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Putativamente falando…

Putativamente falando... de ética financeira | img: mozo.au

A actividade financeira é uma área imaculada. É certo que há uns desviozitos, enfim, uns negócios menos católicos, mas sempre tudo numa zona protegida, onde a ética tem outros padrões e outras leituras muito mais abrangentes e permissivas. São negócios entre gente de bem, claro. Tudo pessoas da mais impoluta honestidade e grande espírito empreendedor e de visão larga.

Convém não esquecer que são os banqueiros e todo o seu séquito de colaboradores, investidores, administradores e outros, que nos proporcionam a vida que nós temos. Eles, que se preocupam tanto em disponibilizar capitais para nós podermos levar a vida que levamos e que por tal esforço apenas nos levam uns jurozitos e outras minudentes taxas, são no fundo pessoas, de outra estirpe, é certo, ligados até a famílias sagradas das nossas elites, bem intencionadas e que têm por elevado mérito preocuparem-se com as vidas de quem apenas usa o dinheiro e não sabe fazê-lo render.

Esta coisa de fazer render o dinheiro, pensava eu que tinha a ver com o sistema produtivo, mas parece que isso era antigamente, no tempo em que havia indústrias, produção de riqueza pelo uso de mão de obra, transformação e mais valias verdadeiramente coisificadas na manufactura de bens essenciais ou mesmo não tanto. Parece afinal que hoje em dia, o dinheiro reproduz-se por inseminação artificial, mais ou menos na mesma base da proveta. Compram-se uns títulos, uns papéis, de dívida ou de outra qualquer designação, faz-se circular isso tudo, como se se agitasse a proveta e o dinheiro que entrou por um lado, sai do outro, rejuvenescido e tonificado e, melhor ainda, aumentado no seu valor. Trata-se mesmo tão bem o dinheiro, que até se chega ao cúmulo de o mandar passar férias para paraísos fiscais, peço desculpa, tropicais, onde ele cresce e se multiplica, para regressar depois ao seu lar, os bancos, qual filho pródigo de pais biológicos, mas com gestação numa espécie de barrigas de aluguer, que por puro respeito à privacidade, se mantêm sempre incógnitas e protegidas.

Toda esta engenharia genético-financeira decorre geralmente, pois, num clima de recato para não perturbar os embriões do dinheiro, porque esta matéria biológica-financeira é muito atreita a convulsões, se exposta à curiosidade do comum dos mortais, dos governos e até de uma coisa que para aí há, que são os reguladores de mercado, dos bancos emissores ou coisa assim. Por isso, quando a coisa fica a descoberto, ou seja, quando a proveta se parte e a moeda-embrião se estolhaça num qualquer paraíso, é uma chatice. Ficam os accionistas em perigo, as sociedades financeiras descapitalizadas, as bolsas em baixa, enfim, uma degeneração em cadeia, do aspecto brilhante dos negócios, que a alta finança gosta de ostentar. Mesmo assim, salvam-se os mais espertos que já souberam arrecadar muito do dinheiro que ia saindo da proveta…

Um bom governo que se preze, distancia-se destes desastres, claro está e como no capital privado não se toca, porque é privado, guarda-se silêncio e faz-se de conta que a natural regulação dos mercados, acabará por pôr um penso na ferida e tudo continua como dantes. É certo que de vez em quando, se a gangrena começa a chegar aos bancos, aquela coisa tramada do efeito sistémico, lá aconselha a que o Estado tape uns buracos aqui e ali, só para evitar males maiores. Coisa pouca, como se sabe, pelos exemplos que já temos tido.

Admira-me é que o governo, tão lesto e tendente a repreender e punir o cidadão comum, os funcionários públicos, os pensionistas e o povo em geral pela sua má conduta financeira, com acusações sempre muito fundamentadas de que viviam acima das suas possibilidades, nestes casos não pie nem blasfeme contra o mau comportamento do sistema financeiro, por razões muito idênticas.

Será que é porque aqueles que hoje provocam mais um escândalo financeiro são os putativos futuros patrões dos futuros governantes no desemprego?… Há que não morder a mão que nos há-de dar de comer, e bem, nos tempos de defeso que aí vêm.

Isto realmente, é uma putativa de vida!…

Ernani Balsa
“escreve sem acordo ortográfico”

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