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PÔR EM QUESTÃO A QUESTÃO

Ernani Balsa

Ernani Balsa

PĂŽr em questĂŁo a questĂŁo. Duvidar da prĂłpria dĂșvida. Abrir um espaço de debate daqui atĂ© ao fim da nossa vida, porque tanta coisa precisa de ser discutida, tanta coisa precisa de ser mudada, tantas certezas precisam de ser desmontadas e tanta gente urge ser confrontada com aquilo em que repetidamente se engana. Vivemos uma anti-utopia em que nada parece poder ser idealizado porque tudo jĂĄ estĂĄ determinado e instituĂ­do. HĂĄ sempre forças, instituiçÔes, grupos, partidos, comissĂ”es, foruns e iluminados que pensam por nĂłs. E nĂłs chegamos sempre atrasados aos debates onde eles determinaram as nossas vidas, o nosso futuro. Seremos aquilo que eles quiserem se nĂŁo quisermos verdadeiramente ser aquilo que queremos ser. Quantas vezes nos acusam de desejarmos a utopia, o absurdo, mas eles governam-nos com o absurdo, porque o absurdo deles tem a força, a razĂŁo e a legitimidade do poder, venha ele de onde vier.

Daqui a quanto tempo acontece o futuro? HĂĄ quem faça vaticĂ­nios para daqui a quarenta, a cinquenta anos, como se isso servisse de alguma coisa… A dimensĂŁo do tempo Ă© cada vez mais incomensurĂĄvel porque as mudanças acontecem fora de qualquer escala que estivesse traçada nos nossos percursos de vida. AlteraçÔes constantes de ritmos que seriam expectĂĄveis, confundem a velocidade a que o tempo passa e hĂĄ pessoas interessadas em alterar tudo isso, na esperança de virem tambĂ©m a controlar o tempo, e controlando o tempo, melhor controlarĂŁo aqueles que nĂŁo tĂȘm tempo para ver o tempo a passar. Qualquer um de nĂłs, fora da esfera de um poder que tudo tenta controlar, vĂȘ o tempo passar e nĂŁo consegue parar um pouco para pensar. A vida corre mais rĂĄpido do que a prĂłpria existĂȘncia e por isso falta-nos tempo para vivermos, para alcançarmos aquilo que deveria ser a dimensĂŁo que trazemos do passado para projectar no futuro, Quando lĂĄ chegamos, deparamo-nos com algo que jĂĄ passou, ou chegamos cedo demais ou atrasados, porque nunca acertamos no apeadeiro de uma qualquer felicidade que imaginĂĄmos poder existir.

E quanto custa ser feliz? Para que servirĂĄ a vida senĂŁo para vivermos?… E no entanto, tĂŁo poucos de nĂłs conseguimos lĂĄ chegar… Tudo seria tĂŁo mais fĂĄcil se todos acordĂĄssemos que viver Ă© procurar e encontrar a felicidade. Mais cedo, mais tarde, aqui, ali, noutro lugar, mas seria uma busca com sentido, um caminho com chegada, um dia com sol, mesmo que depois de uma noite escura. Seria anti-natura todos termos acesso Ă  felicidade? HaverĂĄ quem diga que sim, que a felicidade sem tragĂ©dia ou desaires nunca poderia fazer avançar o mundo… Mas Ă  custa disso, uns poucos, que tĂȘm vindo a aumentar, eles prĂłprios forçam as pequenas catĂĄstrofes e misĂ©rias que nos vĂŁo empurrando para a beira do precipĂ­cio, de onde jĂĄ nĂŁo se avista nem passado nem futuro. HĂĄ muitos que vivem quase exclusivamente Ă  custa da pobreza e das dificuldades daqueles que apenas almejam sobreviver, porque jĂĄ nasceram com essa escassa quimera no olhar. Outros, que tiveram um crescimento mais equilibrado, rapidamente aprenderam que se lutassem poderiam chegar mais alto e dar melhores dias Ă  sua descendĂȘncia. Ousaram chegar ao nĂ­vel mĂ©dio da pirĂąmide, mas logo lhes foram detectadas as suas ambiçÔes e isso iria causar o desequilĂ­brio de um poder assente na desigualdade firmemente acentuada. SĂł esse desequilĂ­brio poderia continuar a assegurar a prevalĂȘncia dos que muito ganham sobre aqueles que lhes servem de fermento Ă s suas riquezas. Esta Ă© a sociedade que nos Ă© vendida em pacotes de vida de baixo teor de felicidade, para que o nosso organismo mental nĂŁo se torne dependente dessa glicose da vida com qualidade, que deveria estar ao alcance de todos os que se quisessem esforçar por viver melhor.

Caminhamos a passos largos para uma sociedade que jĂĄ perdeu grande parte dos seus valores e cada vez mais vai perdendo vergonha e sentido de respeito entre a espĂ©cie humana. Quando sĂŁo os prĂłprios governos, aqueles que deveriam ter esse sentido mais apurado e totalmente posto ao serviço das populaçÔes, os que mais se orgulham de ir contendo as pessoas numa malha de dificuldades e obrigaçÔes, actuando criminosamente nas suas mentes, convencendo-as de que nĂŁo existe qualquer alternativa ao seu empobrecimento, nĂŁo sĂł financeiro como de liberdades e capacidade de pensar, Ă© fĂĄcil prever a decadĂȘncia humana ao fundo de um olhar que nĂŁo precisa de ser muito crĂ­tico. Basta pensar… TĂŁo amigos de nĂłs que eles, os bruxos do poder, se nos revelam, que nos aconselham permanentemente a aprendermos a viver com cada vez menos. Falta-lhes sĂł conseguirem a cegueira colectiva para que nĂŁo possamos simultaneamente assistir ao crescimento das riquezas dos que tudo controlam e tudo desperdiçam sem sinais evidentes de qualquer tipo de culpa na consciĂȘncia.

Dir-me-ĂŁo que me terei, quiçå, transformado num arauto das desgraças, do caos e da decadĂȘncia, mas muito gostaria de constatar de me ter enganado. Tenho apenas um problema grave de ordem prĂĄtica, Ă© que o tempo que me sobra entre este tempo e o tempo de se chegar a qualquer conclusĂŁo desse tipo, embora escasso para a minha perspectiva de vida, Ă© longo demais para que eu tenha o tempo suficiente para me redimir deste meu pessimismo. JĂĄ o disse e repito-o, aqueles que a meio da sua vida foram apanhados por esta “cura milagrosa” das finanças, chamada desemprego, esta purga de gente que estava a mais no mercado de trabalho, “roubando dinheiro” Ă queles que analiticamente calculam a sua riqueza em braços a mais ou a menos que lhes atrapalham os lucros que tĂȘm de ser altos e fĂĄceis de conseguir, esta geração de gente que se vai habituando a viver com pouco ou nenhum dinheiro, estĂĄ aqui para durar… e durar atĂ© Ă  sua prĂłpria extinção e os mais novos, que um dia talvez encontrem trabalho, jĂĄ poderĂŁo ser recompensados com meia dĂșzia de tostĂ”es e ainda agradecerĂŁo. Portanto, se me disserem que sou pessimista, perguntem-lhes a eles o que Ă© o pessimismo, principalmente sem dinheiro no bolso e com as dispensas vazias para alimentarem os filhos, ou aos avĂłs para alimentarem filhos e netos… Perguntem-lhes!… A Ășnica dificuldade Ă© que a pobreza Ă© cada vez mais envergonhada e o sentido de culpa interioriza-se-lhes por debaixo dos abafos que vĂŁo acumulando para apagar o frio que lhes vai na alma. Muito pior do que ser pobre Ă© sentir culpa por se ter exposto Ă s condiçÔes que outros lhes ofereceram para chegar a tal… E eles sem alternativa nenhuma…

Por: Ernani Balsa
“escreve sem o acordo ortogrĂĄfico”

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