Considero LUÍS ATHOUGUIA na sua essência complexa, um notável SURREALISTA. Mergulha nos princípios básicos desta escola, do modernismo internacional, seguindo os critérios filosóficos literários (1924 de André Breton) em que a psicanálise não fora descurada, assentando em dois pilares construtivos, um a do automatismo criador das (suas) experiências criadoras, outro a do mundo do sonho, a do mundo imaginário, em que na sequência das sua obras, a (sua) pintura automática evidência o afastamento ou mesmo eliminação de qualquer controle da razão ou do pensamento libertando assim os impulsos criadores que habitam o subconsciente.
Relembro “Freud, na sua psicanálise, e Bergson, na sua filosofia, tinham sublinhado a importância relativamente secundária do pensamento sensível, racional e consciente, em relação às riquezas escondidas nas profundezas da alma.”
Quererá LUIS ATHOUGUIA, no seu surrealismo “provocar a erupção dessa vida secreta, alcançar o «maravilhoso» ausente da vida consciente” ?
Quadro curioso e apelativo, classificado na sua iconografia de “Apocalipse ou Revelação – Capítulo IV”, Fig.-1, associa a conjugação do consciente e do subconsciente, do real e do onírico.
Interpreto, o sentimento do autor numa inteligente alegoria à vida, não esquecendo a sua forma inicial, (óvulo ou ovo), forçando e imprimindo nesse esferóide elíptico uma carga interior intensa (carga genética), configurando tudo o que se possa imaginar neste planeta, da atmosfera gasosa, ao estado líquido como na mitologia grega o fogo na senda de Vulcano, ( erupções em regurgitações de humanóides virtuais). Curioso se torna na complementaridade desta obra, o sentido da fecundação não ao acaso, a sucessão de figuras bípedes, todas portadoras de estandartes, embora só uma, a polar superior de maiores dimensões e firmada num figurante ortostático erecto portador da victória – o tal espermatozóide glorioso, penetrante no óvulo, agora fecundado, seguindo o triunfo da espermatenogénese.
LUÍS ATHOUGUIA, além do seu Surrealismo próprio, afirma-se na utilização de “certos símbolos que constituem uma certa linguagem hieroglífica em que os sinais adquirem um sentido preciso pelas relações que estabelecem entre si. Em suma o Surrealismo é o resultado contemporâneo da arte fantástica”.
Há quem designe esta última tendência como “Surrealismo não figurativo” e exponente marcante, Joan Miró. ATHOUGUIA, inspira-se e na sua expressão de algumas visões “caleidoscópicas” compondo: “imagens descontínuas e irracionais que são como sonhos luminosos e visionários, onde o mundo parece sem densidade, opacidade ou peso físico. As cores são espantosas pelo seu brilho e irrealidade. As formas são vivas e, contudo, não representam a natureza. É um mundo de fantasmas familiares, e é por isso que um crítico contemporâneo lhe chamou «sobrenatural».”
Será pois, aqui, na sua fiel corrente a Chagall que ATHOUGUIA se demarca nas suas cores, próprias, bem conseguidas num tingimento regular e homogéneo, harmonioso, comparado à difracção básica dos raios luminosos pela acção prismática, sabendo conjugá-las, na filosofia precursora dos jovens pintores “nabis” capitaneados por
Murice Denis, Pierre Bonard, Vuillard e Roussel. Será que a corrente ironicamente designada por “Fauves”(Feras), “interpretação muito livre da natureza, ao gosto pelo apontamento espontâneo em vez da perspectiva para criar a profundidade, e principalmente devido às suas cores violentas”, terão lugar no sentimento deste pintor ?
ATHOUGUIA não esquece e, revela numa integração fitomórfica perfeita, natural e selvática numa simbiose a dissociação das formas em figuras geométricas, feita por análise intelectual, sendo aliás estas figuras fragmentadas pelo jogo das linhas e dos planos. Estamos pois em sintonia com o “Cubismo Analítico”, que Pablo Picasso focou nas suas imagens mentais ou conceptuais do real.
“Apocalipse ou Revelação – Capítulo III” – Fig.-2; “Apocalipse ou Revelação – Capítulo V” – Fig.-3; são exemplos marcantes em que, triângulos escalenos, simples ou integrados, em flâmulas, estandartes ou pseudo-cristas, integram-se igualmente na composição máxima dos livros sapiênciais, em rectângulos convergentes, aludindo a obras escritas abertas, em que, a lombada pertencente ao universo negro do quadro, dando lugar à vida vegetal, explicitamente marcada no ramo de oliveira, não descurando o firmamento de sete estrelas interactivas, não faltando, uma possível fonte de luz, numa lua cheia branca homogénea.
Interpreto a obra “Apocalipse ou Revelação – Capítulo II”, Fig.-4, um forte expressionismo abstracto na qual, à primeira essência espiritual da expressão, seria dada espontânea e intuitivamente por meio de cores e de composições de elevado poder emotivo, numa temática, de Kandinsky e de Paul Klee, «actividade do espírito», em que o artista deve criar «em si próprio a partir das suas emoções, da sua percepção espiritual e do seu poder imaginativo interior».
“As linhas e os planos, muitas vezes transparentes, inclinados, justapostos ou imbricados, dão todos os aspectos dum objecto de que o artista se lembra no momento em que pinta.”
LUÍS ATHOUGUIA, na sua obra “Apocalipse ou Revelação – Capítulo I” – Fig.-5, confunde-nos com a implantação alfabética grega “Alfa e Beta”, condicionando a sua vertente de um cubismo analítico para um “Cubismo Sintético”, como “Braque e Picasso (cerca de 1911) começam a introduzir nas suas pinturas letras e números para que pareçam menos abstractos”.
Sem dúvida consideramos LUÍS ATHOUGUIA, na Escola do Modernismo Português, um valor da geração presente, não esquecendo grandes vultos antecedentes como: Amadeo de Souza-Cardoso, Eduardo Viana, Almada Negreiros, Santa-Rita, Maria Helena Vieira da Silva, Paula Rego, Luís Pinto-Coelho, Júlio Pomar, Manuel Gargaleiro, João Manuel Navarro Hogan, Carlos Botelho, Artur Bual, Mário Cesariny de Vasconcelos, Nadir Afonso, Nikias Skapinakis, Jaime Silva, Edmundo Cruz ou Acácio Malhador.
Como referência a este artista e amigo transcrevo que: “a representação já não é um fim em si, e que para eles os problemas essenciais são, de maneira racional ou não, os problemas da forma, da composição, da matéria ou do conteúdo psicológico. Ligados ou não a escolas bem determinadas, exprimem o seu universo com um máximo de individualismo, contribuindo assim – por vezes com experiências ocasionais – para um indubitável enriquecimento certo da arte, e propondo que a criação artística seja considerada de maneira completamente nova”.
José Manuel Martins Ferreira Coelho
(MD; PhD; FACS; HE; KL-J)