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OS MODERNOS JUDAS

J. Antunes de Sousa

J. Antunes de Sousa

Há muito que se não via tamanho sobressalto, tão grande aflição em terras do Tio Sam. Creio que nem mesmo com o furacão Katrina que quase varria do mapa a cidade de Nova Orleães. Nem mesmo, se calhar, nos hediondos ataques às torres gêmeas. Nem sei mesmo se o trágico envolvimento no Vietname, por exemplo, para não falar dos atoleiros do Afeganistão ou Iraque terão provocado tantas insónias no Pentágono. E tudo por causa de dois rapazinhos com cara de meninos de coro.

De repente, eis que o país que a si próprio arrogara a divina missão de guiar o resto do mundo pela senda das boas maneiras e da sã convivência democrática e da justiça, dá por si nu, literalmente de calças na mão, na principal avenida do mundo e que dá pelo nome de internet: todas as baixezas e misérias que só à latrina era dado testemunhar ei-las expostas ao mais alvar voyeurismo de todos.

Espectacular assalto aos arquivos secretos dos EUA? Nem isso se usa já, que são bem mais subtis e igualmente eficazes os meios de recolha de informação junto dos estados que configuram ameaça. E há sempre um insuspeito e solícito funcionário pronto a fazer um jeito – que já lá vai o tempo romântico do amor à pátria. Nada de generais – que isso era estrondo a mais e não há sequer necessidade de fazer tanto sangue: para dominar um adversário numa sessão de luta pessoal não é preciso faca nem pistola – basta torcer-lhe o dedo mínimo!

Os maiorais dos países rivais estudam e elegem criteriosamente o alvo, pois sabem bem o que são necessidades e que não há maneira mais eficaz de vergar um vassalo de espinha mole do que acenar-lhe com um saco de luzidias moedas – muito mais do que os trinta dinheiros que viraram a cabeça do pobre Judas Iscariotes.

Ainda há poucos anos era possível blindar segredos, confinando-os a um número restrito de protagonistas – agora não: é tudo em rede. E todos sabemos para que serve a rede: isso, para pescar. Sim, a rede é fantástica, mas é também uma perigosa armadilha. Que é muito proveitosa porque oferece oportunidades imprevistas a um número imenso de gente? Sem dúvida, mas também lhes serve de borla o veneno letal da inconsciência e da abdicação.

Como já acontecera com a fissão nuclear: propiciou avançadas técnicas de terapia de graves doenças, mas equilibrou a contabilidade com a pavorosa e devastadora tragédia de Hiroshima e Nagazaki.

E nisto, como em outras coisas, lá vêm sempre os amantes da estética: roubou? Mas fê-lo com estilo! Traiu? Mas foi em prol da sacrossanta liberdade de imprensa que traiu. Esquecendo que tal valor, assim absolutizado, se tornou num insidioso instrumento de indiferenciação – de destruição dos estados. E sabem quem mexe os cordelinhos de tão benfazeja missão de abolir as fronteiras? Aposto que não há um entre os meus caros leitores que não tenha a resposta na ponta da língua: o capitalismo liberal, sim, meus amigos, e cujo tenebroso avatar é essa assombração que dá pelo nome de mercados.

O dinheiro erigido a deus das almas penadas desta desencantada modernidade é o responsável material pela global deflagração que se perfila.

E este episódio recente da fuga de informação sensível dos EUA é apenas (?) um sinal – inquietante e grave, por sinal. Sinal, mais um, de que tudo se sacrifica no altar do deus-dinheiro no qual depositamos a confiança última. Mas confiança em quê se tudo o que nos resta se resume a um efémero encantamento? Como depositar a única confiança em algo que tão flagrantemente inseguros nos faz sentir?

E foi, quem sabe, a busca desta ilusória segurança do dinheiro que levou estes rapazes, Manning e Snowden, a deixarem-se seduzir pelo aceno convidativo dos predadores de consciências, pondo, assim, em xeque a segurança dos seus concidadãos e, ironicamente, a sua própria.

E que não venham os outros estados com a hipocrisia da virgem ofendida censurar aos EUA o que eles próprios não fazem…apenas porque não têm capacidade para tal. Porque, tratando-se de serviços secretos, cada país faz o que pode. Nem mais nem menos.

Não, estou, contudo, e isso que fique bem claro, a fazer a apologia dos métodos utilizados pelos americanos, mas tão-só a denunciar a mistificação em curso: não foi por uma Ética da Informação que estes funcionários deram com a língua nos dentes e desviaram documentos, como o não foi no caso do mordomo do papa Bento XVI – foi por interesse, ou seja, por dinheiro: Manning is Money(ing)! Alguém os seduziu e comprou.

Entretanto, os EUA têm esta estranha capacidade de gerar dentro de si ameaças à sua própria segurança e sobrevivência – e aí a sua vulnerabilidade, mas também a sua grandeza.

Perguntar-me-ão: tem provas de que foi mesmo assim? Não. E dúvidas? Também não.

Por: José Antunes de Sousa
“escreve sem acordo ortográfico”

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