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“MASSA À BOLONHESA”

J. Antunes de Sousa

Anda para aí tudo, outra vez, numa roda-viva – professores, alunos, pais, ministros, ministério, universidades. E, bem vistas as coisas, tudo por causa de Bolonha. Que é preciso acertar o passo com o futuro – uma aposta na ciência e tecnologia, na mobilidade e na empregabilidade.

Mas que é isso de Bolonha, afinal? Claro que pretende ser muita coisa, mas o que é, no fundo, é uma metáfora da própria Europa. Os seus governantes, observando a caldeirada que tudo isto é, acharam que essa variedade estava a entravar a marcha triunfal de uma Europa que não havia meio de conseguir meter o pé direito na carruagem da História. E, então, que fizeram eles, reunidos à mesa na capital europeia da massa (spaghetti)? O que sempre fazem nestas circunstâncias: lançaram um olhar augado e deslumbrado para o país do ketchup, que leva o nome de Heinz, mas que, ironicamente, é hoje propriedade de uma portuguesa, Teresa, de seu nome, e acordaram em que o que era preciso era mesmo uma receita simples, pronta a servir e que desse algum sabor às coisas – e aí o segredo da sua popularidade, que é isso o que verdadeiramente interessa.

Decretaram, então, que a “massa à bolonhesa” é que é bom – não apenas para os italianos, mas para todos os europeus, mesmo para aqueles que preferem “paella” ou sardinhas assadas. E massa porquê? Porque massifica: nunca houve, como agora, tantos a saber tão pouco. E nunca houve tantos que, sabendo tão pouco, julgassem saber tanto, o que é o máximo da massificação da estupidez – tantos que não reconhecem que armar ao sabichão constitui a mais supina manifestação de ignorância. Sim, porque o que Bolonha traz no ventre é a consagração da mediocridade, coisa, em qualquer caso, irrelevante, desde que, com ela, as estatísticas da frequência do ensino superior e do emprego no espaço europeu estabilizem num patamar aceitável.

Bem vistas as coisas, tudo se resume à pragmática lógica da salsicha: entra-se numa ponta do tubo como massa informe e sai-se, na outra, ao fim, como massa formada (ou formatada?) – e com selo de qualidade e tudo, como convém neste mercado globalizado. O ketchup americano inspirou a massa de Bolonha, que passou a servir-se empacotada à vasta clientela europeia que, pressurosa, acorreu, em festa, ao engodo publicitário – alguns, mais espertos, carregando um lustroso saco de créditos!

Mas, olhem, que nós, portugueses, de Bolonha já tivemos a nossa conta, uma dose de desgraça que, por pouco, não nos fazia enjoar o destino – o nosso “Bolonhês” que tivemos que retirar à pressa do “tacho” em que imprevidentemente o metêramos. Esta história, aliás, todos os nossos miúdos do 4º ano a conhecem.

Num tom mais sério, que é mesmo séria a coisa: os povos não medram aplicando-se-lhes a medida da rasoira, dando-se-lhes a papa à mão, mas permitindo-se-lhes ar e espaço para poderem criar.

Que tudo isto é para favorecer a circulação de competências – dizem-nos. Bela intenção, sem dúvida, desde que fossem reais essas competências. Mas, admitindo que sim, por que razão teremos que circular todos na mesma estrada? É uma circulação pretensiosa, além do perigo óbvio de engarrafamento: todos, à viva força, a circular de “Mercedes”. Mas tenho para mim que o que seria realmente bom é que cada um pudesse escolher, além da estrada, o seu meio de transporte – uns de “Porshe” outros de burro, que é a diversidade que une e a criatividade que enriquece. Cada um ao seu jeito e pelos seus atalhos.

Que esta “massa à bolonhesa”, feita com base na receita do ketchup ainda se nos vai tornar perigosamente indigesta, disso ninguém duvide, como o denota o ar de enjoo do ministro Relvas. E oxalá que, nesse vómito provocado pelo tédio letal da indiferenciação, não nos vá, agarrada, a própria alma – a língua e a cultura. Isto é realmente uma ma(ç)ada!

Pelo sim e pelo não, eu, cá por mim, continuo a preferir um bom “cozido á portuguesa”.

Por: José Antunes de Sousa
“escreve sem acordo ortográfico”

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