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QUESTÕES BÁSICAS DA DESOBEDIÊNCIA CIVIL

C.F.C.

A expressão desobediência civil a que nos iremos referir é moderna, começou a ser tratada em 1849 no ensaio clássico “Civil Disobedience” do escritor americano Henry David Thoreau, no qual declara recusar o pagamento das taxas ao governo que as empregava para fazer uma guerra injusta contra o México, em que afirma, “a única obrigação que eu tenho o direito de assumir é a de eu fazer em cada circunstância o que eu acho justo”. Mais tarde, perante a consequência do seu acto que o poderia levar à prisão, respondeu, “num governo que prende injustamente qualquer pessoa, o verdadeiro lugar para um homem justo é a prisão”.

Ao abordarmos este tema é imperioso partirmos do princípio basilar de que as pessoas estão inseridas num ordenamento jurídico e por conseguinte, têm o dever de obedecer às respectivas leis. Este dever, na nossa abordagem, diz directamente respeito à obrigação política.

A obrigação política por parte da maioria dos cidadãos não é mais do que a obediência geral e constante às leis, levando à prova da legitimidade do ordenamento, se ligarmos esta observação ao pensamento de Max Weber. Assim, teremos de entender por “poder legítimo” aquele cujas ordens são obedecidas enquanto tais, independentemente do seu conteúdo. No fundo, a razão é a mesma que um poder que pretende ser legítimo encoraja a obediência e desencoraja a desobediência. Apesar de tudo, não nos podemos esquecer de que a obediência às leis é uma obrigação e a desobediência é uma atitude ilícita que normalmente é punida de várias maneiras e formas.

A desobediência civil é uma forma muito particular de desobediência e isto porque, é executada com o fim imediato de mostrar publicamente a injustiça de uma ou de várias leis, tendo como objectivo primeiro, influenciar o legislador a alterar e/ou a mudar a(s) norma(s) em causa.

A desobediência comum é um acto que desintegra o ordenamento e por conseguinte deve ser impedida ou eliminada para que o ordenamento volte ao seu estado dito normal ou originário.

A desobediência civil tem como última instância, mudar o ordenamento, levando deste modo  ao aparecimento de um acto inovador, acabando por ter um peso diminuto em termos destrutivos. Tem o nome de “civil” porque o(s) agente(s) da acção pensa(m) que não comete(m) um acto de transgressão dos próprios deveres de cidadão; entende, bem pelo contrário, que está a ter um comportamento de bom cidadão, apesar de toda a sua postura pender mais para a desobediência do que para a obediência.

Como se verifica, a desobediência civil é um acto de transgressão da lei que pretende ser justificado e que apresenta nessa justificação a razão da própria diferença de todos as outras formas de transgressão. Uma das suas justificações tem por base uma ideia originalmente religiosa e que veio com o tempo a ser laicizada na doutrina do direito natural; relembramos que os grandes movimentos de desobediência civil foram encabeçados por homens religiosos, Gandhi e Luther king. A base de uma outra justificação tem como ponto de partida a doutrina de origem jusnaturalista, com raízes na filosofia utilitarista do século XIX, que afirma a superioridade do cidadão sobre o Estado, visto este ser uma associação criada pelos próprios cidadãos. Finalmente, a última das suas justificações assenta na ideia libertária da perversidade essencial de toda a forma de poder sobre o homem, onde o Estado ocupa uma posição de destaque. Sobre esta matéria e a título de exemplo referenciamos as manifestações nos EUA contra a guerra do Vietnam dos anos 60.

O acto de desobediência civil, exactamente por ter um cariz demonstrativo e inovador, acaba por ganhar um espaço elevado de publicidade. Assim, esta questão publicitária acaba por separá-la nitidamente da desobediência comum, ou seja, enquanto a desobediência civil se expõe publicamente e só desta forma consegue conquistar os objectivos a que se propõe, o transgressor comum realiza a sua acção no máximo segredo para atingir as suas metas com sucesso.

Quem pratica a desobediência civil, como é óbvio, pende mais para o lado da desobediência do que da obediência, mas o seu pensar é assistido por três circunstâncias substanciais; a primeira, quando a lei é injusta, a segunda quando a lei é ilegítima e por fim, a terceira, quando a lei é inválida ou inconstitucional. Logo, e segundo os que praticam a desobediência civil, em todos estes casos não existe lei no seu sentido pleno, isto é, no primeiro caso não o é substancialmente, nos outros dois não o é formalmente.

No fundo, o principal argumento de quem pratica a desobediência civil é o de que o dever de obedecer às leis existe na medida em que é respeitado pelo legislador o dever de produzir leis justas alicerçadas no direito natural ou racional ou conforme os princípios gerais do direito e respeitando as regras básicas e formais previstas na Constituição. E como tal, caso não aconteça o equilíbrio necessário, terão de partir para a acção, quer a nível individual quer em grupo.

Se o argumento mencionado anteriormente fosse uma realidade prática acabaria por haver uma relação de reciprocidade entre o cidadão e o legislador, o que infelizmente não acontece, mas, se é verdade que o legislador tem direito à obediência, também não é menos verdade que o cidadão tem o direito de ser governado com sabedoria e com leis equilibradas para que estas não criem diferenças entre iguais.

Por: Carlos Fernandes de Carvalho
“escreve sem o acordo ortográfico”

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