Toda a gente a evoca a torto e a direito, creio que, em muitos casos, na maioria talvez, mais por moda do que por convicção. Só que é uma moda muito perigosa.
Antes do mais, em que consiste esta famosa lei da desgraça? Em postular que de entre um determinado leque de possibilidades será sempre a pior delas a que acontecerá: «se alguma coisa pode correr mal com certeza que correrá». Mesmo descontando o facto de que para avaliar qual delas é a pior seria sempre necessário recorrer a uma instância mais alargada e abrangente do que a pessoa situada que como tal a qualifica, a verdade é que a uma tal lei está subjacente a crença generalizada e generalizável de que o azar está no centro da própria realidade – uma espécie de pessimismo cosmológico! O azar seria o piloto incontrolável das nossas vidas…
Mas esta lei, enunciada por um major e engenheiro da Força Aérea americana, Edward Murphy de seu nome, aquando duma experiência para testar o índice de tolerância humana à aceleração da gravidade, e que, naquela circunstância, parece ter querido traduzir apenas a sua decepção irritada perante o renitente fiasco, rapidamente se tornou num slogan de ressonância mundial (facto a que não terá sido alheio o golpe publicitário do colega John Stapp), ficando conhecido como “lei de Murphy”, justamente.
E porquê, perguntar-se-á. Que elementos assim tão impressivos contém uma tal sentença que tenha entrado tão imediata e solidamente no “inconsciente colectivo”?
É que uma tal lei tem o condão de nos aligeirar a carga – ela oferece-nos a desculpa irrefutável e soberana para as nossas omissões e para os nossos fracassos: «isto correu mal porque tinha que correr, por mais que me tivesse esforçado para o evitar». E, deste modo, nos confiamos, cantando e rindo, no regaço de um providencial determinismo, ardiloso e conspirativo – sempre à espreita para nos tramar.
Basta passar os olhos por algumas versões adaptadas da referida lei, tais como “se você perceber que uma coisa pode dar errada de quatro maneiras e conseguir despistá-las, uma quinta surgirá do nada”, ou “sempre que se menciona alguma coisa, se é boa, acaba; se é má, acontece” para nos aquilatarmos do que está realmente em causa: espreita-nos sempre o pior, façamos nós o que façamos – é também um pessimismo ontológico e, consequentemente, um pessimismo existencial, numa espécie de glosa à americana do «absurdo», agitado até ao esgotamento por Jean-Paul Sartre.
Mas para que uma coisa seja susceptível de acontecer tem que previamente ser real no pensamento que uma tal possibilidade equaciona e verbaliza: só há probabilidades porque há uma consciência humana que as concebe. E é de uma dessas probabilidades que vos quero falar, uma probabilidade anunciada pela pessoa que mais devia evitar um tal anúncio. Porque feito por ela, torna-se numa profecia inelutável. Nome do profeta? É uma profetisa: Christine Lagarde, de seu nome.
Do alto do seu púlpito mundial e com uma candura à medida da sua incomensurável inconsciência, ela, qual pitonisa de Delfos, alertou, aqui há uns tempos, para o «real perigo de acontecer uma recessão ao nível mundial» (sic). E já se sabe o que é que todos esperamos – que se cumpra, uma vez mais, a lei de Murphy.
Porque, meus amigos, não é o facto de uma tal eventualidade trágica ser uma teórica possibilidade que aqui está em causa, mas o facto de isso ter sido consciencializado e verbalizado, ainda por cima com o êmbolo de contágio adicional de uma tal afirmação ter a suportá-la o argumento de autoridade, pois quem melhor colocada para vaticinar a desgraça da recessão do que a Directora Geral do Fundo Monetário Internacional?
Que eu, ao reproduzir a sua declaração, estou a ajudar a que se cumpra a lei? Que a pessoa a quem me dirijo jamais lerá este meu artigo? Tudo verdade.
Mas o meu objectivo não é propriamente gritar ao ouvido da Senhora Lagarde, mas, é antes, alertar para uma coisa essencial e decisiva: quem faz a lei cumprir-se não é nenhuma entidade luciferina, caprichosa e malvada, mas tão-só a atitude de cada um. Cabe a cada um de nós fazer com que a lei de Murphy falhe. A nossa relação com esta famosa lei do fiasco é inversamente proporcional: será tanto mais desacreditada quanto mais decididamente tomarmos nas mãos a rédea do nosso destino.
Porque, se acreditarmos na dita senhora,…(não, não digo para não alimentar a alegada infalibilidade da famigerada lei!).
Por: José Antunes de Sousa
“escreve sem o acordo ortográfico”