O termo “trabalho” tem a sua origem nas palavras românicas “travail”, “trabajo”, etc., derivam do latim “tripalium” ou “tripaliu”, nada mais, nada menos do que a denominação dada na antiguidade a um instrumento de tortura destinado aos seres humanos que era constituído por três paus (tri+paliu), com grandes semelhanças a uma canga.
Assim, nesta primeira incursão às origens, ficamos convictos de que “trabalhar” significava ser torturado, logo, e à época, aqueles que trabalhavam eram os pobres e os servos, que dificilmente poderiam cumprir na íntegra com o pagamento dos elevados impostos e por isso eram beneficiados sistematicamente com um lugar reservado no “tripaliu”, contrariamente, aqueles que tinham posses não trabalhavam.
Por outro lado, o termo “laborare” em latim, significava o “balançar do corpo sob uma carga pesada” e em geral era usado para designar o sofrimento e o mau trato do escravo e/ou servo. Também nos países de língua germânica a palavra “arbeit”, significava o trabalho árduo de uma criança órfã e por conseguinte, serva, acabando por dar origem à expressão idiomática alemã “canga do trabalho” (joch der arbeit).
Ao observarmos o sentido etimológico da palavra “trabalho”, verificamos que também não é sinónimo de uma actividade humana autodeterminada, bem pelo contrário, tudo aponta para um destino social carregado de infelicidade, não sendo, no fundo, mais do que a actividade daqueles que perderam a sua liberdade.
O verdadeiro inimigo do homem é o próprio homem. Para fazer jus a esta máxima e indo ao encontro da temática em causa, os homens ampliaram o trabalho a todos os membros da sociedade. Este acto levou à generalização da dependência servil, chegando aos nossos dias como se de uma elevação religiosa se tratasse, sendo sentida em todos os lugares, mas sem ser palpável, isto é, todos acabam por obedecer a um deus invisível do sistema e que os subjugou sob o “tripaliu”.
Desde finais do século XVIII, em que se começou a construção da modernidade nas sociedades ocidentais, com especial destaque para a vertente sociopolítica, sempre se pregou a santidade do trabalho, feito na maioria das vezes através de confrontos onde o fanatismo imperava, acabando por se encher valetas de sangue quer de socialistas, de fascistas, de conservadores e de democratas. Contudo, estes sacrifícios foram levados por todos os intervenientes ao altar do deus invisível do trabalho; veja-se o caso da Revolução Francesa que declarou o dever ao trabalho e introduziu numa “lei de eliminação da mendicância”, novas prisões de trabalho. Estavam criados os alicerces para a construção de uma ditadura do trabalho abstrato com o beneplácito dos extremos.
O trabalho torna-se com os tempos um valor ético-moral como formador da personalidade do indivíduo e isto porque, se reparamos no Hino Internacional do Trabalho, a breve trecho encontramos a seguinte frase “afastai os ociosos”, se reparamos no cimo dos portões de entrada em Auschwitz deparamo-nos com a frase “o trabalho liberta”, em termos gerais este tipo de injecções formativas, como sabemos, tinham objectivos específicos e duvidosos, porque o pretendido era manter os indivíduos ocupados e assim não lhes dar tempo para a ociosidade e reflexão, pois com o pensar, poderia nascer o congeminar de uma revolta, no fundo era a personalidade tipo “zombie” que se pretendia.
Sensivelmente no último quartel do século XX, em plena revolução cibernética, os Estados começaram a perder o seu posicionamento interno e externo e as diferenças de cariz ideológico eclipsaram-se, ficou então um dogma, segundo o qual, o trabalho é a ousadia natural do homem.
De facto, a questão do trabalho nas sociedades ocidentais está impregnado de um fanatismo laboral, em que, quem não consegue vender a sua força de trabalho ou não consegue manter-se na concorrência, passa à condição de supérfluo, avançando em seguida para o aterro sanitário social na qualidade de lixo humano e se possível sem ruido.
Nos nossos dias já se prefere qualquer trabalho do que trabalho nenhum.
Parece-nos que é impossível retroceder ou fazer parar todo este processo porque o sistema produtor desde a sua génese encontra-se em plena contradição, isto é, por um lado, precisa maciçamente da energia humana para a sua maquinaria, por outro lado, devido à lei da concorrência, precisa de aumento da produtividade no qual a força do trabalho é substituída por maquinaria com tecnologia de ponta.
Cada vez mais é preciso entrelaçar os braços e cerrar fileiras, para que de uma vez por todas se altere este caminho da humilhação à componente humana, não deixando o sector económico sobrepor-se ao social.
Em 1881, Friedrich Nietzsche -“Os apologistas do trabalho”- escrevia o seguinte:
“No fundo agora se sente… que um tal trabalho é a melhor polícia, pois detém qualquer um e sabe impedir fortemente o desenvolvimento da razão, da voluptuosidade e do desejo de independência. Pois ele faz depender extraordinariamente muita força de nervos, e despoja esta força da reflexão, da meditação, do sonhar, do inquietar-se, do amar e do odiar…”
Por: Carlos Fernandes de Carvalho
“escreve sem acordo ortográfico”