Home » ZZZ Autores » Ernani Balsa » GOVERNAÇÃO PELO ABSURDO

GOVERNAÇÃO PELO ABSURDO

Ernani Balsa

Ernani Balsa

Quando não se sabe como fazer, inventa-se e dentro desse exercício de vanguarda na arte de bem (mal) governar, não há opção que não possa ser posta em prática, tendo como principal objectivo, travestir qualquer forma lógica ou acertada de exercer o governo da nação e transformar esse desiderato numa outra inusitada e estrambólica forma de governar – a governação pelo recurso ao absurdo. Tudo, para dissimular as insuficiências e as inabilidades de um executivo, que já nada controla nem nada tem para justificar os votos em que assentou a sua legitimidade.

O “Governo de Portugal”, como agora se passou a auto-intitular, numa redundância bacoca e provinciana, com direito a bandeirinha na lapela, não vão as pessoas pensar que eles são, por exemplo, alemães, já nos tinha habituado a, recorrentemente, não respeitar a letra da Constituição, tentando fazer passar leis que se vieram a declarar inconstitucionais, dando portanto a ideia de que há coisas que figuram no texto constitucional, as quais o governo, por com elas não concordar, considera que podem ser ignoradas e mesmo contrariadas, como se a Constituição fosse apenas um rascunho, do qual se podem apagar artigos e conceitos, conforme as conveniências da linha governativa que querem levar a cabo. Esta manobra executada em dois anos seguidos, já prenunciava uma original e inqualificável falta de respeito pela lei fundamental da Nação. Mas o governo não receia este tipo de contrariedades, porque elas representam apenas, escolhos traiçoeiramente levantados, quer pela oposição, quer pelo Tribunal Constitucional, para lhe dificultar a vida. A elevada tenacidade e perseverança, contudo, de que este executivo está imbuído, transmite-lhe a confiança de que, água mole em pedra dura, tanto há-de correr, que o país se verá obrigado a respeitar e obedecer à sua sanha de se fazer cumprir, não a legalidade, mas sim a inevitabilidade da inconsistência das leis incómodas.

Simplificando, este inovador modo de governar demonstra que não interessa o que está escrito na Constituição, mas sim aquilo que o governo gostaria que estivesse escrito ou simplesmente que nem sequer escrito estivesse. É a governação pela omissão constitucional.

É certo que as coisas não lhes têm corrido muito de feição por esta via, mas a fé que os guia, na perseguição dos objectivos que, sabe-se lá, também a Nossa Senhora de Fátima, por interferência pessoal da mulher do Presidente da República, lhes apontou como sendo os únicos que resultariam para a salvação da Pátria, incutiu-lhes uma rara e desenfreada força, tão cega quanto anímica, que nada os faz parar, nem sequer para olhar para os restos do país que para trás vão ficando e da imprevisibilidade da sua reconstrução. Em frente, que é caminho!…

Chegados a mais uma avaliação do “programa de resgate”, a sétima, para ser mais preciso, havia ali umas coisitas que era preciso tratar com originalidade e espírito inovador, por via duma birra do Ministro Paulo Portas. Era a questão da tão falada “contribuição” de solidariedade para os pensionistas, que o Gaspar do Excel quer transformar em taxa para ficar…Com a fronteira proclamada por Paulo Portas, em emotiva e solene transmissão televisiva, como é que o governo ia resolver aquele impasse!?… Ora, Passos Coelho, que antes contava com o Relvas para estes passes de mágica de transformar uma verdadeira aldrabice em expectativas promissoras para o futuro do país, não teve outra alternativa, senão recorrer ao tipo de solução, mais ou menos já testada, e que vai dando resultado, baralhar e voltar a dar o jogo aos parceiros.

Então, vamos lá a ver, como a “troika” exige que a taxa figure na lista de medidas a serem tomadas em 2014, pensou o Primeiro-ministro, vamos incluir a taxa no texto final. Assim a “troika” fica satisfeita e tu, Portas, também, porque, aqui para nós, a taxa só lá figura para lhes agradar. Quer dizer, como aquilo só lá está para ser levado em conta, se não houver outra alternativa, podes sossegar os pensionistas, que aquilo não é para aplicar. Por outro lado, a “troika” não se zanga connosco porque até sabe que o mais provável é mesmo nós termos que lançar a taxa, e nesse caso, só tens que explicar aos grisalhos que há coisas que são inevitáveis, porque quem manda, são eles…

Depois de todo este exercício de alta governação, percebe-se agora a noção que este governo tem da lei fundamental do país. As normas que lá estão, não são para cumprir. Estão lá apenas para poderem ser cumpridas e poderem não ser cumpridas. Uma dupla importância, pois, de que nenhum constitucionalista ainda se tinha lembrado. Assim, como agora, o texto do programa saído desta sétima avaliação. Se o problema consiste numa norma que o governo quer que se cumpra, mas ao mesmo tempo também quer que se não cumpra, então insere-se a norma e até se diz textualmente que ela pode não ser cumprida. Mas como entre o pode e o não pode, vai apenas um acto de poder, para ela ser cumprida, basta a Passos Coelho dizer na altura certa, que aquilo que era para não ser, passou inevitavelmente a ser…

Resulta de tudo isto, que de acordo com este novo paradigma de governação, nada, mas mesmo nada, tem um valor absoluto. A letra da lei pode servir para o seu verdadeiro propósito ou para o contrário. Pode até ser lida como espaço em branco e mais ainda, onde nada está escrito, tudo pode estar escrito, desde que sirva os intentos do governo. É a governação por via do anti-absoluto.

Ou melhor ainda, a governação pela via do absoluto absurdo!…

Por: Ernani Balsa

(escreve sem acordo ortográfico)

Partilhe:

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *

*

*

Comment moderation is enabled. Your comment may take some time to appear.

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.