A actividade financeira Ă© uma ĂĄrea imaculada. Ă certo que hĂĄ uns desviozitos, enfim, uns negĂłcios menos catĂłlicos, mas sempre tudo numa zona protegida, onde a Ă©tica tem outros padrĂ”es e outras leituras muito mais abrangentes e permissivas. SĂŁo negĂłcios entre gente de bem, claro. Tudo pessoas da mais impoluta honestidade e grande espĂrito empreendedor e de visĂŁo larga.
ConvĂ©m nĂŁo esquecer que sĂŁo os banqueiros e todo o seu sĂ©quito de colaboradores, investidores, administradores e outros, que nos proporcionam a vida que nĂłs temos. Eles, que se preocupam tanto em disponibilizar capitais para nĂłs podermos levar a vida que levamos e que por tal esforço apenas nos levam uns jurozitos e outras minudentes taxas, sĂŁo no fundo pessoas, de outra estirpe, Ă© certo, ligados atĂ© a famĂlias sagradas das nossas elites, bem intencionadas e que tĂȘm por elevado mĂ©rito preocuparem-se com as vidas de quem apenas usa o dinheiro e nĂŁo sabe fazĂȘ-lo render.
Esta coisa de fazer render o dinheiro, pensava eu que tinha a ver com o sistema produtivo, mas parece que isso era antigamente, no tempo em que havia indĂșstrias, produção de riqueza pelo uso de mĂŁo de obra, transformação e mais valias verdadeiramente coisificadas na manufactura de bens essenciais ou mesmo nĂŁo tanto. Parece afinal que hoje em dia, o dinheiro reproduz-se por inseminação artificial, mais ou menos na mesma base da proveta. Compram-se uns tĂtulos, uns papĂ©is, de dĂvida ou de outra qualquer designação, faz-se circular isso tudo, como se se agitasse a proveta e o dinheiro que entrou por um lado, sai do outro, rejuvenescido e tonificado e, melhor ainda, aumentado no seu valor. Trata-se mesmo tĂŁo bem o dinheiro, que atĂ© se chega ao cĂșmulo de o mandar passar fĂ©rias para paraĂsos fiscais, peço desculpa, tropicais, onde ele cresce e se multiplica, para regressar depois ao seu lar, os bancos, qual filho prĂłdigo de pais biolĂłgicos, mas com gestação numa espĂ©cie de barrigas de aluguer, que por puro respeito Ă privacidade, se mantĂȘm sempre incĂłgnitas e protegidas.
Toda esta engenharia genĂ©tico-financeira decorre geralmente, pois, num clima de recato para nĂŁo perturbar os embriĂ”es do dinheiro, porque esta matĂ©ria biolĂłgica-financeira Ă© muito atreita a convulsĂ”es, se exposta Ă curiosidade do comum dos mortais, dos governos e atĂ© de uma coisa que para aĂ hĂĄ, que sĂŁo os reguladores de mercado, dos bancos emissores ou coisa assim. Por isso, quando a coisa fica a descoberto, ou seja, quando a proveta se parte e a moeda-embriĂŁo se estolhaça num qualquer paraĂso, Ă© uma chatice. Ficam os accionistas em perigo, as sociedades financeiras descapitalizadas, as bolsas em baixa, enfim, uma degeneração em cadeia, do aspecto brilhante dos negĂłcios, que a alta finança gosta de ostentar. Mesmo assim, salvam-se os mais espertos que jĂĄ souberam arrecadar muito do dinheiro que ia saindo da proveta…
Um bom governo que se preze, distancia-se destes desastres, claro estĂĄ e como no capital privado nĂŁo se toca, porque Ă© privado, guarda-se silĂȘncio e faz-se de conta que a natural regulação dos mercados, acabarĂĄ por pĂŽr um penso na ferida e tudo continua como dantes. Ă certo que de vez em quando, se a gangrena começa a chegar aos bancos, aquela coisa tramada do efeito sistĂ©mico, lĂĄ aconselha a que o Estado tape uns buracos aqui e ali, sĂł para evitar males maiores. Coisa pouca, como se sabe, pelos exemplos que jĂĄ temos tido.
Admira-me Ă© que o governo, tĂŁo lesto e tendente a repreender e punir o cidadĂŁo comum, os funcionĂĄrios pĂșblicos, os pensionistas e o povo em geral pela sua mĂĄ conduta financeira, com acusaçÔes sempre muito fundamentadas de que viviam acima das suas possibilidades, nestes casos nĂŁo pie nem blasfeme contra o mau comportamento do sistema financeiro, por razĂ”es muito idĂȘnticas.
SerĂĄ que Ă© porque aqueles que hoje provocam mais um escĂąndalo financeiro sĂŁo os putativos futuros patrĂ”es dos futuros governantes no desemprego?… HĂĄ que nĂŁo morder a mĂŁo que nos hĂĄ-de dar de comer, e bem, nos tempos de defeso que aĂ vĂȘm.
Isto realmente, Ă© uma putativa de vida!…
Ernani Balsa
“escreve sem acordo ortogrĂĄfico”