detrás de outrem, aqui, neste Entroncamento da política nacional, ganhou um preso… por detrás e apesar do Vistas! Este apalhaçado duplo em filme de terror só tem um programa para o sucesso: Isaltino preso por muitos anos! Com umas saídas precárias pelo meio, claro, para não acontecer o que acontece a todos estes heróis de trazer-por-casa: ser rapidamente esquecido!

E volto ao Porto e a Lisboa só para uma coisa: dizer-vos que me pareceu muito bem a derrota de Menezes e de Seara: “Deus escreve direito por linhas tortas”. Eles não tinham nada que se meter onde não eram chamados, forçando o espírito da lei e…, está claro, “quem tudo quer tudo perde!”

Eles têm, de uma vez por todas, que aprender que parar também faz parte do caminho: só assim se chega ao destino! E que, na política, a ética é mais importante do que a astúcia, a virtude mais do que a «virtù» e que o Evangelho de Jesus Cristo muito mais do que o “Príncipe” de Maquiavel.

Por: José Antunes de Sousa
“escreve sem o acordo ortográfico”

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