O estudo publicado na revista âMarine Pollution Bulletinâ aponta a necessidade da criação de uma metodologia universal para estimar a bioacessibilidade do mercĂșrio (Hg), um metal pesado tĂłxico, em alimentos presentes na dieta mediterrĂąnica, mais especificamente em espĂ©cies de peixe e marisco, e destaca a importĂąncia da integração de medidas de bioacessibilidade nas normas de segurança alimentar.
A bioacessibilidade traduz-se no que o organismo humano pode absorver a partir dos alimentos que ingerimos e Ă© um instrumento particularmente relevante para determinar quais os valores mĂĄximos de contaminantes que podem ser consumidos ao longo da vida sem risco para a saĂșde. Em concentraçÔes muito baixas, o mercĂșrio nĂŁo representa perigo para a saĂșde humana, mas a sua acumulação a longo prazo pode ter efeitos prejudiciais.
Este estudo, liderado por Filipe Costa, do Centro de Ecologia Funcional da Faculdade de CiĂȘncias e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC), avaliou a fração de mercĂșrio bioacessĂvel em peixes e mariscos presentes na dieta mediterrĂąnica, designadamente peixe-espada-preto, atum, espadarte, tubarĂŁo azul, salmĂŁo e tainha; mexilhĂŁo e amĂȘijoa.
A escolha das espĂ©cies foi baseada nos principais peixes e mariscos consumidos no sul da Europa e incluiu espĂ©cies capturadas no oceano (peixe-espada-preto, atum, espadarte e tubarĂŁo azul), espĂ©cies de aquacultura (salmĂŁo e mexilhĂ”es) e espĂ©cies estuarinas (tainha e amĂȘijoas). Para avaliar o nĂvel de bioacessibilidade das espĂ©cies em estudo, a equipa, que integra tambĂ©m Pedro Coelho e ClĂĄudia Mieiro, da Universidade de Aveiro (UA), recorreu a trĂȘs formas distintas de extração in vitro, que «simulam em laboratĂłrio o efeito da saliva, suco gĂĄstrico e da bĂlis durante o processo de digestĂŁo», explica Filipe Costa, referindo que, no caso do peixe-espada-preto, foram ainda utilizados trĂȘs diferentes mĂ©todos de confeção: cozer, fritar e grelhar, para avaliar o impacto dos processos culinĂĄrios na bioacessibilidade do mercĂșrio.
O estudo conclui que a estimativa da bioacessibilidade do mercĂșrio no peixe e marisco depende do mĂ©todo aplicado, jĂĄ que cada mĂ©todo de extração apresentou resultados diferentes, o que, para o investigador da FCTUC, «salienta a falta de uma metodologia universal para estimar a bioacessibilidade do mercĂșrio (Hg) nessas matrizes. As fraçÔes de Hg bioacessĂveis variavam entre 10% e quase 90% do mercĂșrio total (T-Hg) e aumentaram nas espĂ©cies consideradas predadoras (espadarte, tubarĂŁo azul e atum). Entre os trĂȘs mĂ©todos de extração testados, o MĂ©todo Unificado de Bioacessibilidade (UBM) forneceu a estimativa mais elevada de bioacessibilidade de Hg para os consumidores».
No que respeita aos mĂ©todos de confeção utilizados, «todos eles reduziram consideravelmente a fração de Hg bioacessĂvel», ou seja, observou-se uma «diminuição no teor deste contaminante», avança Filipe Costa, esclarecendo que, de uma forma geral, os resultados do estudo indicam que o «Hg bioacessĂvel encontrado nestas espĂ©cies de peixe e marisco, especialmente apĂłs a confeção, estĂĄ muito abaixo dos nĂveis estabelecidos pela legislação atual de avaliação de risco de segurança. Estes resultados destacam a importĂąncia da integração de medidas de bioacessibilidade na legislação de segurança alimentar».
A legislação de segurança alimentar atual apenas considera a concentração total de contaminantes em peixes e mariscos, nĂŁo tendo em conta a bioacessibilidade contaminante durante o processo de digestĂŁo nem o efeito dos modos de confeção na solubilização digestiva do contaminante. O artigo cientĂfico pode ser consultado em: https://doi.org/10.1016/j.marpolbul.2022.113736.