Vivemos tempos complicados, numa encruzilhada de falsas promessas, projectos utópicos e de duvidosas intenções e um total desrespeito pela condição humana. Os sonhos que foram sendo construídos viram-se cerceados por uma arrasadora cultura do materialismo, misturado com um pendor autoritário que não deixa antever nada de bom. São tempos de retrocesso, quase sem réstea de esperança, tantos são os avisos, as ameaças e as projecções demolidoras de um futuro ainda pior, cada vez mais pintado de cores negras e de antevisão de um crescente fosso inultrapassável entre a população em geral, aqueles que determinam a existência de um estado e uma élite que se afirma apenas pelo poder, a riqueza financeira e um cada vez maior desprezo pelos que se sacrificam para eles poderem continuar a existir. A vergonha foi branqueada e a soberba elevada a condição obrigatória para se ter voz e capacidade de liderar. Infelizmente, os líderes são apenas arremedos daquilo que se poderia esperar, para conduzir os destinos de toda uma nação, ou mesmo do mundo inteiro. São pessoas de má índole e inferior personalidade, que assentam o seu poder e retórica num discurso de medíocre autoritarismo e indisfarçável falta de competência.
Vivemos tempos difíceis e ameaçadores, tempos de clamores e de silêncios que não dignificam nem sustentam a democracia por que tanto lutámos e acreditámos estar adquirida. Cada vez mais se erguem vozes, se praticam actos e se projectam medidas que põem em causa o bem comum e a liberdade de expressão, senão mesmo de pensamento e de um pleno exercício das liberdades mais fundamentais. O discurso tende a ser unívoco, hermético, mas muitas vezes ininteligível e mesmo vago e obscuro e para isso reinventam-se significados novos para uma terminologia que apenas pretende sonegar o verdadeiro significado das palavras. A expressão máxima da democracia, as eleições livres, passam também por uma transmutação no seu objectivo e forma. A doentia fixação no consenso faz com que se justifiquem temores de uma nova cruzada para o pensamento único, que aliado a uma auto-regulação do livre pensamento, serve para que o acto eleitoral deixe de ter qualquer resultado útil e diferenciador das diversas correntes de pensamento.
Condicionar o exercício da política a um consenso epidémico e generalizado, castrador e com intuitos niveladores e mesmo obstaculizante de alternativas, é o primeiro passo, mas um passo perigosíssimo, para limitar a democracia e o seu livre exercício. Estaremos pois no limiar do surgimento de um novo, mas pérfido, modelo de sociedade, as Democraduras, ou seja um simulacro de democracia, para consumo mediático e de política global, com um âmago de Ditadura, para facilmente se controlarem e limitarem os desvios fracturantes de uma política a uma só voz, um só pensamento e uma só solução. Neste contexto, uma vez conseguida a amarração das forças partidárias do chamado arco do poder a este conceito de unicidade da política, em nome duma pretensa salvação nacional, embora sujeita e refém de imposições externas, o acto eleitoral resumir-se-ia a uma simples adjudicação de um programa político comum, que em nada alteraria a prática de qualquer que fosse o governo saído desse acto absolutamente contrafeito dum verdadeiro acto eleitoral. Qualquer que fosse o partido mais votado, o governo formado, por maioria, sem maioria, por coligação ou acordo pós-eleitoral, a política continuaria sempre a ser a mesma, aquela já previamente acordada com forças externas ao país, governos , mercados ou credores. Seria a maior vergonha de um estado dito democrático, mas com uma prática tenebrosamente ditatorial.
Sinais desta caminhada para uma quse ditadura, são já visíveis na prática do dia a dia do nosso governo, acoitado nos braços maternais e matriarcas da senhora Merkel, a mãe e senhora de toda a Europa. Repare-se a ligeireza com que Passos Coelho, o primeiro ministro de um país da União Europeia, corre a combinar com ela a melhor maneira de Portugal sair da Troika. Com saída fácil ou com resgate, com deus ou com o daibo, como se ela fosse a President(a) do Grande Reich da Europa. Passos Coelho já transferiu a sua vassalagem para a Grande Merkel e a União Europeia é apenas um escritório dela própria… Por outro lado, bastou a divulgação do chamado manifesto dos 70, para logo Passos Coelho exercitar a sua voz de barítono, condenando aqueles que o assinaram. Em termos de consenso, o primeiro ministro só admite o dele. Que figuras proeminentes, desde a esquerda à direita mais conservadora, tenham chegado a um consenso alternativo ao dele, com intuiros de criar iguais alternativas para uma hipotética renegociação da dívida, isso soa-lhe como um ameaça à sua arte de lidar com os credores. De voz forte e bem timbrada, logo fez saber que uma orquestração de tal ordem, contrária à sua política de total submissão às forças externas que o suportam e nos exploram, era uma perigo… Que poderia até pôr em causa as excelentes condições com que Portugal tem vindo a negociar com os mercados e já mesmo a auto financiar-se… Ou seja, mantenham-se lá quietos e caladinhos que aqui quem tem opinião é so ele!
Um país progressivamente mudo e quedo, obediente e pobre será, quem sabe, o grande projecto deste cantor frustrado, que agora encena a tragicomédia mais deprimente da nossa história. Divertida, se não fosse trágica, burlesca, se não fosse criminosa, pantomineira, não fora o excesso de palavreado fútil que utiliza… ficcional, se não fosse a dura realidade do nosso dia a dia e o sofrimento mais que factual de milhões de portugueses.
Por: Ernani Balsa
“escreve sem acordo ortográfico”