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OS VENTOS DA HISTÓRIA

J.Antunes de Sousa

J.Antunes de Sousa

Referi-me, na semana passada, às recentes investidas do mar com o balanço trágico que se conhece, e devo ter deixado então a ideia de que esta fúria dos elementos que tão inclementemente nos tem fustigado, um pouco por toda a parte, se deve exclusivamente às descabeladas agressões que, com os nossos excessos e destemperos, temos vindo a infligir à Mãe-Natureza que, como sabemos, não suporta ser violentada.

Há, porém, nesta visão um outro excesso que resulta da nossa pretensiosa convicção de que somos o centro todo-poderoso do universo, capazes de, através da nossa vontade e acção, determinar o curso da Vida e de todos os fenómenos com esta relacionados. Não.

Embora aquela visão antropocêntrica tenha a sua pequena parcela de verdade, não a tem toda porém – nem pouco mais ou menos! Impõe-se que nos abramos a um conceito muito mais abrangente e apropriado de ECOLOGIA (oikos/casa+logos/tratado): não é amigo do ambiente quem apenas se preocupa, normalmente diante das câmaras da televisão, com o destino do lince ibérico ou com as bogas do rio Lis, mas se esquece de arrumar a sua casa, leia-se alma, por dentro.

É ao contrário: diz-me como cuidas do equilíbrio de ti e dir-te-ei como tudo contigo se equilibra – e assim se realiza o conceito de Ecossistema. É, aliás, e só neste sentido – de um homem em equilíbrio íntimo como chave de uma vida verdadeiramente humana – que a problemática moderna da ecologia faz realmente sentido. O resto é folclore e fogo-fátuo – é a concepção, certamente politizada, não de uma verdadeira ecologia, mas de um ecologismo folhetinesco e panfletário.

Porque a verdade é que a natureza não dá grandes ouvidos nem aos nossos lamentos nem aos nossos desesperados e desajeitados esforços para a travar – ela segue, segura e firme, mesmo quando treme, a sua marcha de permanente auto-regeneração.

Impera, meus senhores, no universo um desígnio indefectível e a que o grande David Bohm chamou «ordem implícita», uma ordem muito para lá e apesar das ordens que desordenadamente teimamos em dar-lhe. Há uma ordem que manda, não obstante todos os nossos desmandos, que governa, mesmo com todos estes nossos desgovernos.

Sempre assim foi: de tempos em tempos, mesmo no tempo em que os homens não estavam artilhados com tão poderosos meios de destruição. A verdade é que parece imperar uma espécie de círculo criativo cósmico: criação-destruição-recriação. As florestas da América do Sul, por exemplo, ao cabo de cerca de 12.000 anos, converteram-se em savanas, num movimento ditado pelo processo mais amplo dos ciclos de glaciação natural – num vaivém que continuará inelutavelmente.

Não significa, atenção, que lavemos daí as mãos e nos continuemos a lançar de cabeça no trágico e triste entretenimento de dar cabo da vida. Há um autor francês, Henry Corbin, de seu nome, que tem até uma designação deveras pomposa e, diria, um pouco atrevida para designar este nosso tempo em que nos vimos empenhando em dar cabo daquilo que Deus tão gentilmente se dignou criar: a «era anti-demiúrgica»!

Claro que não há dique que impeça o avanço das águas revoltas quando está inscrito na ordem que as faz revoltear que avancem. Mas há a certeza que de que a principal razão de nada valerem esses diques é por continuarmos a construí-los sobretudo entre nós – entre ricos e pobres, entre brancos e pretos, entre inteligentes e néscios, bons e maus!

Mas é, reconheçamo-lo, muito pedagógico saber que há uma Ordem que comanda a História – e que o que a cada um importa é ter a sabedoria de, em consciência, tomar o seu lugar na carruagem do tempo. Como seria muito aconselhável que os que têm a supina presunção de nos estarem a governar e a conduzir para a «terra prometida» parassem para, num acto de humildade, reconhecerem que a crise parece estar a dar tímidos sinais de superação porque é da sua própria natureza instrumental, além de ser limitada no tempo, mediar e propiciar a emergência de uma nova realidade. Sim, nova: o que vier depois há-de ser outra coisa, apesar de os tecnocratas do futuro afiançarem que retornaremos ao «paraíso perdido».

Isto parece estar a melhorar, apesar do governo e não em resultado directo do bisturi que nos vêm aplicando: desemprego a descer? Que admiração, com toda a malta a cavar para Angola e para o Qatar!

O indicador do turismo melhorou? Pudera, os estrangeiros preferem, mesmo assim, o Algarve às praias do Líbano, da Síria, do Egipto, onde há tiro que ferve!

A taxa de exportações aumentou? Para onde se haveriam de virar os nossos dinâmicos empresários quando cá dentro a procura se contraiu para um nível de abstinência de sexta-feira santa?
A verdade é que sinais relativamente fiáveis de recuperação da economia contrariam flagrantemente todas as funestas previsões dos economistas que, do alto da sua estultícia tecnocrática, nos quiseram fazer crer que manejavam os cordelinhos do futuro.

A Economia está incluída no seio das Ciências Humanas, mas de humana tem pouco ou nada: Mais: o prémio Nobel de Economia é porventura o mais disparatado: o único efeito visível que parece ter é o reforço substancial da conta bancária do contemplado, quase sempre velho de mais, porém, para dela se gozar.

Em resumo: perante a marcha da História e da Vida que, no seu desígnio de sentido, nos surpreende e desarma, como é ridícula esta jactância deste governo forte para os fracos e fraco para os fortes: ao menos a humildade de reconhecer que os ventos da história não se decretam na Gomes Teixeira!

Por: José Antunes de Sousa
“escreve sem o acordo ortográfico”

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