Passava do meio dia quando a Dra Geiser, 28 anos, chega ao depauperado gabinete médico no bairro de Santos Suárez, município ‘Dez de Outubro’, ao sul de Havana. Antes de vestir a bata branca e atender os primeiros pacientes, guarda no armário um saco com pão, dois abacates e cinco libras de costela de porco (2.26796kg), que comprou num mercado agrícola a caminho do trabalho.
O consultório médico devia abrir às nove. Mas a escassez de suprimentos e medicamentos é uma das razões para Ismary, a enfermeira, acordar mais tarde, tomar tranquilamente um fraco pequeno almoço, e percorrer os dois quilómetros entre a sua casa e o gabinete médico. Seis pacientes aguardam a vez para serem atendidos. O local está em estado ruinoso. O piso sujo, a maioria das cadeiras de plástico no salão estão partidas e uma lâmpada de luz fria pendurada no teto, ameaça cair.
A sala de enfermagem não tem iluminação. Na prateleira dos medicamentos, há apenas iodo e mercurocromo. Um pequeno Kit para esterilizar agulhas e bicos de aerossol, que foi doado, há muito tempo que está inoperacional. No lobby, um mural desatualizado exibe as estatísticas de saúde pública de 2003. “Parece que passou um século. O nível de cobertura de saúde nos últimos vinte anos, é um desastre, quando esses números são comparados com os de hoje”, diz um homem com uma queimadura no braço direito.
Lê-se no mural que se encontra na parede, que em 2003, o parque de instalações de saúde pública em Cuba, era constituído por 286 hospitais, dos quais 83 gerais, 34 clínicos-cirúrgicos, 26 pediatricos, 18 obstetricos, 18 materno infantis, 64 rurais e 43 especializados. Além disso, existiam seis centros cardio, 289 lares de acolhimento e 1.961 farmácias bem providas de medicamentos e funcionários.
A taxa de mortalidade infantil em 2003, foi de 4,8% por mil nascidos vivos e a expectativa de vida era de 77,79 anos. As mulheres excediam os 80 anos de vida e 99,1% da população era tratada pelos gabinetes do médico de família, que faziam parte da estrutura primária da atenção à saúde.
Choveu muito desde então. Um funcionário do Ministério da Saúde o ‘Minsap’, revela que: “A mortalidade infantil é superior a 9% em cada mil nascidos vivos e, em muitas províncias, é de 12 a 13%. Entretanto mais de um terço dos hospitais fecharam ou não prestam serviços para os quais foram projetados. 60% dos gabinetes de médico da família não funcionam. O número de médicos, enfermeiros e técnicos de saúde caiu cerca de 75 mil, na comparação com 2003”.
Como amostra recente: “Entre 2022 e 2023, os serviços de saúde, contam com menos 46 mil profissionais. Desse número, 12 mil são médicos. Quinze anos antes, as policlínicas da comunidade realizavam consultas semanais de especialidades médicas. Atualmente, os pacientes tem de viajar entre províncias, para consultas médicas. As clínicas estomatológicas ou estão fechadas ou funcionam como entidades à margem da lei e do sistema, ilegais. A expectativa de vida dos homens caiu para os 73 anos e 76 para as mulheres. A escassez de alimentos e medicamentos afeta essa expetativa. Somente são realizadas algumas intervenções cirúrgicas de emergência. Nos hospitais, falta tudo, até as seringas descartáveis. É um desastre absoluto ”, diz o funcionário.
A Dra. Geiser tenta fazer o seu trabalho, mas quase, sem qualquer suprimento médico. “Podemos fazer alguns curativos graças à ajuda dos cidadãos que nos doam algodão e gaze. Quando vem para injeções, trazem as suas próprias seringas descartáveis. A maioria dos tratamentos são baseados na medicina tradicional. É muito doloroso tentar ajudar o filho de uma família de renda baixa ou um velho aposentado, que recebe uma pensão de 1.500 pesos (56,39 Euros), porque não tem dinheiro para comprar antibióticos no comercio privado, para o seu tratamento.
Numa folha de um caderno escolar, o Dra Geiser prescreve a medicação para o tratamento a seguir, pelo doente que atende. As canetas são oferecidas pelos pacientes. “Continuamos a trabalhar fazendo um esforço indescritível. O meu salário é de 6 mil pesos, o equivalente a 225,55 Euros. O salário da enfermeira é de 4 mil pesos (150,37 Euros).
Abrimos o gabinete duas ou três vezes por semana. Nos outros dias, temos que sair, para procurar a comida para as nossas casas. Embora seja eticamente incorreto, a maioria dos médicos e pessoal de saúde, ganha algum dinheiro extra, atendendo pacientes por fora do sistema. É a única maneira de não morrer à fome. A outra é conseguir partir numa missão ao exterior.
“Embora o governo fique com 80% do salário dos contratados em serviço no estrangeiro, pelo menos pode-se conseguir juntar entre 7 mil ou 10 mil dólares numa missão, dependendo da estadia e do país que toca. Os melhores destinos para uma missão no exterior, são a Itália, África do Sul, Catar e México. Os piores, são o Haiti e a Venezuela. Para conseguir um bom destino em missão, deve-se perder o amor a dois mil ou três mil dólares e pagar por baixo da mesa”, explica a médica.
A exportação de serviços médicos rende anualmente ao governo cubano, muitos milhões de dólares, mas apesar desse encaixe financeiro, a maioria dos hospitais públicos na ilha, estão em condições degradantes ou ainda pior. A higiene deixa muito a desejar, os cuidados médicos são paupérrimos, de uma qualidade que deve muito ao básico. Os pacientes que tem necessidade de serem tratados nos centros médicos, devem transportar lençóis, toalhas, água para beber e um balde para tomar banho, entre outras coisas.
De acordo com um funcionário do Ministério da Saúde (MINSAP) “De 2008 a 2015, o governo cubano obteve receitas entre 7 e 11 mil milhões de dólares, com a prestação de serviços médicos no estrangeiro. Dinheiro suficiente que deveria manter o sistema de saúde na ilha, a funcionar com qualidade.
Segundo os números dos primeiros seis meses de 2024, publicados pelo Escritório Nacional de Estatísticas e Informações do Estado (ONE), os setores de lazer e do turismo, tiveram uma dotação orçamental excecional, quinze vezes maior que o da agricultura, o do gado ou da silvicultura, e, 17 vezes mais do que o destinado à saúde pública e assistência social, para os quais foram autorizados apenas 769 milhões de pesos, cerca de 29 milhões de euros.
Em 2023 eram apenas 46 mil os profissionais de saúde no ativo, bastantes menos que em 2022, enquanto e segundo os mesmos dados do ONE, o regime tem mais de 22.400 colaboradores de saúde, a trabalhar em 59 países, continuando a negociar novos contratos para outros destinos.
O deficit de medicamentos e a péssima alimentação, atinge 25% da população com mais de 60 anos, afeta a deterioração progressiva da saúde da cidadania. Nos próximos dez anos, muitas mais pessoas morrerão em Cuba, por falta de apoio e condições de vida.
Dania, psicóloga com duas décadas de experiência profissional, dá como exemplo os suicídios. Esta profissional afirma que “os suicídios e comportamentos suicidas aumentaram 23% nos últimos quatro anos no município ‘Dez de Outubro’, o mais populoso de Havana e o terceiro do país logo a seguir aos municípios de Santiago de Cuba e Holguín. Um facto preocupante: a maioria dos que se suicidaram ou o tentaram na última década, eram os idosos, principalmente homens que moravam sozinhos, mas, nos últimos anos o suicídio de jovens e adolescentes em idades entre 12 e 35 anos, também tem aumentado”.
“Historicamente, o suicídio em Cuba está entre as primeiras dez causas de morte. A percentagem em cem mil habitantes está entre os 12 e 15%. Mas a partir de 1972, as taxas cresceram colocando-se entre os primeiros a nível mundial e os quartos da América Latina. Em 1982, atingiu-se um registo desastroso com o aumento de suicídios que chegou aos 23,2%. Atualmente não temos números atualizados. Mas conheço muitos casos de pacientes que ameaçaram as suas vidas, devido à frustração e à falta de uma promessa de futuro”, diz a psicóloga.
Para o regime de Castro, é mais importante construir hotéis e faturar milhões, que seguem diretamente para as contas bancárias dos generais e políticos no poder, do que comprar medicamentos e melhorar a qualidade de vida dos seus concidadãos.
Iván García
Jornalista Independente
Desde La Habana
Foto: Retirada do tweet de uma pessoa que em junho de 2023 escreveu: “Hoje é a segunda vez que as placas do telhado caem no salão do pós-operatório do Hospital Calixto García, em Havana, alguns escombros caíram em cima de um médico e de um paciente. Três semanas antes,já tinham caído algumas placas do teto falso.