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Memória selectiva…

Confrontaram-me aqui há dias com o facto de que a minha colaboração aqui neste espaço andava bastante irregular. Pensei… pensei no assunto e cheguei à conclusão de que não me lembro nada de ter aqui escrito alguma coisa, alguma vez. Compreenderão que coisas que poderão ter já acontecido são difíceis de ser lembradas, pois se eu nem me lembro do que está para acontecer… A memória é uma coisa muito traiçoeira, se bem que, por vezes, extremamente conveniente, principalmente quando se esvazia em períodos que nos podem trazer dissabores.

Esta fixação de que temos que nos recordar de todos os passos da nossa vida é totalmente castradora da nossa liberdade mental. Há coisas de que me lembro muito bem, por exemplo, se eu tivesse ganho umas eleições que me tivessem guindado a um lugar de projecção e grande responsabilidade, isso seria algo de que me recordaria sempre, mais não fosse para fazer uso desse facto como um ponto alto da minha carreira. Este tipo de coisas ficam-nos indelevelmente na memória, para uso futuro e embelezamento do nosso ego. Agora se me perguntarem se essa nomeação foi fruto de promessas que eu terei feito durante a campanha que a tal lugar me levou, isso já não me lembro. O importante é a gente lembrar-se dos factos em si e não dos instrumentos que contribuíram para que uma ambição se transformasse em facto consumado. O povo preocupa-se demasiado com pormenores e não sabe reconhecer a sorte que tem em ter na sua vanguarda pessoas que não se preocupam em guardar memórias mesquinhas, de promessas e números que depois não contribuem em nada para a glória do nosso desempenho.

Outra coisa que, depois de muito pensar, acabei por concluir, é que também não me lembro nada… mas mesmo nada, se assinei algum termo de exclusividade com esta publicação. Que raio de questões esdrúxulas que me põem!… Vão perguntar isso à redacção deste jornal, eles é que devem de saber isso… Claro que se o facto de ter assinado qualquer coisa nesse género, me trouxer, mesmo mais tarde, alguma vantagem ou benefício, ir-me-ei lembrar pela certa, mas cada coisa a seu tempo. Que ideia bizarra de que temos de nos lembrar de cada passo da nossa vida, principalmente se essa memória nos for inoportuna e incómoda. A memória é um instrumento que só deve ser utilizado se produzir a nossa melhoria de vida e nunca o constrangimento de termos de nos confrontar com coisas que, pela sua inconveniência, nos possam trazer dissabores.

E para terminar este meu exercício sobre a utilidade ou inutilidade da memória, deixem-me também assegurar-vos que, caso mais tarde me confrontem com a dúvida se ganhei ou não alguma coisa com esta minha contribuição aqui no jornal, não que eu me lembre de alguma vez ter aqui dado qualquer contribuição, como já afirmei, só vos posso dizer que nada recebi, até porque nada declarei e se ficarem surpreendidos com o facto de eu contribuir sem ser pago, pois perguntar-vos-ei se sabem o que significa “pro bono”… É que uma latinice fica sempre bem e desvia as atenções do essencial…

Já não me lembro bem qual o tema que abordei nas linhas anteriores, mas veio-me agora à memória que a memória selectiva é uma coisa que pode acontecer a qualquer um. Lembrem-se sempre disso!…

Ernani Balsa
“escreve sem acordo ortográfico”

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One comment

  1. Brilhante análise psicológica sobre o mecanismo da memória. Mas, afinal, quem não se lembra de que é assim mesmo?

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