Site icon Ipressjournal

QUESTÕES DE BOM SENSO…

Falar de bom senso implica isso mesmo, bom senso!

Ernani Balsa

Esta matéria, publicamente abordada pelo Primeiro Ministro, na sua versão de líder partidário, no último fim de semana, no encerramento da chamada Universidade de Verão do PSD, teve tudo menos isso, o tal bom senso. Já aqui abordei esta problemática de se ter duas cabeças no mesmo corpo, uma de líder partidário e outra de Chefe do Governo. Esta condição de bicéfalo, mormente em lugares de grande responsabilidade, obriga a que haja um grande equilíbrio e prudência naquilo que se diz enquanto se pensa acaloradamente, apenas com uma das cabeças, porque o efeito que se produz em quem nos ouve, dificilmente é interpretado separadamente e da maneira mais apropriada.

Num cargo de tamanha responsabilidade, tanto num aspecto como noutro, há que ter a consciência de que o que se pensa e se diz com uma das cabeças, está inevitavelmente associado ao que a outra, que se pretende dissimular, também pensa. No caso presente, quando Passos Coelho julga ter a liberdade de acusar os juízes do Tribunal Constitucional de falta de bom senso no julgamento da legislação proposta para a mobilidade, agora renomeada de requalificação, dos trabalhadores da Função Pública, requalificação que poderá levá-los ao extremo de passarem dessa sua situação a puros desempregados, sem qualquer justa causa, que não seja o facto de serem incluídos numa lista arbitrária de descartados da Administração Pública, a falta de bom senso a que ele se refere coincide com uma apreciação, que embora subjectiva, se propõe ser o mais equilibrada possível, do enquadramento, ou não, dessas normas no espírito da Constituição.

Quer isto dizer que, sendo a Constituição a Lei Suprema do país, que regula, defende e promove o estado democrático, é, segundo Passos Coelho, susceptível de ter ou não ter normas de bom senso, relativamente àquilo que ele considera ser o bom senso das suas ideias e propostas legislativas. Pelos vistos, esta excelsa personagem que preside ao governo que temos, ainda não interiorizou que é o seu bom senso que se deve encaixar na Constituição e na superior interpretação, mesmo que subjectiva, que os juízes do Tribunal Constitucional dela fazem quando tal lhes é solicitado e, no caso presente, pelo próprio Presidente da República que sustentou tais dúvidas no seu pedido de fiscalização preventiva do documento legislativo, e não o contrário.

Passos Coelho ainda não terá compreendido que é para isso que serve o Tribunal Constitucional e que tal órgão não tem que decidir de acordo com estados de dificuldade financeira ou outros, que não venham expressos na Constituição, como acontece com o estado de sítio ou de emergência.

A Constituição que Passos Coelho gostaria que existisse, não existe e ele só existe, como Primeiro Ministro, à luz da actual Constituição e portanto revela-se delirante o seu esgrimir com uma lei que não existe e nem sequer foi ainda proposta na Assembleia da República com a devida exigência de dois terços dos deputados. Mas ele, agora até vem dizer que o problema não é a Constituição, mas antes a interpretação que dela é feita pelos juízes… Talvez ele queira mandar um bilhetinho aos juízes a informá-los qual a interpretação que ele considera menos subjectiva e que serviria à medida…

Nesta perspectiva, partindo do princípio de que, seja qual for a Constituição, ela comportará sempre a existência de um Órgão de Estado com a responsabilidade de julgar da constitucionalidade ou não, das leis, sempre que surjam dúvidas, qual seria o modelo de apreciação julgado conveniente por Passos Coelho? Seria uma apreciação tutelada e balizada pelo próprio executivo?… A partidarização do poder judicial, que obrigasse à submissão da interpretação dos juízes ao programa de governo?… Ou a utópica suspensão da Democracia, sempre que o governo achasse de interesse nacional fazê-lo, para aplicação do seu programa, sem o incómodo de ter oposição institucionalmente reconhecida?…

Será talvez este o modelo político que Passos Coelho, Primeiro Ministro e líder do PSD gostaria de ver implementado, mas felizmente que o seu bom senso ainda não foi declarado como padrão nacional, nem os portugueses obrigados a reconhecê-lo e adoptá-lo.

Um Primeiro Ministro que convive mal, amargamente e a quem a Constituição lhe causa uma indisfarçável azia democrática, com frequentes e sonoras eructações, não é aconselhável em Democracia. Ainda mais, quando a sua falta de tacto político e de sensibilidade social, arrogância e menosprezo pelos mais desfavorecidos, o remete para um imagem de político que não compreende o que é governar um país. Um país não é uma empresa ou um grupo financeiro. Um país são pessoas, das mais diversas sensibilidades e em que a própria noção de Pátria as faz acreditar que os que assumem a responsabilidade da governação, o fazem com sentido de bem servir e não de se servirem deles e ainda por cima os humilharem e acusarem de erros que não cometeram.

Perguntar, tão irresponsavelmente, “Já alguém se lembrou de perguntar aos 900 mil desempregados de que lhes serviu até hoje a Constituição?” é tão ignóbil como perguntar a um moribundo, de que lhe serviu a vida!…

É “isto”, o Primeiro Ministro que temos!…

Por: Ernani Balsa
“escreve sem o acordo ortográfico”

Partilhe:
Exit mobile version