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Um povo que, apesar de tudo, não quer chegar ao ponto de se suicidar como país...

Evitar o suicído de um país…

É voz corrente dizer-se que Portugal é um país ingovernável. Esta afirmação ganha força, geralmente, após eleições que nos apresentam números pouco expressivos e que reforçam a existência de um chamado bloco central sem grande robustez política, que apenas reflecte uma sede insaciável de poder.

Esta sede de poder traduz-se numa quase completa ausência de qualidade política, num estéril projecto de arte da governação em prol da qualidade de vida dos portugueses, porque assenta quase exclusivamente em obscuros jogos de interesses, que se aproveitam do poder em abstracto, para um verdadeiro assalto a oportunidades de negociatas que redundam em chorudas vantagens no presente ou no futuro, já depois de os responsáveis abandonarem o governo. A questão está pois, não na política em si, mas nas pessoas que a exercem. Daí ser melhor e mais objectivo dizer-se que Portugal tem políticos sem capacidades de governação, mas com muito talento na arte de se governarem a eles próprios, aos parceiros e amigos.

Nestas circunstâncias, os números destas últimas eleições, mesmo que europeias, reflectem muito bem a ínfima diferença entre todos os partidos do arco da governação. Não é a política que os divide, mas sim o combate que eles travam, entre uns e outros, pelo monopólio dos instrumentos do poder, do Estado e da República, para engrandecerem o seu património e a sua influência nos negócios colaterais à condução dos negócios do Estado. Mas se isto é por demais evidente, há também que reflectir sobre a razão que leva os eleitores a votar quase equitativamente nos sub-blocos deste poder, ou seja, na coligação actualmente no poder e no principal partido da oposição. Esta ausência de diferenciação entre os resultados destas forças partidárias tem a ver com uma inegável acomodação do eleitorado e numa ausência de coragem para enfrentar o risco de outras opções, como se não existissem mais partidos no espectro eleitoral, dentro ou fora do Parlamento. As pessoas continuam a acreditar, mesmo que com muito cepticismo, que fora do actual desenho do Parlamento, não existem alternativas credíveis. É como se, mesmo reconhecendo que os actuais partidos do poder os enganam, eles não tenham confiança suficiente nas outras forças partidárias ou sentissem um incompreensível preconceito em arriscar em novas formas de fazer política e de governar o país.

Muitas destas pessoas já têm a consciência que nada de novo nem de melhor virá deste marasmo governativo, que assenta numa alternância sem alternativas, mas mesmo assim, sentem-se prisioneiras deste status quo e recusam experimentar o desconhecido. É como se, continuando a viver nas masmorras da incompetência e da corrupção generalizada, sentissem o pavor de respirarem outra atmosfera que não conhecem. Como se fora da prisão não houvesse condições de se recuperar a liberdade que cada vez menos usufruem nas condições actuais. Tal como os prisioneiros de longa duração, que cumprida a pena pelos seus crimes, sentem uma inexplicável fobia pela liberdade a que já se desabituaram e preferem manter-se reclusos da sua própria inadaptação ao mundo livre. Assim, estas pessoas perdem-se numa escadaria em caracol, sem fim nem princípio, incapazes de procurar as saídas que existirão nos patamares de cada reflexão, mas elas sentem medos, hesitações, desconfianças, acabando por chegarem ao cimo da escada, constantando que afinal já estão outra vez no princípio, com as suas opções barradas por uma enorme desorientação. Mesmo sabendo que não saem deste labirinto, acabam por repetir vezes sem conta o caminho percorrido. Lamentam-se, é certo. Protestam, como nunca tinham protestado… mas não ousam escolher outra direcção.

Nestas circunstâncias, este situacionismo e esta prostração não podem levar a nada melhor daquilo que actualmente se vive e o facto de estarmos integrados numa União Europeia, que é uma das maiores responsáveis pelo mal que sofremos, agudiza ainda mais o nosso futuro e estreita inexoravelmente o caminho de saída desta crise. Os resultados eleitorais a nível europeu dão-nos bem a noção daquilo que se pode esperar no futuro. O descalabro das políticas europeias, empurradas pelos ínvios manipuladores de um capitalismo selvagem e de um neoliberalismo sem alma e sem qualquer sentido de humanismo, estão a encurralar a Europa numa teia de extremismos perigosos e totalmente contrários às bases inspiradoras de uma Europa social e solidária, valores que sempre estiveram na génese do projecto traçado pelos seus fundadores. Ou recuperamos esses valores e conseguimos fazer renascer uma Europa saudável ou então, melhor será prepararmos o abandono do barco antes do naufrágio total. O tempo, a consciência e o sentido de sobrevivência urgem e todos temos o dever de reflectir sobre esta realidade.

Recuperando aqui o cenário de um livro de um autor português, Pedro Sena-Lino, editado no Verão do passado ano, que tem por título “Despaís”, o cenário imaginado leva-nos a uma profunda reflexão que não devemos nem podemos recusar. Em desespero total e sem que os políticos tenham tido a capacidade de salvarem o país, o povo é levado ao extremo apocalíptico de ter de responder a um referendo que acaba por determinar a dissolução do Estado Português. O que se segue, só a imaginação poderá retratar, mas é bom que estejamos conscientes de que, no pântano em que nos temos vindo a tornar, nada sabemos sobre o futuro… Principalmente quando não nos consciencializamos sobre o presente que todos os dias nos atola com novas derrotas de esperança.

Continuo a acreditar que a esperança é a última tábua de salvação, mas essa esperança tem de se construir com a realidade, com os olhos bem abertos e sem medos de encararmos que é de uma guerra que se trata. Uma guerra pela sobrevivência. Uma guerra contra aqueles que não hesitam em nos amachucar e derrotar, salvaguardando apenas a força do nosso trabalho, que lhes é indispensável. A esperança só resiste e só serve se por detrás dela estiver uma inequívoca resiliência sem limites. Uma determinação que não pode recuar perante o torpe das manobras intimidatórias e divisionistas daqueles que nos querem condicionar a um povo sereno e pejorativamente humilde. Um povo obediente. Um povo submisso e pobre. Definitivamente pobre e sem ânimo nem raiva para reagir. Um povo que, apesar de tudo, não quer chegar ao ponto de se suicidar como país…

Por: Ernani Balsa
“escreve sem acordo ortográfico”

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É voz corrente dizer-se que Portugal é um país ingovernável. Esta afirmação ganha força, geralmente, após eleições que nos apresentam números pouco expressivos e que reforçam a existência de um chamado bloco central sem grande robustez política, que apenas reflecte uma sede insaciável de poder. Esta sede de poder traduz-se numa quase completa ausência de qualidade política, num estéril projecto de arte da governação em prol da qualidade de vida dos portugueses, porque assenta quase exclusivamente em obscuros jogos de interesses, que se aproveitam do poder em abstracto, para um verdadeiro assalto a oportunidades de negociatas que redundam em chorudas…

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