Num curto espaço de tempo, em 11 dias, registaram-se 2 eventos em estruturas de utilização publica no subsolo da cidade de Lisboa.
Não é objectivo deste artigo criticar ou criar polémicas, mas sim deixar algumas questões para reflexão, dado que muitos técnicos e operacionais de segurança, nos últimos dias, me têm colocado algumas questões tanto pelo que aconteceu nas duas ocorrências, como pela potencialidade de ambas as ocorrências.
18/9 – Incêndio em PT do Túnel da João XXI
A existência de PT’s e outros equipamentos técnicos em infraestruturas subterrâneas urbanas é perfeitamente normal, basta olharmos para o metropolitano que utiliza a energia eléctrica como força motriz. No entanto, há regras e normas que definem a obrigatoriedade de instalação de sistemas passivos e activos de segurança contra incêndio, ou seja, detecção e extinção automáticas.
No caso desta infraestrutura, foi previsto no seu projecto e instalado um centro de controlo no próprio túnel, que nos primeiros tempos esteve guarnecido 24×24. Contudo, há muito que este centro deixou de estar guarnecido, desconheço na totalidade se os sistemas instalados foram direccionados para outro local ou locais. Nada de novo até aqui, pois é prática normal, no primeiro incêndio no Túnel do Marão verificamos a mesma situação.
Uma outra constatação neste tipo de ocorrências, são as falhas de manutenção e inspecção dos sistemas e prevenção.
Assim, sendo o PT propriedade da EDP e partindo do princípio que tinha instalados todos os sistemas de segurança contra incêndio, já referidos, estes tinham as inspecções e manutenções em dia? A C.M.L. como proprietária do túnel fiscaliza/controla estas acções?
No dia do acidente detetou-se que pelo menos uma saída de emergência se encontrava bloqueada, na realidade situação que não é única em diversos locais em subsolos na cidade. Quem é responsável pela segurança dos túneis rodoviários de Lisboa? Os próprios serviços do município ou empresa(s) externas?
Pessoalmente considero “criminoso”, que exista um percurso com sinalização de emergência e evacuação que termine numa saída de emergência bloqueada, são inúmeros os exemplos de mortes derivados desta condição.
29/9 – Desabamento na linha azul do metro de Lisboa
Este evento tem de facto outros contornos, no entanto também preocupantes. Mesmo com a afirmação do Edil do Município que se tratou de “um erro grosseiro” e que a obra é da inteira responsabilidade da Câmara, estas afirmações ainda levantam mais questões, pois na realidade quase que podemos dizer que “o dono da casa não tem nada a ver ou a preocupar-se com os trabalhos de outros no telhado da sua casa”.
Não terá o Metropolitano de Lisboa de acompanhar ou ter conhecimento dos trabalhos à superfície que se realizam sob os seus túneis e prevenir este tipo de situações? Sendo um erro da empresa contratada para a realização dos trabalhos, quem é o “dono da obra” e fiscaliza?
Este tipo de acidente poderia provocar algo mais complexo? Seguramente que sim!
Digamos que não será o mesmo que provocar uma rotura numa conduta de gás, água ou até mesmo um cabo de energia eléctrica. Muito mais se poderia questionar, mas como sempre a postura é tudo, acabou por terminar bem, afinal são só 4 feridos e até ligeiros, felizmente não foram mortes.
Na realidade o Homem, nas grandes urbes está a regressar ao subsolo, não se trata de nada novo, pois já alguns séculos AC havia autênticas cidades subterrâneas a algumas dezenas de metros de profundidade.
A realidade actual é que desenvolvemos infraestruturas e edifícios com diversos pisos em subsolo que vão desde estacionamento, áreas técnicas e outras, muitas das quais com diversos riscos associados, mas na maioria dos casos as questões de segurança, respostas a emergências, a capacidade de intervenção dos bombeiros não tem acompanhado esta evolução.
Afinal não se trata nada de novo. Na madrugada de 17 de Outubro de 1997, a Alameda D. Afonso Henriques acordou com chamas que destruíram completamente a estação, provocando duas mortes.
A estação estava fora de serviço devido às obras da linha do Oriente, o que fez duvidar a opinião pública sobre a viabilidade da construção dessa linha em tempo útil para a Expo 98. Apesar da dúvida, a estação da Alameda surgiu de cara renovada, a linha vermelha foi terminada em 1998, a tempo da Exposição Mundial.
Em 1997 como hoje, muitos operacionais do socorro na cidade, demonstram preocupações e assumem a falta de meios técnicos específicos, formação e treino para as intervenções em subsolo.
Todos sabemos que há todo o tipo de planos, estudos, protocolos e uma infinidade de documentos, como sempre o papel permite tudo, a realidade é totalmente distinta e os “erros grosseiros acontecem”.
Há muitos exemplos no Mundo para lidar com esta problemática, lá fora como cá, há soluções, é só uma questão de vontades e quiçá alguma humildade.
Sem mais comentários ou questões que possam gerar polémicas ou aproveitamentos, que não é o objectivo deste artigo, é URGENTE que as autoridades competentes abordem esta temática de forma transparente e sem complexos, estas duas ocorrências foram um AVISO, com final feliz.
Armando Pereira
Especialista em Segurança e Resgate Mineiro