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Pseudociência: Propensos a concluir precipitadamente
Nuno de Sá Teixeira - Professor no Departamento de Psicologia da Universidade de Aveiro

Pseudociência: Propensos a concluir precipitadamente

Crentes em pseudociência mostram-se mais propensos a tirar conclusões com base em menos evidência

Dois estudos recentes mostram que crentes em pseudociências revelam uma maior tendência para extrair conclusões mais precipitadas a partir de menos quantidade de informação, sendo mais susceptíveis a inferir relações de causa-efeito sem evidência para tal.

Imagine que lhe mostram um saco, opaco, com bolas no interior. É-lhe dito que as bolas podem vir de um de dois frascos: O frasco A contém 60 bolas vermelhas e 40 bolas azuis; o frasco B contém 40 bolas vermelhas e 60 bolas azuis. A sua tarefa é indicar qual dos frascos, A ou B, foi despejado para o saco. Para tal poderá tirar uma bola de cada vez e verificar a sua cor – pode tirar tantas bolas quanto deseje e, quando julgar ter informação suficiente, indicar a sua resposta. Coloca a mão no saco, agarra numa bola e tira-a: a sua cor é azul. Neste momento poderá pensar que a evidência aponta para o frasco B. Ainda assim, tira mais algumas bolas, uma de cada vez: vermelho, vermelho, azul, azul, vermelho. Julga, neste momento, ter evidências suficientes para decidir qual dos frascos foi despejado no saco? Ou preferiria tirar mais algumas bolas? Se sim, quantas mais?

A situação descrita corresponde a uma de duas tarefas que um grupo de investigadores da Universidade de Barcelona, liderado por Javier Rodríguez-Ferreiro, empregou num estudo publicado recentemente na revista Scientific Reports. Sabe-se que em tarefas deste género as pessoas variam na quantidade de evidências que requerem para sustentar uma conclusão e, mais que isso, que essas diferenças traduzem a propensão individual para tirar conclusões precipitadas. O estudo em causa revelou que o número de bolas retirado antes de formular uma decisão se correlaciona significativamente com a tendência para acreditar em pseudociências, medida por um questionário aplicado após as tarefas. Especificamente, pessoas que declaravam acreditar mais num maior número de asserções pseudocientíficas, como “pela inserção de agulhas em partes específicas do corpo, é possível tratar condições com dor” (acupunctura), “remédios homeopáticos são complementos eficientes no tratamento de algumas doenças” (homeopatia) ou “a osteopatia é capaz de levar o corpo a curar-se a si mesmo pela manipulação de músculos e ossos” (osteopatia), também mostraram uma tendência para verificar menos bolas antes de concluir de qual dos frascos eram provenientes.

No mesmo estudo, e com resultados similares, os participantes completaram uma outra tarefa desenhada para avaliar a propensão para retirar conclusões precipitadas. Nesta era mostrado, num ecrã de computador, uma grelha quadrangular com 9 quadrados. Num dos quadrados era mostrado o desenho de um queijo e, num quadrado diametralmente oposto, um desenho de um rato. As pessoas podiam controlar o percurso do rato, de quadrado em quadrado, utilizando as teclas direccionais de um teclado, com o objectivo de atingir o queijo – contudo, se não o fizessem de acordo com uma regra determinada, o queijo desaparecia e o rato não era bem-sucedido. A tarefa podia ser repetida tantas vezes quanto necessário até que os participantes se sentissem confiantes para indicar que regra determina o sucesso ou insucesso do rato. Uma vez mais, quanto maior a propensão para acreditar em pseudociências, menor o número de tentativas que as pessoas julgavam necessárias antes de indicar aquela que julgavam ser a regra subjacente ao jogo, hipóteses invariavelmente erradas (indicavam regras como “o rato ter que passar por uma sequência específica de quadrados” ou “ter que necessariamente saltar para o queijo vindo de uma direcção específica”, etc.). A regra que ditava o sucesso do rato era, na verdade, baseada no tempo: independentemente do seu percurso, se atingisse o queijo em menos de 4 segundos, não seria bem-sucedido a obtê-lo.

A mesma equipa, num estudo anterior publicado na revista British Journal of Psychology, havia já mostrado que crentes em pseudociência se mostravam mais susceptíveis a ilusões de causalidade, isto é, a tendência de inferir uma relação causal onde nenhuma existe. Nesse estudo, uma versão de uma tarefa de aprendizagem de contingências, eram mostrados os registos de 48 pacientes fictícios que sofriam de dor de cabeça e tinham tomado, ou não, um chá medicinal, sendo indicado se o sintoma se mantinha ou tinha sido curado. De entre os 48 pacientes, 36 tinham tomado o chá e, desses, o sintoma desapareceu em 27 e persistiu em 9. Por outro lado, de entre os 12 restantes que não tomaram o chá, os sintomas desapareceram em 9 pacientes tendo persistido em 3.

Após reverem esta informação, os participantes do estudo deveriam indicar até que ponto julgavam ou não o chá em questão eficaz no tratamento de dor de cabeça. Note-se que a probabilidade de um paciente recuperar da dor de cabeça após tomar o chá, 75% (27 em 36), é exactamente igual à probabilidade de recuperar do sintoma sem ter tomado a infusão – 75% (9 em 12). Dito de outra forma, qualquer paciente, tivesse ou não tomado o chá, mostrava uma probabilidade de 75% de recuperar da dor de cabeça pelo que se conclui que o chá não teve qualquer efeito.

Não obstante, participantes que declararam acreditar mais em mais afirmações pseudocientíficas também se mostraram mais inclinados a acreditar, face a estas evidências, que o chá medicinal era altamente eficaz a curar dores de cabeça (presumivelmente por se deixarem iludir pelo maior número de pacientes que recuperaram após tomar o chá – 27 –, ignorando que a amostra sujeita ao tratamento também foi maior – 36).

Estes estudos, que expandem resultados anteriores acerca de diferenças individuais na facilidade com que se extraem conclusões precipitadas, fornece indicações valiosas acerca dos factores psicológicos subjacentes à propagação de terapias pseudocientíficas na sociedade contemporânea. As pseudociências, definidas como algo que é apresentado como conhecimento científico que, porém, se refere a entidades ou processos exteriores a domínios científicos, usa metodologias deficitárias ou não é suportado por evidências empíricas, tem vindo a atrair mais crentes. Uma sondagem conduzida em Espanha revelou que 52.7% a 59.9% da população acredita numa ou mais pseudociências, contra apenas cerca de 22.4% a 27.5% de crentes em fenómenos paranormais. De forma relevante, a crença em pseudociências (ao contrário da crença em fenómenos paranormais) não parece ser afectada pelo nível de educação formal, estando presente inclusive numa percentagem não negligenciável de profissionais de saúde.

Nuno de Sá Teixeira
Professor no Departamento de Psicologia da Universidade de Aveiro

Apimprensa / CS

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