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Repressão contra jornalistas e dissidentes em Cuba
Repressão contra jornalistas e dissidentes em Cuba

Repressão contra jornalistas e dissidentes em Cuba

Eram 7h58 da manhã de 8 de janeiro, lembra Iliana Hernández, jornalista independente e ativista anti-Castro, “quando três agentes da Segurança do Estado, bateram à porta de minha casa em Cojimar, uma cidade piscatória a leste de Havana, para fazer uma busca domiciliária”.

Depois da Busca, os policias confiscaram vários itens pessoais e de trabalho, da jornalista. “A operação foi liderada por um major que disse chamar-se Alejandro, acompanhado por um Armando e pelo tenente-coronel Quênia, conhecido por reprimir oponentes e jornalistas independentes. Eles levaram o meu telefone e meu computador. Não me deram nenhum documento comprovativo, o que é ilegal ”, diz Iliana.

A jornalista foi levada como detida para uma unidade de polícia, onde foi informada que tinha sido detida ao abrigo do Decreto-Lei 370, aprovado em julho de 2019, pela Assembléia Nacional de Monoorde. Essa ferramenta legal, denunciada pela mídia alternativa e por jornalistas independentes, regula o uso da Internet em Cuba e sanciona com multas altas, que vão de 3 a 10 mil pesos (de 125 a 400 dólares) a cidadãos que detenham sites em provedores estrangeiros.

No caso específico de Iliana, a polícia política, pretende processá-la por “disseminar, através de redes públicas, informações contrárias ao interesse social”. Ela denunciou a imposição de uma multa de 3 mil pesos, moeda nacional, que poderá dobrar se não a pagar antes da quinta-feira, 13 de fevereiro.

Segundo a jornalista, que desde 2018 é colaborador do portal CiberCuba, o “procedimento de multa é ilegal. Na unidade policial, eles aplicaram-me o Decreto-Lei 370, (delito de receptação) para me processar, que nada tem a ver com o meu caso”, explica Iliana, acrescentando: “na segunda-feira, 10 de fevereiro, uma senhora do departamento de multas do meu município, veio informar-me que, se eu não pagasse a multa até 13 de fevereiro, aquela duplicava para 6 mil pesos, porque entretanto já passou um mês. Mas eu respondi que estou a ser alvo de um processo criminal e mostrei a fiança. Eles não podem condenar-me duas vezes pelo mesmo. Eu não sabia da multa, porque quando da detenção, na esquadra não assinei qualquer acta ou documento. Mas no departamento de multas, embora eles não entendam o procedimento, dizem-me que a multa está aí, por isso tenho de pagar.”

Iliana vai denunciar o seu caso. “Provavelmente é inútil, porque vivemos numa ditadura, é evidente que neste país, ninguém tem quaisquer direitos. O abuso já é demais, principalmente contra mulheres, jornalistas e opositores. Estamos totalmente indefesos perante as leis deste poder ditador. Eu não me vou calar, vou continuar a denunciar a outra Cuba, que a propaganda do regime quer esconder”.

Para alem disso, Iliana Hernández, já é alvo de ‘controlo’ pelas autoridades da Ilha, que a proibem de viajar para o exterior, apesar de ter cidadania espanhola. Juntamente com o jornalista independente Boris González e a ativista Nancy Alfaya, foram os primeiros dissidentes a quem se aplicou O Decreto-Lei 370.

Cuba é o único país do Hemisfério Ocidental onde a oposição é ilegal. As instituições legislativas possuem várias leis para sancionar a dissidência e a liberdade de expressão. A mais vigorosa é a Lei 88, de fevereiro de 1999, imposta pelo falecido ditador Fidel Castro, que aplica sanções que variam de 20 anos de privação de liberdade, à pena de morte, a quem se opõe ao regime ou denuncia em meio estrangeiro, sem a permissão das autoridades verde oliva. Segundo a Lei 88, mais conhecida como Lei da Mordaça, que ainda está em vigor, 75 oponentes pacíficos e jornalistas independentes, foram condenados à prisão na sombria Primavera Negra de março de 2003.

Depois de Fidel Castro se ter afastado do poder devido a doença e ter nomeado a dedo, o irmão Raul, a estratégia dominante mudou. Aumentaram as detenções breves e as sanções que não excedam dois anos de prisão, exceto alguns casos. Com a chegada ao poder de Miguel Díaz-Canel, o delfim de Castro II, mantêm-se as detenções de curto prazo, mas o regime começou a aprovar decretos que lhes permitem implementar ações de resposta contra manifestações artísticas e contra a mídia jornalística não controladas pelo Estado.

Na tentativa de recuperar o controlo da informação e da cultura, foi aprovada a Lei do Cinema, sem muito ruído e até contra a opinião de muitos intelectuais oficiais, o Decreto 349 e posteriormente o Decreto-Lei 370, que regula quem é ou não, um artista do regime. O objetivo é impedir o surgimento de ações artísticas e do jornalismo livre, com o único objetivo de conter o descontentamento em Cuba.

Uma fonte que trabalha no Ministério do Interior diz que “a tensa situação econômica e o ressurgimento do bloqueio de Cuba pelo governo Trump, criaram um cenário complicado. O governo tem planos de contingência para conter o ativismo dissidente e a ascensão de jornalistas e artistas independentes. Os planos variam desde intimidá-los e assediá-los a desistir de seu trabalho, ou fazê-los emigrar como exilados. O governo está preocupado com o imediatismo informativo e o uso das redes sociais por certos jornalistas, youtubers e influenciadores locais. Ele não quer que, em caso de surto social, esses ativistas informem o mundo. Eles também pretendem interromper e eliminar possíveis ligações de jornalistas ao serviço do estado, figuras prestigiosas da sociedade civil, acadêmicos e intelectuais, a instituições e meios internacionais.

Outra estratégia é processar jornalistas e ativistas por crimes comuns, manipulando e distorcendo os factos. Rolando Rodríguez Lobaina, diretor da Palenque Vision, uma agência que produziu mais de seis mil audiovisuais, com sede em Guantánamo, foi recentemente proibido de viajar para os Estados Unidos, porque tinha um processo pendente alegadamente denunciado pela mãe de sua filha mais nova. Depois de mantê-lo detido durante cinco dias, o promotor arquivou a queixa, depois de negada qualquer acusação por parte da família de sua ex-esposa. “Mas, ao tentar incriminar dissidentes e jornalistas independentes por supostos crimes comuns, eles criam um precedente. É uma forma de nos desacreditar, de tentar assassinar a nossa reputação ”, afirmou Lobaina.

Boris González Arenas, um dos autores mais lúcidos da imprensa independente em Cuba, relatou ao Diario Las Américas, que na quinta-feira, 6 de fevereiro, às três da tarde, “três policias em trajes civis e sem mandado de prisão, levaram-me à força de minha casa, onde eu estava com a minha esposa e a minha mãe de 68 anos ”

O jornalista foi detido durante mais de seis horas numa masmorra imunda na unidade policial, localizada em Zapata e C, Vedado. Boris ficou impressionado por não ter sido interrogado por nenhum agente da Segurança do Estado. “A minha primeira saída da cela aconteceu para falar com um suposto funcionário do Ministério das Comunicações, cujo nome não sou capaz de reproduzir, mas poderia ser Yosedandy ou Yordenady. A sua função era aplicar-me uma multa de 3 mil pesos ao abrigo do Decreto-Lei 370. A segunda entrevista foi com Adiel Félix García Sánchez, chefe do setor policial do bairro onde moro, que com um sorriso soberbo, me impôs outra multa por não responder às citações, emitindo na altura um documento de aviso.

Um ato de advertência em Cuba é o primeiro passo que posteriormente permite às autoridades, sancionem de dois a quatro anos de prisão, por “perigo criminal”. Em declarações ao Cubanet, González Arenas disse que quando das entrevistas sancionatórias “eu disse que esses individuos (a segurança) estavam a perseguir aqueles que criticaram o facto de três meninas terem morrido no queda das varandas em Havana, o entrevistador perguntou-me: Eram tuas filhas? Uma pergunta que demonstra indolência e ignorância, mas nos lembra que a Segurança do Estado goza de impunidade, porque tem outras pessoas que seguem o jogo “.

Por entre a agitação social, provocada pelas grandes filas devido à escassez de alimentos, produtos de higiene pessoal e combustível, o Castrismo, fiel ao seu estilo de imposição arbitrária da ordem pública, tenta silenciar as vozes da mudança redobrando a repressão, contra ativistas e jornalistas dissidentes.

Ivan Garcia
Jornalista Independente que escreve desde Havana, no Blogue “DESDE LA HABANA

Foto do Diario de Cuba: momento em que Iliana Hernández, de óculos escuros, é presa por uma policia à civil, durante a Marcha LGBTI realizada em Havana em maio de 2019. À direita, com camisa azul, Boris González Arenas, que mais tarde também seria preso.

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