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ESPAÇO… DE INTERLÚDIO…

Hernani Balsa

Ernani Balsa

Sinto-me cansado dos tempos que se vivem. Sinto-me zangado com a raiva que me assalta. Com o constante apelo ao protesto, à crítica contundente, porque as agressões que sofremos, também são elas contundentes e cruéis, à desconstrução da nossa normalidade e direito à vida e ao confronto inevitável com formas de ocupação do nosso espaço de liberdade, que tanto significado teve na sua construção, dia a dia, nas últimas décadas da nossa vida, que pensámos renovada. Não sinto vontade de levar esta revolta a níveis de insistência que acabem por ofuscar o essencial e o essencial é a grave crise que hoje se vive no país, mas respeitando a clarividência de reconhecer que a maior crise é o governo que temos e não tanto a pressão daqueles que genericamente se dão a conhecer como os credores, ou noutra linguagem, os mercados.

A obrigação de um governo patriota era assumir que existem problemas com a dívida, mas essencialmente resistir, negociar e fazer valer a impossibilidade de se admitir que a solução está em destruir o país com a cura que, hipocritamente nos receitam e que para além do perigo de criação duma dependência sem fim, agrava cada vez mais a doença de que padecemos.

Por isso, hoje decidi enveredar por aquilo com que a nossa televisão dos primórdios da RTP, nos presenteava de cada vez que nada mais tinham para ocupar os tempos mortos da programação. Os interlúdios eram assim uma breve pausa, que nos permitia dar atenção a outras coisas e mesmo reatar conversas que tinham ficado pendentes, sabendo que dentro de pouco tempo a programação retomaria o seu curso normal. A televisão continuava dentro de momentos e nós descansávamos uns breves minutos. Aqui, também julgo benéfico respirarmos um pouco e conversar sobre outros assuntos, para não sufocarmos de raiva e nos afogarmos num mar de contestações sem fim.

Um espaço é uma dimensão que nos permite projectar o nosso pensamento, criar a nossa ideia de vida, sabendo que ele confina com os limites dos outros e com todo o conjunto de nós e desses mesmos outros. Um espaço é também o conjunto de todos os espaços, um aglomerado infinito de minúsculos grupos ou de imensos conjuntos, que agrupam espaços com características e conceitos comuns. Mas é essencialmente o mundo de cada um de nós, que pode subsistir isolado ou reunido em vontades e anseios que se identificam entre si. Assim se vão definindo os espaços colectivos ou sectoriais ou, por outro lado, se vão isolando os espaços daqueles que se revêem num niilismo incontido ou num egocentrismo sem horizontes, que reduzem a dimensão do seu espaço ao seu próprio universo unipessoal

Falar de espaços é falar de múltiplas dimensões e opções da vida. O conceito mais imediato, sob um prisma materialista, leva-nos à arquitectura, propriamente dita, mas cedo verificamos que ele tem tudo a ver com opções e se aplica a grande parte das nossas vidas, mesmo até porque a disciplina de organizar as estruturas edificadas no espaço urbano ou noutro, tem tudo a ver com as opções das pessoas e estas com os conceitos de espaços e de como eles devem sempre responder às necessidades e anseios de cada um e de todos no seu conjunto.

O espaço é um conceito em si vazio e no entanto repleto de opções e de variantes infinitas, que, no entanto, as pessoas desvalorizam enquanto factor determinante na organização das suas vidas. O espaço material, físico e cartesiano determina e obriga à nossa organização no espaço social que nos envolve. Mas o espaço temporal está também intimamente ligado às opções que se tomam para a ocupação do espaço disponível, para que as nossas vidas em sociedade se possam organizar da melhor maneira e constituam um equilíbrio entre as nossas mais prementes necessidades de acolhimento e o modo como a satisfação dessas necessidades se articula com o espaço envolvente que nos propomos ocupar.

O espaço social é aquele que envolve a inevitabilidade de vivermos em sociedade, em conjunto e em mínima sintonia com as vontades e exigências de cada um, enquanto cidadãos. Há espaço que se extingue e espaço que sobra, e desse equilíbrio terá de se escolher o espaço útil que respeita as opções de cada um e o respeito pelo que se acredita ser o direito de todos. Será aqui que entram as opções, e estas são um factor determinante na forma de ocupar o espaço e até na forma de simplesmente não o ocupar, ousando respeitá-lo apenas como uma dimensão do vazio, que é a sua forma mais pura. A compatibilidade entre o espaço e as opções do seu preenchimento e também do seu uso, é o exercício mais difícil, mas também o mais desafiador e gratificante que se nos pode pôr. É o exercício da ousadia, da criatividade e do sonho.

Mas falar de espaço pode levar-nos ainda a outras dimensões, não menos importantes, da convivência em sociedade, seja ela urbana ou não, ou mesmo de isolamento assumido por opção. A dimensão do espaço enquanto silêncio é também, e inevitavelmente, uma opção a considerar. O silêncio, à imagem do espaço na sua versão mais pura, transporta-nos também para o conceito de vazio, de não preenchimento e de ausência de qualquer coisa. O espaço do silêncio assume-se assim tão importante como qualquer outro, porque a ocupação desse vazio se pode fazer pelo próprio vazio duma ausência de dimensão, que acaba assim por adquirir o significado duma opção.

Na realidade, tomando como infinito o espaço, são infinitas as suas formas, as opções de o preencher e mesmo as ousadias para o reinventar. O espaço, como as opções, está intimamente ligado à pessoa humana, ao cidadão, à sua disponibilidade quase obrigatória para viver em comunidade e a incomensurabilidade da sua dimensão deixa-nos espaço ao sonho e à infinita criatividade de que todos podemos e devemos fazer uso.

O equilíbrio das nossas opções nos diversos espaços disponíveis, traduz bem a medida da nossa infinita capacidade de conjugar o real com o irreal e mesmo assim sobrar ainda espaço para o sonho.

Infelizmente, nos dias de hoje, sobra mais espaço para a revolta e a incompreensão, a arrogância e a inevitabilidade do que para o respeito e discernimento na aplicação de fórmulas que apenas tendem a criar o vácuo no espaço comum e mesmo no reduto que cada um de nós tem o direito de preservar como reserva da sua própria identidade… O espaço que se esvazia por má gestão, há-de voltar a ser preenchido quando a razão reconquistar o espaço da incompetência e da cegueira…

Por: Ernani Balsa
“escreve sem o acordo ortográfico”

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