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Tê-los ou não no CITIUS…

Há temas que não gosto de abordar quando não tenho conhecimento e sabedoria indispensáveis. Mas há também situações que não devem passar em claro, porque se metem pelos olhos dentro as irregularidades e anomalias de que sofrem. Principalmente quando os responsáveis por essas mesmas situações tentam tapar o sol com a peneira e fazem todos os esforços para que nos consideremos parvos e acríticos, enquanto eles passam sãos e salvos por entre os salpicos dos seus erros e incongruências.

A questão da justiça não é definitivamente das áreas que possa abordar com propriedade suficiente, mas qualquer pessoa com um mínimo de consciência, poder de observação e capacidade de tirar conclusões sobre aquilo a que vai assistindo, tem o dever de reclamar que o rei e a sua corte vão nus, mesmo que a Ministra da Justiça insista que vai perfeitamente trajada e impante da sua anunciada reforma. Todos sabemos que a justiça é cega, ou deveria ser, mas não somos nós os cegos que a senhora ministra gostaria que fossemos e como tal, temos vindo a assistir à mais completa derrocada do edifício da justiça, uma das traves mestras de qualquer sociedade, mormente aquelas que se dizem democráticas.

Foram mais que muitos os avisos sobre a tremenda tempestade que a implementação da chamada reforma da justiça iria provocar, caso se avançasse com o plano gizado pela tutela. Sabia-se, atempada e precocemente, que a plataforma informática em que se tem vindo a apoiar todo o sistema judicial, o CITIUS, não iria aguentar o impacto de tanta sanha reformadora e desmantelamento da rede de tribunais por todo o país. Mas avançou-se ufanamente para o desaire total, porque as pessoas são usadas para aquilo que dá jeito ao poder e não para aquilo que dá jeito às próprias pessoas. O que importava era cortar. Este governo usa a tesoura como os imbecis a estupidez natural e a eito, sem controlo nem contenção. O facto de a justiça ficar longe das pessoas retirando-lhes um direito básico de um estado democrático, isso não importa nada, porque as pessoas são apenas isso, não são um activo que dê lucro imediato ao poder do estado e da finança. As pessoas são apenas e tão só um mal necessário para a existência de um país, da sociedade em geral, do mundo inteiro até, porque aqueles que verdadeiramente dominam todas as nossas vidas, não são pessoas, mas apenas seres vivos movidos pelo dinheiro, pelo lucro e pela ganância sem limites.

Foi um festival de fecho de tribunais, deslocação de outros serviços, transferência de carradas de processos, transportados sem o mínimo cuidado em camiões de caixa aberta, e tratados por pessoas não qualificadas, sem a sensibilidade suficiente e o conhecimento da extrema importância da carga que manipulavam. Foram usados os mais diversos meios nesta operação e releva-se aqui a colaboração prestada pelos militares nesta gigantesca tarefa, os militares, aqueles que para nada servem e apenas delapidam o erário público, mas que quando os chamam, ali estão sempre disponíveis. Mas a boa vontade não assegura que a logística da operação tivesse optado pelas melhores soluções. Não admira portanto que quando feitas as contas, faltem processos, por descuido, mas principalmente pela incúria de quem organizou esta gigantesca operação. Mas mesmo nos locais, alguns apenas temporários, para onde foram transferidos os processos, estes não podem ser consultados, porque não existe o mínimo de condições para serem organizados e pô-los consultáveis. Existem assim, instalações ocupadas provisoriamente, com funcionários judiciais que têm de se deslocar todos os dias, das mais diversas distâncias, em táxis pagos pelo Estado, para ficarem a olhar para maços e maços de processos, sem os poderem organizar, porque não têm condições para tal.

Muitas destas novas instalações foram montadas com módulos pré fabricados, vulgos contentores, enquanto os Palácios da Justiça foram esventrados e abandonados sem servirem para a sua nobre e original função. Se já só havia, em muitos casos, um simulacro de justiça, porque é mentira que a justiça esteja ao alcance de todos, sabendo nós que quem não tenha capacidade financeira suficiente, só pode usar a justiça até certo ponto, como os doentes sem meios, que só tomam os medicamentos que cabem no seu orçamento, passámos agora a ter uma justiça longínqua e quase inalcançável por grande parte da população. Uma justiça que os abandonou sem apelo nem agravo, mantendo-se, no entanto, à mão de quem tenha dinheiro para a usar e dela se servir. Costuma-se dizer que quem não tem dinheiro, não tem vícios… A justiça portuguesa parece que passou assim a ser mais um vício a que se recorre apenas quando se tem dinheiro. Sempre se associou a justiça a uma imagem de dignidade, que nos era muitas vezes transmitida pela dignidade dos próprios palácios da justiça e dos seus símbolos. Chegámos agora a outro nível. A Justiça desceu agora ao nível dos contentores. Aguarda-se o próximo capítulo e talvez consigamos chegar ao nível das grutas…

Para cúmulo, o sistema informático colapsou, como já estava mais do que previsto, provocando um profundo black-out no acesso a tudo o que se encontra em rede. Mas, pior ainda… nem a senhora ministra nem os seus secretários de estado e toda a corte do reino da justiça, parecem tê-los no CITIUS para acabar com esta palhaçada.

Ernani Balsa
“escreve sem acordo ortográfico”

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2 comments

  1. António d'Almeida

    Muito adequada.
    Parece que os militares é que estão a precisar de mostrar que os têm no sítio.

  2. Bom resumo de uma má reforma.

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