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NÃO NOS ILUDAMOS…

Ernani Balsa

Ernani Balsa

E se um país insano e masoquista (desculpe Sr. Presidente, mas eu comecei a escrever isto antes do senhor chamar masoquistas aos Portugueses…) entregasse a maioria dos votos nas autárquicas ao PSD?…

Isso seria o quê, uma vitória nacional ou local, repartida aos bocadinhos pelas inúmeras Juntas de Freguesia?… Estou já a imaginar o nosso primeiro, numa daquelas intervenções com ar de professor primário, entre o paciente e o zangado com a falta de conhecimento dos jovens alunos, a elucidar os incultos deste país, que as autárquicas são um fenómeno local e não representam um reconhecimento à magna obra que o PSD vem fazendo em prol do desenvolvimento do país e sua recuperação económica. Claro que os votos em massa no partido do governo, na pessoa dos seus agentes autárquicos, nada representariam a nível nacional.

De tão absurda e ignóbil, no caso inverso, duma esmagadora maioria de não votos nos autarcas do PSD, a teoria de que uma vitória do PS, mas também da CDU, nestas eleições autárquicas, nenhum sinal de condenação à política do Governo significaria a nível nacional, é no mínimo ofensiva e desonesta. Bem pode o Primeiro Ministro argumentar com a sua mimética professoral que o voto dos Portugueses não quer dizer nada, no que ao Governo diz respeito, que os votos foram explicitamente expressos, num gesto inequívoco de protesto contra as medidas que vêm empobrecendo o país, sem resolverem o desastre das suas contas internas e externas.

Quanto a isto, estamos falados, mas não nos iludamos. O Governo pode ter saído fragilizado e ter ficado mal no retrato, mas a vingança será terrível e, como soe dizer-se, será servida a frio, nos próximos meses que vão do Outono ao Inverno.

Se os Portugueses ousaram vincar bem este sinal de descontentamento, o Governo vai mostrar quem é que manda e o refinado autoritarismo que os identifica, mais do que nunca vai vir ao de cimo. As ameaças já começaram a surgir e entre os silêncios e o ruído dum segundo resgate, seja qual for o nome que lhe atribuam, já pairam no ar os cortes nas pensões dos pensionistas e reformados, a tal diminuição das despesas do Estado, que é o mesmo que estancar uma hemorragia, deixando o sangue duma ferida esvair-se completamente, em vez de laquear a veia.

Seria talvez exagerado admitir que Passos Coelho é uma pessoa malévola ou mesmo vingativa ou ressabiada. Quero manter o bom senso e usar o costumeiro benefício da dúvida quanto ao seu carácter, mas não se pode deixar de admitir que a sua atitude perante os Portugueses que mais têm sofrido com as suas políticas, denota um comportamento hostil e desrespeitoso, vendo em cada um deles, ou um inveterado perdulário ou um desonesto sugador dos recursos do Estado. Outros, os que verdadeiramente encaixam neste retrato tipo, os que ganham milhões à custa desse mesmo Estado, os que dele se servem para a sua auto promoção, os que se refugiam nos meandros pantanosos da lei, para fugirem ao fisco e não cumprirem as suas obrigações, esses passam incólumes no crivo do Primeiro Ministro e ainda são protegidos e respeitados, senão mesmo canonizados como entes acima de qualquer obrigação ou suspeita.

Não nos iludamos, muito ainda vamos sofrer, em nome dos sacrossantos mercados, dos credores, dos investidores, da Troika, do FMI, do BCE e da Comissão Europeia, esse capote que travestiu Durão Barroso de grande politico europeu. No fundo, tudo se resume a finanças dinheiro e poder. As pessoas ficaram à porta de Portugal. Ficaram à porta da Europa. Bem pode o espaço Schengen continuar a existir, que as pessoas acabarão por não ter dinheiro para circular, com excepção talvez daqueles que ainda têm tempo e força para emigrar. A Europa humanista, solidária e social é hoje considerada uma extravagância, um luxo desmesurado e um sonho descabido. Os burocratas de Bruxelas e Estrasburgo precisam da Europa para fazerem as suas construções lego de directivas que ainda hão-de debruçar-se sobre a melhor maneira de dar o nó aos atacadores dos sapatos ou mesmo consumar a cópula com normas europeias. E Berlim, ali ao lado, para vigiar e passar ralhetes e passear-se de fato saia casaco da ex-RDA, com ar austero e punitivo, qual Stasi das mentalidades europeias e do “argent de poche” de cada europeu.

O nosso primeiro ministro, um visionário saudoso dum futuro que já foi passado, concorda com tudo isto e ainda ambicionará um lugar de camareiro da senhora Merkel, preocupadíssimo em não tossir ou pigarrear em tons muito altos, para não provocar a ira à Fräulein. Entretanto, Portugal já não precisará de ajuda externa, nem de resgate, nem avaliações ou ratings. Os alemães e aqueles que eles deixarem, virão cá passar férias e os Portugueses apresentar-se-ão em trajes regionais para deleite de um turismo seleccionado e exigente. Alguns terão o privilégio de usar calções e suspensórios da Baviera, como se estivessem na Oktoberfest, servindo vinho a copo em vez da loira cerveja alemã. Mas tudo segundo as normas da Europa. Portugal terá então reaprendido a ser feliz, numa variante de felicidade periférica e os Portugueses terão muitos filhos, uma das formas encontradas, e contida em mais uma directiva de Bruxelas, para combater a crescente e insalubre Emigração de além Europa.

Não nos iludamos. Ou fazemos agora frente às investidas de quem ainda manda, ou nem em eleições autárquicas teremos a possibilidade de gritar bem alto que não queremos este governo!… Queremos ser felizes, porra!…

P.S. – Atenção, nada de boicotar o não feriado do 5 de Outubro e começarem para aí a gritar “Viva a República”, porque isso pode desestabilizar os mercados. Se fosse o mercado do Bulhão, carago!… Ainda a gente poderia ouvir um coro daquele português vernáculo do norte… Agora os outros mercados são muito comedidos no verbo e particularmente assépticos. Não tinha piada nenhuma!…

Por: Ernani Balsa
“escreve sem o acordo ortográfico”

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